Imagine um mundo onde todos são iguais. Onde surdos e não surdos convivem sem diferenças e conversam por horas. Onde a barreira linguística está sendo completamente derrubada. Agora volte para a realidade, porque para além da imaginação esse mundo já existe e está inserido na Rede Municipal de Ensino de João Pessoa, que tem 62 estudantes surdos matriculados, a maioria nas Escolas de Referência para Educação de Surdos.
E sabe quem faz parte desse mundo? Os pequenos Samuel e Pietra. Pietra Vitória Fabrício tem 9 anos de idade. Samuel Vinicius Meneses Araújo tem 10. Ambos são alunos da EMAI Celso Monteiro Furtado, no Bairro João Paulo II, e estão, respectivamente, no 3º e 4º anos do Ensino Fundamental I. Alunos surdos, eles se orgulham de fazer parte do corpo discente de uma das escolas referências para surdos na Capital.
A comunicação entre a jornalista e os dois estudantes, claro, se dá por Libras, a Língua Brasileira de Sinais, e obviamente precisa de um tradutor, já que a repórter que escreve essa história não foi educada para entender essa linguagem, ainda. O que não impede que as respostas cheguem até ela com muita emoção.
“Sou muito feliz nessa escola. Na outra eu vivia isolado, mas aqui eu sou muito feliz, porque eu convivo com os outros alunos”, desabafou Samuel. “Hoje tem muitos surdos na escola e os meus amigos brincam comigo normalmente, mesmo sendo ouvintes. A gente conversa bastante. É muito bom”, completa Pietra.
A EMAI Celso Monteiro Furtado tem cinco professores surdos e dois intérpretes. Josemar Freitas de Melo é instrutor de Libras e está na equipe há 9 anos. “Eu me sinto importante, porque essa inclusão mostra para a comunidade que os surdos são inteligentes e podem viver juntos. Vão viver o português e os surdos têm essa luta e essa representatividade. Os surdos vão se profissionalizar e motivar a sociedade. Hoje eu sou um exemplo para essas crianças!”, exclamou feliz.
Maria de Fátima de Jesus Nascimento também é instrutora de Libras da escola e suspira para falar da felicidade de estar incluída no grupo. “Sinto-me feliz! Pela primeira vez vejo de verdade os surdos fazendo parte de uma escola e participando de tudo maravilhosamente bem. Essa nova geração vai ter mais sucesso, porque estamos dando base sólida. Eles vão conseguir sua profissão no futuro”, predisse.
Educação inclusiva – Em João Pessoa há duas Escolas de Referência para Educação de Surdos: EMAI Celso Monteiro Furtado (Ensino Fundamental I – Anos Iniciais) e EMAI Leonel Brizola (Ensino Fundamental II – anos finais). Nelas, os estudantes, além de participarem de toda dinâmica do currículo comum da rede, da parte diversificada das EMAIs, ainda têm como complemento aulas de Libras – como primeira língua – e aulas de Português – como segunda língua. Também são ofertadas as aulas de Libras como segunda língua para todos os estudantes ouvintes.
“Os estudantes seguem a rotina da escola, participam de todas as atividades. Além disso, têm os momentos de vivências entre eles, apenas os estudantes surdos, para o fortalecimento da identidade e da cultura”, explicou Rosângela Melo, especialista em Libras da Divisão de Educação Integral da Secretaria de Educação e Cultura de João Pessoa (Sedec-JP).
Curso de Libras – Além das escolas, a Prefeitura de João Pessoa oferta cursos de Libras no Centro Escolar Municipal de Línguas Estrangeiras (Celest), oferecendo, neste semestre, 16 turmas nos turnos intermediário e noite; e no Centro Escolar Municipal de Atividades Pedagógicas Integradoras Arthur da Costa Freire (Cemapi), com duas turmas.
Rosângela Melo ressaltou o modelo assertivo da Sedec. “Como educadora espero que os estudantes surdos continuem nessas escolas. Acredito que a Sedec acertou no modelo. É um modelo inovador pautado nas leis, teorias e vivências que vêm sendo experienciadas ao longo da história. E mais do que isso, é a junção da inclusão com o fazer pensando nas individualidades e respeitando os direitos linguísticos desses estudantes. Já temos os primeiros resultados, ver os estudantes começando a ler é um sonho realizado”, disse.
Setembro Azul – Você pode estar se perguntando: Por que eles resolveram falar da comunidade surda? É que, além da importância do tema, setembro é um mês dedicado a essa comunidade, marcando lutas e conquistas ao longo dos anos. O movimento, iniciado em 2011, busca promover a Libras e a cultura surda, bem como garantir o direito à educação de qualidade para surdos. O ponto alto do calendário do Setembro Azul é esta quinta-feira (26), data em que se celebra o Dia Nacional do Surdo.
Nas escolas de João Pessoa referência para surdos houve toda uma programação especial, como destacou a professora de Libras Sandra Diniz, da EMAI Celso Furtado. “A gente já fez momento com os ouvintes, explicando para eles a história da educação do surdo. Eles já fizeram perguntas, já interagiram, já houve música, já houve vídeo em que o próprio surdo conta a história da educação, dos modelos que eles tiveram de comunicação total até chegar hoje esse modelo, que é o que eles mais querem, que é o bilinguismo. Tivemos, na terça-feira, a live; na quarta, uma sessão cinema, que conta a história da evolução da criança em língua de sinais, além de um campeonato de soletração”, contou.
Sandra Diniz também explicou como funciona a dinâmica na EMAI Celso Furtado. “A gente segue o currículo normal da escola. As aulas são incluídas na sala, mas a gente acrescenta os momentos em que os surdos estão agrupados em um momento só deles, para a socialização entre eles, valorização. Nesse momento que eles estão separados dos ouvintes, eles estudam a gramática da Libras e a gramática da Língua Portuguesa. Tem um horário que a gente dá aula do português com metodologia de segunda língua, uma metodologia específica para eles, para aprender o português, e o outro momento a gente trabalha a gramática da língua de sinais”, pontuou a professora.
Projeto de equidade – Equidade significa dar às pessoas o que elas precisam para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades. É exatamente isso que se percebe nos corredores de cada escola municipal de João Pessoa, especialmente essas que são referência para surdos. E quem tem acesso as oportunidades nos ensina, por sinais, como é viver em um mundo inclusivo.
Na imagem, todos juntos formam nas mãos o símbolo das Libras que traduzido significa “eu te amo”. Uma declaração de amor para todos que já compreenderam que não há limites e nem barreiras para aqueles que sonham e lutam por um mundo mais igual.
O cantor e compositor paraibano José Alberto de Melo, cujo nome artístico é Beto Melo, que é cego, transmitiu esse “eu te amo” de uma forma muito sublime em uma de suas canções. A música Anjos tem uma frase que diz: “A felicidade só começa quando cessam as desigualdades”. Isso resume todo o entendimento sobre educação, inclusão e relações interpessoais.