É difícil algum morador ou frequentador das rodas de samba do Bexiga, na região central de São Paulo, não ter cruzado pelas ruas do bairro com aquele vendedor de milho vestido diariamente de vermelho e preto. Afinal, uma vez Flamengo, sempre Flamengo.
Torcer pelo rubro-negro era mais que uma religião para Severino Martiniano do Nascimento, o Catolé, apelido herdado ainda criança em Bananeiras (PB), quando subiu e caiu de uma árvore que dava o fruto homônimo.
Ainda no fim da adolescência, deixou o Nordeste atrás do irmão, após a morte da mãe. Passou alguns anos na capital paulista, trabalhou como faxineiro em um prédio e às vezes dormia nas escadas para não voltar para casa no frio. Na cidade, teve uma filha de um relacionamento que não deu certo e resolveu retomar as origens, destaca publicação especial da coluna Mortes, da Folha.
Foi na volta ao sítio São José, onde a família morava no interior da Paraíba, que se aproximou da prima Eliane Andrade, quase 11 anos anos mais nova que ele. O romance nascido em 1997 —ano da conquista invicta pelo Mengão da Copa dos Campeões Mundiais— viraria casamento.
O casal se mudou para João Pessoa, retornou ao sítio, foi para o
Rio de Janeiro, onde Catolé trabalhou como porteiro, e a grande virada ocorreu em 2006 (ano do bicampeonato do Flamengo na Copa do Brasil, aliás), quando a família (já com os filhos Elisângela e Elivelton) chegou a São Paulo para fincar raízes. Surgia o vendedor ambulante pelas ruas do centro paulistano com seu inconfundível carrinho vermelho e preto.
“Ele veio antes e viu que o irmão [na época também vendedor de milho] conseguia viver bem, não precisava de patrão”, conta Eliane.
Carismático, Catolé parecia um político andando pelas ruas do bairro, pois onde passava alguém parava para conversar.
“Apesar de todas as dificuldades que enfrentou na vida, e não foram poucas, nunca foi para o mau caminho”, completa a esposa, que sofreu um AVC em 2012. “Ele me ajudou muito.”
Devoto de São José e de Nossa Senhora Aparecida, não abria mão de uma feijoada e era bom no forró.
Tinha mais de 50 camisas do Flamengo. Ênio Felipe, 12, o seu caçula, promete guardar a coleção como uma herança.
Incansável, empurrava o pesado carinho nas ladeiras que levam à avenida Paulista. Mas ultimamente andava reclamando de um desconforto no peito e de dores de cabeça.
No último dia 18 de agosto, decidiu ir até a 25 de Março fazer compras para a mulher, que é boleira. Foi na rua de comércio popular que o coração resolveu parar de repente. Uma vizinha o reconheceu no chão pela roupa.
Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer. Em seu velório, amigos e parentes vestiram vermelho e preto, sem se importar para qual time torciam. Entre ave-maria e pai-nosso, Catolé foi velado com o hino do clube e enterrado com a camisa do Mengão.
Catolé morreu aos 53 anos. Deixou a mulher, Eliane, os filhos Sumara, Elisângela, Elivelton e Ênio Felipe, e o neto Luidy.