No comando da Polícia Federal (PF) há seis meses, o delegado Andrei Rodrigues deverá propor no próximo semestre um projeto para impedir que integrantes da corporação sejam filiados a partidos políticos. Segundo ele, membro da instituição que quiser se candidatar “terá que ser exonerado e cumprir uma quarentena de pelo menos dois anos”.
Na Paraíba, um caso já registrado foi o do ex-candidato a deputado federal, Caio da Federal, demitido do cargo que ocupava na PF por fazer uso do cargo para obter benefícios político-partidários e por cometer infrações disciplinares.
A exoneração do paraibano foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) ainda em ainda em junho de 2023, na ocasião, o ex-candidato havia dito que iria tentar reverter a situação através de uma liminar judicial.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, alçado ao cargo após chefiar a segurança do então candidato do PT Luiz Inácio Lula da Silva durante as eleições, conta ao GLOBO que viveu momentos de tensão durante a campanha, o período de transição de governo e a posse presidencial. Nesta entrevista, ele diz ainda que todos os órgãos de segurança sabiam dos riscos dos atos golpistas de 8 de janeiro e que houve uma “falha generalizada”.
O senhor disse que iria propor ao ministro da Justiça, Flávio Dino, uma lei para proibir filiação partidária de integrantes da Polícia Federal. Como está esse projeto?
Vamos propor neste próximo semestre que policial federal seja proibido de ter filiação partidária. Se quiser se candidatar, terá que ser exonerado e cumprir uma quarentena de pelo menos dois anos. Quem quiser fazer política partidária está no lugar errado. Infelizmente, a instituição foi usada várias vezes. Isso cria um desequilíbrio do sistema democrático, permitindo que o candidato se projete e use a instituição para proveito próprio. Nós também regulamos o uso do símbolo da PF nas redes sociais para fins pessoais e atividades não ligadas à instituição. A ideia é evitar uso indevido da imagem da PF.
Em seu discurso de posse, o senhor disse que não toleraria interferências na PF. Encontrou indícios de ingerência?
Por parte dos meus chefes, que são o presidente Lula e o ministro Flávio Dino, não há interferência. Não poderia falar sobre a gestão passada, porque não sei o que aconteceu. O que se viu, e isso é um fato notório, foram sucessivas mudanças: diretor-geral, superintendentes, investigadores, chefes de setores. Isso trouxe instabilidade institucional. Hoje, a polícia vive um novo momento. Tive autonomia para escolher os diretores e os superintendentes. Tenho passado a mensagem clara de que agora vivemos um momento de estabilidade, com autonomia para trabalhar. Vamos fazer operações com independência e responsabilidade, focados na qualidade da prova.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), procurou o senhor para reclamar do que chamou de “vazamento” do inquérito envolvendo um ex-assessor dele. Como o senhor reagiu?
Com absoluta tranquilidade, pela certeza do trabalho correto que fizemos. A PF, em nenhum momento, divulgou nomes, dados, informações, vinculações do próprio deputado ou dos seus assessores. A operação foi baseada em qualidade da prova, com autonomia investigativa e responsabilidade. O que eu comentei com o presidente Arthur foi exatamente nesse sentido, que a PF não divulgou o nome de ninguém. Se alguém identificar desvio de conduta, sou o maior interessado em apurar.
Na véspera do dia 8 de janeiro, o senhor encaminhou um relatório ao ministro da Justiça alertando sobre o risco de atos golpistas nas sedes dos três Poderes. Se o governo tinha conhecimento disso, a segurança do Palácio do Planalto deveria ter sido reforçada?
Tive a felicidade de documentar isso na véspera do episódio. Eu e o ministro Flávio Dino adotamos todas as medidas que estavam ao nosso alcance. Estive no dia 7 de janeiro na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e disse abertamente que as pessoas que estavam no acampamento eram criminosas e não podiam sair de lá, porque iriam depredar o Congresso, Planalto e STF (Supremo Tribunal Federal). Os criminosos saíram do acampamento escoltados pela PM (Polícia Militar). E aquelas barreiras de plástico, dois PMs com sprayzinho de pimenta…Ou seja, aquilo ali para mim mostrou que deliberadamente havia o interesse que o caos fosse instaurado e acontecesse o que aconteceu.
Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal (PF) — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
Houve uma falha no sistema de segurança?
A quem o senhor atribui essa falha?
Quem deveria conter esse grupo de criminosos é a PM. Não havia nenhuma razão técnica para que não funcionasse no dia 8, porque todos sabíamos o que ia acontecer. O que se viu foi falha generalizada, mas principalmente pela ausência de uma operação consistente de uma instituição que é uma das melhores polícias do Brasil. A PM tem expertise e profissionais de altíssimo nível. Mas, naquele dia, por desleixo ou com propósito que de fato acontecesse o caos, deixou de operar como deveria.
A PF está investigando o suposto envolvimento de militares em atos golpistas. Como está essa frente de apuração?
Estamos fazendo essa investigação com serenidade. Houve uma decisão da Suprema Corte. Pelo ineditismo, se desperta mais atenção, mas independentemente do sujeito ser militar, da profissão, o que interessa são os atos e sua participação num crime. Então, se a pessoa cometeu crime e ele é militar, vai responder pelo crime que cometeu, independentemente da sua profissão. Infelizmente havia de fato vários militares que estavam envolvidos com todas essas situações.
Há indícios de que o ex-presidente Jair Bolsonaro teve influência ideológica nos participantes dos atos de 8 de janeiro?
Não posso pessoalizar. O que todos viram é uma sequência de ações que desencadearam no dia 8 de janeiro: questionamentos à urna eletrônica, ao resultado da eleição e à Suprema Corte. Isso me parece de fato ser um tracionador de muitas outras iniciativas.
O senhor comandou o esquema de segurança do ex-presidente durante a campanha e a posse presidencial. Qual foi o momento de maior tensão?
A campanha foi muito tensa, mas, sobretudo, a posse. Teve o sujeito que a gente prendeu depois do caso do caminhão com a bomba, comprando fuzil e mira telescópica. Havia várias ameaças, postagens dizendo que o presidente não subiria a rampa. Agora, vejo com muita felicidade que muitas daquelas loucuras que se viu arrefeceram. Atribuo essa mudança à atuação efetiva que tivemos. Estamos voltando ao debate político saudável.
Por que o presidente Lula decidiu deixar o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no comando da segurança presidencial, que, no primeiro semestre, foi feita pela PF?
A decisão do presidente não é exatamente essa. O que ouvi dos ministros Rui Costa e Flávio Dino é que ele quer um sistema híbrido em que o GSI e a PF coexistam e atuem de maneira coordenada. A PF não vai se subordinar às Forças Armadas assim como as Forças Armadas não vão se subordinar à PF. Haverá um trabalho integrado e coordenado.
A PF também investiga o uso de um programa de espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), sob o governo Bolsonaro, para monitorar a localização de celulares em território nacional. Qual a sua avaliação do caso?
A única coisa possível de se dizer é de que temos sempre que trabalhar com a lei, e me parece que nesse caso não há amparo legal para esse tipo de atividade.
Quais são as prioridades da sua gestão à frente da PF?
A questão ambiental é uma pauta muito forte da PF. Em junho, não tivemos nenhum alerta de desmatamento nas áreas yanomamis onde atuamos. Um carro-chefe é o combate à corrupção e ao desvio de recursos públicos. Não há que se tergiversar sobre esse tema. Vamos ser firmes e rigorosos. Há também uma diretriz muito clara do ministro Flávio Dino sobre o enfrentamento ao crime organizado e às facções. No começo do segundo semestre, vamos lançar junto aos estados as nossas forças integradas nessa frente.