* por Nonato Guedes

Uma declaração do governador João Azevêdo (PSB) ao jornalista Luís Torres, da TV Arapuan, repercutiu fortemente nos meios políticos por sinalizar alerta ao PT sobre percalços na relação política para 2026, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá postular a reeleição e precisará construir novamente, nos Estados, a “frente ampla” que montou em 2022 para derrotar Jair Bolsonaro (PL) invocando o pretexto de uma “concertação” para preservar o regime democrático. João se referiu a um caso pontual – o da eleição para prefeito de João Pessoa este ano, onde seu candidato, Cícero Lucena (PP) enfrenta o deputado petista Luciano Cartaxo, para insinuar desdobramentos na campanha presidencial. Avaliou que o não apoio do PT à reeleição de Cícero pode custar caro ao PT por ter se constituído em “equívoco”, produzido – conforme ele – pelos que dirigem o PT paraibano atualmente, uma referência ao ex-governador Ricardo Coutinho, com quem está rompido desde o primeiro mandato. O vice de Cartaxo é Amanda Rodrigues, esposa de Coutinho, e este, por sua vez, tem linha direta com o presidente Lula, a quem visitou na sala especial da Polícia Federal em Curitiba nos tempos de ostracismo.

Caberá ao PT em termos nacionais, segundo entende o governador João Azevêdo, analisar se terá valido a pena insistir numa candidatura própria em João Pessoa contra um candidato apoiado por ele, que é eleitor declarado de Lula, pela senadora Daniella Ribeiro (PSD), pelo vice-governador Lucas Ribeiro (PP) e por pelo menos sete deputados federais paraibanos que compõem a base de apoio a Lula na Câmara, em Brasília. O chefe do Executivo, na verdade, não foi incoerente no seu posicionamento, já que reconheceu como legítimo o direito do PT de buscar lançar uma candidatura própria e deixou claro, com todas as letras, que em nenhum momento interferiu ou agiu nos bastidores para tentar “forçar” a adesão do PT ao nome de Cícero. Mas passou a impressão de uma leitura pela qual a reciprocidade em política deve ser cobrada – e ainda chegou a fazer um aceno, admitindo-se a hipótese de o PT paraibano, num segundo turno, apoiar Cícero. Nesse caso, a reconstrução da aliança poderia ser discutida para 2026, quando João estará se preparando para deixar o governo mas com cacife para disputar um mandato de senador. Tomada ao pé da letra, a declaração simbolizou mais um desabafo de Azevêdo do que uma ameaça de desalinhamento com Lula. Mas é um desabafo com conotação impactante na própria relação dele com Lula, e disto ele tem consciência plena. Em última análise, a fala de João pode estar inserida num contexto de distanciamento que vai sendo firmado, no plano nacional, entre PSB e PT.

A verdade é que o presidente Lula e a cúpula nacional do Partido dos Trabalhadores, dirigida pela deputada federal Gleisi Hoffmann, do Paraná, resolveram não se imiscuir nas questões ligadas à Paraíba após a volta à cena do ex-governador Ricardo Coutinho, até então recluso nos movimentos políticos diante de denúncias sobre envolvimento na Operação Calvário, que trata de desvio de recursos na Saúde e na Educação na administração dele. Em 2022, Ricardo disputou o Senado, mesmo com ameaças judiciais, e amargou posição de declínio, sendo vitorioso o candidato Efraim Filho, do União Brasil, seguido pela então deputada estadual Pollyana Dutra, do PSB, apoiada pelo governador. O PT paraibano, no primeiro turno, fechou com a candidatura do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB) e, no segundo turno, não oficializou adesão a João Azevêdo, embora alguns líderes locais do partido tenham declarado apoio, seguindo a atitude tomada pelo presidente Lula. Ricardo manteve distância de palanques, emitindo torcida nos bastidores – e não era pró-João Azevêdo.

Havia a expectativa, por parte do atual governador, de que proclamados os resultados, com a confirmação de sua vitória sobre o deputado federal Pedro Cunha Lima, do PSDB, em segundo turno, o PT estadual se alinhasse ao posicionamento de Lula, criando as condições objetivas para uma recomposição na Paraíba. Tal não aconteceu – e é certo que, para esse enredo, contribuiu bastante a ação do ex-governador Ricardo Coutinho nos bastidores. Conhecedor dos meandros e peculiaridades da realidade paraibana, o líder maior do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, optou por não se imiscuir no confronto envolvendo Ricardo e João, que a esta altura evoluía para uma fogueira de vaidades., com Coutinho se negando a absorver a ascensão e a liderança de João no quadro político local. Eleito Lula e reeleito João, o presidente da República passou a ter relação institucional aberta com o governo da Paraíba, franqueando a liberação de recursos e abertura dos gabinetes de ministérios e do próprio Planalto em Brasília para atender reivindicações específicas. Essa posição coincidiu, também, com a ascensão de João Azevêdo à presidência do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Nordeste, tornando-se uma espécie de interlocutor da Região do Semi-Árido junto aos mais elevados Poderes da República. Ricardo recolheu os flaps, na aparência, mas nunca deixou de conspirar, contra João e seus aliados políticos.

Na eleição municipal deste ano, a sagração da candidatura do deputado estadual Luciano Cartaxo pelo PT foi um trabalho engenhoso de articulação do ex-governador Ricardo Coutinho, como manobra tática para evitar que o PT caísse no colo do esquema de João Azevêdo, apoiando a reeleição de Cícero. Ricardo chegou a se recompor com Luciano, superando divergências passadas, quando este era prefeito da Capital, derrotando nas urnas candidaturas identificadas com o “ricardismo”. O entendimento entre eles avançou para uma parceria política, com a inclusão da mulher de Coutinho na chapa encabeçada por Cartaxo e o “sacrifício” da pré-candidatura da deputada Cida Ramos, que não conseguiu, sequer, inscrever seu nome em prévia interna, que acabou cancelada. Independente do PT ir ou não ao segundo turno em João Pessoa, o fato concreto é que a relação com o PSB do governador continuará complicada ou tensionada, tanto mais porque Ricardo prepara-se para disputar uma improvável volta ao governo em 2026. O que João colocou em pauta, na fala a Luís Torres, foi outra coisa, preocupante para Brasília: a reverberação dessa desinteligência paroquiana na própria campanha de Lula em 2026. É a grande novidade política, além de ser tema para sérias reflexões, dentro do PT e por parte do próprio presidente.