Nomeado interventor na segurança do Distrito Federal após os ataques golpista de bolsonaristas contra as sedes dos Três Poderes, o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, diz à Folha que houve quebra de confiança com o Governo do Distrito Federal.
Após as cenas de vandalismo, Cappelli assumiu o controle da Secretaria de Segurança Pública do DF, e o governador Ibaneis Rocha (MDB) foi afastado do cargo por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), conforme lembra esta matéria originalmente publicada pela Folha.
Cappelli isenta o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de qualquer responsabilidade por falhas na segurança e aponta sabotagem do ex-secretário de Segurança Pública do DF Anderson Torres. O ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) teve a prisão decretada na terça (10).
“Claro que houve uma quebra de confiança. A maior prova de que houve uma quebra de confiança é o fato de eu estar sentado aqui [como interventor]”, afirma Capelli. Ele também diz que era “inimaginável” que “grupos de extrema-direita seriam capazes de invadir o Supremo Tribunal Federal para arrancar portas de gabinete de ministro.”
Qual é a situação do ex-ministro da Justiça Anderson Torres? A atuação dele aqui é sintomática no que diz respeito aos fatos que ocorreram no domingo. No dia 1º [de janeiro] a gente tem uma operação de segurança na posse do presidente Lula, uma operação exemplar. Tudo funcionou e com uma participação muito importante, decisiva, do Governo do Distrito Federal.
Sete dias depois, uma operação desastrosa que expõe o Brasil a uma situação nunca antes vista na história. Dia 2 de janeiro, o senhor Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, é nomeado secretário de Segurança [Pública] do Distrito Federal. Ele exonera boa parte do comando da secretaria e viaja, vai para o exterior. Inclusive de forma estranha, porque as férias dele eram a partir do dia 9. Ele assume, destitui o comando que tinha conduzido a operação exitosa do dia 1º e viaja.
O secretário-executivo aqui hoje estava muito tenso, muito nervoso, porque o Anderson deu uma declaração covarde, dizendo que ele viajou mas deixou o substituto; quando o substituto na prática só tinha poderes para agir a partir da segunda, dia 9, quando se iniciam as férias dele [Torres].
O senhor tem mais elementos sobre essa suposta sabotagem? Não, a investigação vai apurar. As forças de segurança são forças que em geral prezam pela disciplina e hierarquia. Quando a tropa está sem comandante, isso tem impacto. É óbvio que tem impacto, porque a tropa fica sem norte.
Já vi manifestação na Esplanada dos Ministérios de 50 mil, dez vezes mais do que tinha [no domingo], e não conseguirem nem chegar perto do Congresso Nacional. Como é que os 5.000 conseguiram fazer aquilo tudo? Claro que houve problemas com oficiais. Se o secretário estimula, demonstra pouco compromisso com aquela atividade, isso desce para alguns oficiais e contamina a tropa.
O dia 1° era uma situação com outra característica…Mas em que foram anunciadas também manifestações contrárias [ao presidente Lula]. Circulou muita informação de que teriam manifestações contrárias, que teriam protestos, então tinha um clima. Por que não houve? Porque não houve as condições.
É aquela coisa da oportunidade. “Eu estou aqui, não tem comando, então cria o ambiente”. Claro também que ninguém nunca ia imaginar que aqueles elementos seriam capazes daquele tipo de barbárie. Ninguém jamais imaginou que grupos de extrema-direita seriam capazes de invadir o Supremo Tribunal Federal para arrancar portas de gabinete de ministro. É imaginável aquilo que foi feito.
Já havia desconfiança com Anderson Torres desde o ano passado. O governo federal não devia estar mais preparado para uma possível sabotagem? Olha, a gente confia na relação interfederativa. Todas as informações que a gente recebeu do Distrito Federal é que seria repetido o padrão de operação que a gente teve no dia 1º. E aí qual é a questão? Tem o senhor Anderson Torres, que é um elemento que você [desconfia]. Mas se o Governo do Distrito Federal garante e o policiamento, a força ostensiva é feita pelo Governo do DF. Se o governo [distrital avaliza], não há motivo para a gente desconfiar. Claro que houve uma quebra de confiança. A maior prova que houve uma quebra de confiança é o fato de eu estar sentado aqui [como interventor].
A inteligência da PF não passou para a cúpula do Ministério da Justiça suspeitas de que o movimento era maior do que previsto? Mas o movimento não esteve além do programado, 5.000 pessoas.
A Abin também divulgou alertas durante a semana. Por que o governo federal só convocou a Força Nacional no sábado (7)? Porque a gente confia e sempre confiou [no Governo do DF]. Não tinha motivo para desconfiar.
O governo federal não tinha informação sobre eventual caráter violento dos militantes que vinham para Brasília? O que teve de caráter violento? Eles deram tiro em alguém? Tinha gente armada? O caráter violento se manifesta na oportunidade, esse é o problema. Se você tivesse ali o efetivo que eles [autoridades do DF] tinham garantido que teria —o Batalhão de Choque posicionado—, esses elementos violentos poderiam ter vontade, mas eles não conseguiriam executar o que executaram. O que determina se eles são mais violentos ou menos violentos? Eles estavam armados? Volto a dizer, o furo não foi na previsão da quantidade de manifestantes; o furo foi na execução.
O governo federal não estava a par do que o grupo vinha discutindo em redes sociais, como intenção de invadir o Congresso e o STF? Eles falaram quantas vezes isso? Há quantos anos eles falam isso? Isso é novidade? Essas posturas antidemocráticas eram comandadas pelo [ex-]presidente da República. O [ex-]presidente da República Jair Bolsonaro comandou ataques abertos às instituições.
Não existia da parte do governo federal um alerta de que essa manifestação especificamente poderia ser pior? Não. Por que que essa poderia ser pior? Volto a dizer, eu já liderei manifestação de 50 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios. Eu nunca vi manifestação de 5.000 pessoas fazendo o que foi feito. Isso não existe. Não tinha contingente para isso. O furo não foi na previsão, o furo não foi no caráter dos manifestantes, porque o caráter deles não precisa nem de informação de inteligência. Mas na maioria das vezes, na grande maioria das vezes é bravata. Porque encontram as forças de segurança posicionadas e nada acontece.
O sr. fez uma mudança no comando da PM do DF. Por quê? Eu acho que o comandante [Fabio Augusto Vieira, que foi preso na terça (10) por ordem do STF] não esteve à altura daquele desafio. Acho que é natural que, num momento crítico como esse, a gente possa arejar o comando.
O governador Ibaneis foi afastado do cargo. Como avalia esse afastamento? Não me cabe achar nada. É uma decisão do STF e a gente tem que cumprir
O ministro Flávio Dino (Justiça) tem dito em separar o joio do trigo. Há identificação de policiais que colaboraram com os atos golpistas? A Corregedoria vai abrir inquérito esta semana para apurar essas condutas. A gente não pode generalizar. Desde que eu assumi, tenho tido apoio de muitos oficiais —oficiais valorosos. A imensa maioria da corporação tem dado um apoio muito importante.
O que recebeu de indícios de participação de policiais? Conduta inapropriada de todos os tipos, desde omissão, leniência. A Corregedoria vai individualizar essas condutas. Nós não vamos generalizar porque a corporação, desde a noite de domingo para cá, tem respondido plenamente o comando. Tem oficiais que estão comigo desde domingo praticamente sem dormir lá na Academia de Polícia, virando noite, trabalhando.
O que vocês sabem de financiadores? Eles estão em mais de dez estados? As investigações estão avançando, mas tudo indica que foi uma operação orquestrada com financiamento estruturado, centralizado. Enfim, a investigação vai dizer, mas é o que indica.
Servidores do Planalto dizem que alguns vândalos foram direcionados para os locais específicos do palácio. Há suspeita de servidores deste meio? Até o momento não chegou para mim nenhuma informação com relação a [colaboração de] servidores.
Em relação à defesa do Planalto, por que não houve o pronto emprego do Batalhão da Guarda Presidencial? Volto a dizer, eu bato nessa tecla insisto nisso: a gente tinha plena confiança na operação que nos foi garantida pelo governo do Distrito Federal. Houve quebra de confiança, [tanto que] foi feita uma intervenção com o apoio unânime do Congresso Nacional.
RAIO-X
Ricardo Cappelli, 49
Secretário-executivo do Ministério da Justiça, é formado em jornalismo e tem especialização em administração pública. Foi secretário de Comunicação do Maranhão no governo Flávio Dino (PSB). Na gestão Dilma Rousseff, entre 2009 a 2013, foi diretor do Departamento de Incentivo e Fomento ao Esporte, no Ministério do Esporte.