A cultura de paz como valor ético e de humanização. Essa é a proposta do projeto ‘Mediação Escolar e Desenvolvimento de uma Cultura de Paz”, que a Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania (Semusb) de João Pessoa, por meio da Guarda Civil Metropolitana, em parceria com a Secretaria de Educação e Cultura (Sedec), desenvolve em seis escolas da Rede Municipal de Ensino. Os alunos que fazem parte da iniciativa participam de oficinas, curso de formação, círculo de diálogos e palestras abordando temas como bullying, cyberbullying, racismo, preservação do patrimônio público, assédio, ansiedade, uso da internet, entre outros.
“Este projeto visa implantar nas escolas municipais de João Pessoa um espaço de conscientização da importância da cultura de paz como valor ético e de humanização. Buscamos refletir sobre o papel dos alunos, professores e da família na corresponsabilidade pela prevenção da violência”, explica a coordenadora do projeto, Wânia Di Lorenzo, que também coordena o setor psicossocial da Semusb.
A iniciativa começou como projeto piloto no segundo semestre de 2023, sendo desenvolvida nas Escolas Moema Tinoco (Grotão) e Frei Albino (Bessa). Como resultado, houve a formatura de 20 mediadores mirins, sendo 10 alunos de cada unidade escolar.
Este ano, mais quatro escolas foram incluídas no projeto: Damásio Barbosa da Franca (Trincheiras); Deputado Fernando Paulo Carrilho Milanez (Gramame); Ana Nery (Alto do Mateus) e Arnaldo de Barros Moreira (Novais).
Segundo a coordenadora, a Guarda Civil Metropolitana adota vários critérios para a escolha das unidades, como a incidência de chamados para mediação de conflitos, indicação da Sedec e a disponibilidade e interesse da escola.
Projeto – O Mediação Escolar e Desenvolvimento de uma Cultura de Paz se desenvolve em três eixos. O primeiro trata das atividades educativas e de conscientização da cultura de paz, englobando ações semanais nas escolas para trabalhar temas e problemas apontados pela unidade de ensino. O segundo eixo visa o estímulo, capacitação e composição de mediadores mirins.
Já o terceiro eixo trata da ‘Célula de Mediação’, que são círculos de paz e restaurativos que podem ser feitos pela equipe na própria Semusb ou na escola demandada. “Estamos criando um núcleo para atender melhor alguns conflitos, pois acreditamos que alguns deles precisam sair da escola para um ambiente neutro. Nestes casos, o mediador mirim poderá auxiliar nas células dentro da escola. Nessa etapa só agimos quando formos demandados pela escola ou pela comunidade”, explica Wânda Di Lorenzo.
Encontros semanais – Durante o projeto, todas as semanas, a equipe da Guarda vai às escolas para trabalhar temas e conflitos levantados por representantes das unidades. São realizados rodas de diálogos, debates, exibições de filmes e ações voltadas para a discussão sobre temas específicos com alunos, professores, coordenadores, diretores e pais.
“A Guarda faz o levantamento e acompanhamento de conflitos em diversas áreas da cidade. Nós percebemos que nas escolas trabalhadas somente com essa etapa educativa houve a redução da incidência de chamados, dos conflitos e da depredação do patrimônio público”, ressalta a coordenadora do projeto.
Segundo Wânia Di Lorenzo, também são realizadas reuniões constantes de planejamento escolar sobre as atividades de acordo com a temática levantada e a série trabalhada. “Toda a equipe da Semusb envolvida no projeto vem se capacitando com cursos contínuos e 80% já fez a formação no curso de ‘Concilição e Mediação’ do Tribunal de Justiça da Paraíba. Esses mediadores usam a farda na cor branca, simbolizando a Cultura de Paz, e buscando a igualdade entre as partes envolvidas no processo de mediação”, explicou.
Mediadores Mirins – Após essa primeira etapa do projeto, é iniciada a segunda etapa, que é a formação dos Mediadores Mirins. “Denominamos de segundo eixo, que visa o estímulo, capacitação e composição de mediadores mirins. Essa etapa se propõe a trazer o problema para mais perto do alunado, levando a um processo de conscientização e corresponsabilidade sobre a busca de solução dos problemas”, destaca Wânia Di Lorenzo.
O aluno se inscreve voluntariamente na secretaria da escola, na companhia dos pais ou responsáveis que assinam um termo autorizando o estudante a participar do processo seletivo, fazer o curso de formação e a atuar como mediador dentro da escola. A idade para ser mediador mirim varia de 10 a 14 anos, mas o projeto alcança alunos do Ensino Infantil e do Fundamental I e II.
Nessa fase são selecionados, através de edital, 10 alunos de cada uma das escolas para participarem do curso de ‘Formação de Mediadores Mirins’, que engloba temas como circuito de paz e justiça restaurativa, assuntos voltados para o desenvolvimento da comunicação não violenta.
“Agora nós estamos nos preparando para a abertura do edital da segunda turma do projeto destinado aos estudantes das quatro escolas já contempladas”, reforça a coordenadora. A previsão é que o edital seja lançado na primeira quinzena do mês de setembro.
Segundo a chefe de gabinete da Guarda Civil Metropolitana, Iedineia Vieira, coordenadora adjunta do projeto e também mediadora, os cursos são realizados em cinco tardes, incluindo a formatura e atividades na modalidade virtual. A Guarda, com apoio dos diretores e coordenadores das escolas trabalhadas, é responsável pelo transporte dos alunos até o local onde é ministrado o curso de formação.
Mediadores em ação – Alguns estudantes que se formaram no início do ano como mediadores mirins já tiveram suas primeiras experiências de mediação na escola, como Samuel Vítor e Késsia Vitória, de 11 anos, do 6º ano da Escola Municipal Moema Tinoco (Grotão).
O caso envolveu um aluno suspeito de fazer gestos obscenos na escola, o que causou uma grande confusão. “Usamos os ensinamentos do curso. Chamaram a coordenação e as partes para conversar e tudo terminou bem. O rapaz admitiu que estava errado e se comprometeu a não fazer mais”, relata Maria Analene Soares, gestora pedagógica da escola e também mediadora.
Renally Lucas, de 11 anos, conta que quis fazer o curso assim que soube do projeto. “Quando vi, pensei: quero saber mais, quero participar, quero ser uma mediadora”. Os cursos de formação também inspiram as estudantes Eduarda Camile, do 9º ano, e Alexia Vitória, do 7º ano, que sonham em ser policiais. “Já vem do meu avô. Quero ser policial para ajudar, principalmente, as mulheres”, diz Eduarda.
Na Escola Municipal Frei Albino (Bessa), as três colegas de turma, Maria Luiza, Gabriela Vercosa e Maria Cecília, contam suas experiências como mediadoras mirins em casos ocorridos no dia a dia da escola. Maria Luiza revelou que auxiliou na mediação do caso de três meninas. “Duas delas conversavam e a confusão se iniciou quando uma terceira se mete na conversa sem ser convidada. Eu me apresentei e perguntei se poderia conversar. Elas concordaram. Conversamos e elas terminaram se desculpando”, relatou.
Já Gabriela disse que mediou a briga de dois meninos, onde um puxou a mochila do outro. “Aprendi os pilares da mediação, a me apresentar para tentar ajudar. Aprendi a ouvir, mesmo quando não tem acordo, como foi no caso desses meninos”.
No caso de Maria Cecília, ela atuou na história de duas alunas que deixaram de ser amigas devido à falta de um convite para a festa de aniversário de uma delas. “Elas aceitaram conversar, mas não teve jeito. A que se sentiu excluída rompeu a amizade”, lamenta.
A mediação pode ser resolvida no mesmo dia ou em mais dias de intervenções. Ninguém pode atrapalhar a fala do outro. Outro ponto importante, “o que ouviu ali, fica ali”, afirma a coordenadora Wânia de Lorenzo, que complementou. “A nossa participação enquanto mediadores é fazer com que os envolvidos encontrem as respostas e as soluções”.
Iedineia Vieira, coordenadora adjunta do projeto, explica que a equipe pretende catalogar os dados relativos às mediações realizadas. “O projeto já beneficiou mais de três mil pessoas da comunidade escolar, entre estudantes, professores, coordenadores, diretores e familiares de alunos”, afirmou.
Para Zeuma Ferreira Neves, coordenadora pedagógica da Escola Frei Albino (Bessa), é importante a escola ter alunos que trabalham a cultura de paz e servem de exemplo para os outros estudantes. “Atitudes vindas de seus pares são mais positivas do que as regras que eles sabem que precisam cumprir. Eles entendem melhor quando o exemplo está ali, com eles, brincando das mesmas brincadeiras, participando das mesmas atividades que eles. A escola só tem a ganhar com esse projeto de Mediadores Mirins da Guarda”, reforça.
Na opinião da pedagoga Karla Cristiane, mediadora da equipe da Guarda Civil Metropolitana, todos ganham com o projeto. “O projeto tira as crianças do modelo tradicional, que ficava nas cadeiras enfileiradas, e as colocam em círculos para haver conversas, olhando no olho”. Ela ressalta ainda que a Segurança Pública é diretamente ligada a Educação. “Com o projeto podemos atuar preventivamente. Quando se começa a trabalhar com eles desde pequeno, a gente começa a mudar a cultura e a quebrar os ciclos de violência na escola e no meio familiar”, afirmou.