O governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), foi ontem, de forma espontânea, à Polícia Federal, para prestar depoimento sobre os atos de violência do último domingo, na Praça dos Três Poderes. Ele se defendeu das acusações de inação e de que as forças de segurança do DF não atuaram de forma eficaz para conter a depredação das sedes dos Três Poderes. O governador afirmou que não houve omissão do GDF para conter os atos terroristas e revelou que manteve contato com o ministro da Justiça, Flávio Dino, desde a manhã de 8 de janeiro. Ele entregou à PF mensagens de WhatsApp e e-mails trocados com Dino, com o então secretário de Segurança Pública local, Anderson Torres, e com o interino no cargo, Fernando Oliveira.
O depoimento durou mais de duas horas. Ele deixou o edifício da PF pela garagem e não falou com a imprensa. Mais tarde, o governador disse ao Correio, com exclusividade, que o depoimento foi “excelente”, destaca reportagem do Diário de Pernambuco.
“Espero ter deixado claro que não tive qualquer envolvimento, seja por ação ou por omissão, com os fatos ocorridos no domingo”, declarou.
A defesa do governador usa como base dois documentos para afastar a tese de que ele teria se omitido. Os advogados apresentaram um documento assinado pelo próprio Flávio Dino para refutar as declarações dadas pelo ministro ao longo da semana de que o GDF não montou um plano operacional robusto de segurança para conter os protestos que vinham sendo propagandeados nas redes sociais.
No documento, o ministro aponta que uma investigação da Polícia Federal havia informado sobre a possibilidade de os prédios dos ministérios, do Supremo Tribunal Federal (STF), do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) serem alvos de ações violentas. No entanto, o ofício enviado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP) solicitava apenas o bloqueio da circulação de ônibus de turismo na Esplanada dos Ministérios, mas não pedia para proibir a circulação de pessoas entre a Torre TV e a Esplanada.
“Em nenhum momento esteve proibida a circulação de pessoas no local. A contenção estava prevista apenas para a Praça dos Três Poderes. Está havendo uma confusão sobre isso e estamos esclarecendo”, disse o advogado Cléber Lopes à coluna Eixo Capital, do Correio. Ibaneis manteve a sua versão de que foi elaborado um plano de ação para conter as manifestações, diferentemente das declarações feitas por Dino.
“Os documentos provam que foi elaborado, sim, o devido plano operacional, em que o STF, inclusive, foi alertado de que deveria reforçar as grades de proteção no prédio”, destaca o advogado Cleber Lopes.
Interferência no QG
Ibaneis Rocha culpou o Exército pela permanência dos acampamentos golpistas em frente ao Quartel-General da Força, no Setor Militar Urbano. No depoimento, o governador afastado afirmou que agentes do DF Legal e da Polícia Militar não concluíram a retirada das barracas por interferência de militares.
Como a área do QG é administrada pelo Comando do Exército, o governador disse que “o GDF manteve contato com comandantes militares para organizar uma retirada pacífica dos acampados” e que foi definido o dia 29 de dezembro como data da operação.
Segundo Ibaneis, “algumas barracas chegaram a ser retiradas, mas o DF Legal, auxiliado pela Polícia Militar, não conseguiu terminar todo o trabalho de retirada em razão da oposição das autoridades militares”. “Por parte do GDF, os contatos com o Comando do Exército ficavam a cargo, exatamente, da Secretaria de Segurança, que coordenava as ações do DF Legal e da Polícia Militar”, complementou.
No depoimento, ressaltou ainda que o governo federal tinha conhecimento da “oposição” dos militares com relação à retirada dos acampamentos golpistas, e que a informação era “de conhecimento público”.
Sabotagem
O governador seguiu a estratégia de sua defesa de colocar o ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres — exonerado no dia dos atos golpistas — na fogueira. No depoimento, relatou que, na véspera dos atentados, telefonou para Torres para checar informações sobre a movimentação dos manifestantes que estavam acampados desde o fim do segundo turno das eleições, em 30 de outubro. No entanto, o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL) estava nos Estados Unidos — dois dias antes da data programada para as férias —, e repassou “imediatamente” o telefone do secretário de Segurança interino, Fernando de Souza Oliveira.
Segundo o governador, Oliveira o tranquilizou sobre a possibilidade de manifestações violentas e que, no dia 8, foi informado por ele, em dois momentos — por volta das 9h30 e perto das 13h30 —, que estava “tudo tranquilo”.
“Ele (Fernando Oliveira) disse que os manifestantes estavam descendo do SMU de forma controlada, escoltados pela polícia, afirmando ter feito negociação para descerem de forma pacífica, organizada e acompanhada”. Ibaneis declarou ainda que o secretário interino enviou outra mensagem de áudio reafirmando que tudo estava “bem tranquilo, bem ameno, uma movimentação bem suave e a manifestação totalmente pacífica. Até agora, nossa inteligência está monitorando, não há nenhum informe de questão de agressividade ligada a esse tipo de comportamento”.
O governador relatou aos investigadores que todas as informações que recebia do secretário de segurança eram encaminhadas imediatamente ao ministro da Justiça, Flávio Dino. O advogado de Ibaneis, Alberto Toron, afirmou ainda que foram entregues mensagens e trocas de e-mail com Dino, Torres e Oliveira que, segundo a defesa, eximem a culpa do emedebista.
Outra estratégia abordada pela defesa de Ibaneis Rocha aponta que ele teria sido enganado pelo ex-secretário de Segurança do DF e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres, que teria sabotado o sistema de segurança pública. Durante o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em 12 de janeiro, quando se decidiu pela manutenção do afastamento do governador, os advogados mencionaram declaração do interventor da segurança no DF, Ricardo Capelli, sobre a suposta sabotagem promovida por Torres.
O governador afastado declarou ainda que passou a acompanhar o noticiário jornalístico pela televisão e, quando viu o início do quebra-quebra próximo ao Congresso Nacional, disse ter entrado em contato com o interino para ordenar que colocasse toda a força de segurança do DF na rua. “Tira esses vagabundos do Congresso e prenda o máximo possível”, exigiu Ibaneis, segundo depoimento à PF.
Ibaneis também relatou que não tinha informação sobre as férias de Anderson Torres e que o fato de o ex-secretário estar fora do país “no momento do trágico acontecimento” o fez perder a confiança nele. O Correio apurou que o governador ligou para Torres via WhatsApp informando-o sobre sua exoneração. Os dois então entraram em um bate-boca e o ex-ministro de Bolsonaro teria desligado o telefone “na cara” de Ibaneis Rocha.
“Confraternização”
Durante o depoimento, Ibaneis ainda declarou ter ficado “revoltado” com as imagens de policiais militares filmando o quebra-quebra promovido pelos bolsonaristas radicais em vez de tentar conter a depredação dos palácios do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Ao ver os agentes “confraternizando com os manifestantes”, Ibaneis passou a entender que havia sido alvo de uma “sabotagem” e afirmou que nunca integrou ou foi “conivente com qualquer tipo de associação criminosa voltada a atos terroristas”.
Disse ainda que tinha todos os poderes para tomar as providências necessárias para garantir a “segurança da manifestação” e a retirada dos terroristas. Afirmou ainda que o apoio do Exército foi feito pelo Ministério da Justiça “no calor dos acontecimentos”. O governador também afirmou que “desconhecia, antes da ocorrência dos fatos, que estes seriam violentos e antidemocráticos”, disse que tinha plena confiança na PM e citou a segurança da posse de Lula como um evento de sucesso na atuação da corporação.
Ibaneis, que se aliou a Bolsonaro nos últimos quatro anos, afirmou que nunca desconfiou da lisura das urnas eletrônicas e do resultado das eleições, que entrou em contato com o governo de transição para ajudar “no que fosse necessário”. Ibaneis também afirmou que, após o resultado das eleições, “nunca mais” esteve com o ex-presidente Jair Bolsonaro e se empenha na criação de uma relação republicana com a atual Presidência da República. Também se pôs à disposição da polícia para mais esclarecimentos, se necessário.
Inquérito
Na manhã de ontem, enquanto Ibaneis prestava depoimento na PF, o ministro do STF Alexandre de Moraes abriu um novo inquérito contra o governador afastado. Moraes mandou apurar a possível omissão do ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres nos atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes. Antes de assumir a pasta no Buriti, Torres foi ministro da Justiça de Bolsonaro. A decisão da abertura de inquérito contra Ibaneis e Torres foi publicada ontem, no Diário de Justiça.
Dino alertou sobre possíveis distúrbios
Em 7 de janeiro de 2023, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) enviou um ofício ao governador afastado Ibaneis Rocha informando sobre a possibilidade de os atos feitos por bolsonaristas radicais serem violentos. O comunicado repassava ao GDF uma investigação feita pela Polícia Federal sobre “uma intensa movimentação de pessoas que, inconformadas com o resultado das Eleições 2022, estão organizando caravanas de ônibus para se deslocarem até Brasília-DF”. O ofício enviado por Dino ressalta a possibilidade de uma escalada dos ânimos no ato dos apoiadores de Bolsonaro e a necessidade de proteger as sedes das instituições da República.
“Segundo relatado, o referido movimento teria a intenção de promover ações hostis e danos contra os prédios dos ministérios, do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e, possivelmente, de outros órgãos, como o Tribunal Superior Eleitoral”, apontava o ofício público assinado por Dino.
O documento solicitava ainda o bloqueio da circulação de ônibus no perímetro entre a Torre de TV e a Praça dos Três Poderes, entre os dias 8 e 9 de janeiro, e colocava o MJSP e as forças federais à disposição, caso houvesse necessidade.
Já o documento assinado pela Secretaria de Segurança Pública do DF tratava de um plano de ação para conter os atos. O memorando descrevia um plano de operação para as manifestações, com integração de 14 órgãos, incluindo Senado e Câmara dos Deputados. O plano tático do GDF impedia apenas o acesso de pessoas à Praça dos Três Poderes, mas não fazia restrições para a Esplanada dos Ministérios, onde começou a invasão ao Congresso Nacional.
Inicialmente, a PMDF ficou responsável por três ações principais: acompanhar o ato durante todo o itinerário com o objetivo de manter a ordem e a segurança pública; ficar em condições de empregar tropa especializada em controle de distúrbio, no caso de perturbação da ordem; e não permitir acesso de pessoas e veículos à Praça dos Três Poderes.