O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga fraude milionária em duas licitações do Governo Federal para compra de até 2,2 milhões de cestas básicas. Relatório da Corte, aponta que uma empresa instalada na Paraíba pode ter sido usada no esquema de desvio de verbas públicas.
A informação pode ser conferida na íntegra, logo abaixo ou aqui, na matéria originalmente publicada pelo Estadão,
“Ministério comprou 2,2 milhões de cestas básicas de empresa laranja, diz TCU
Relatório interno da Corte de Contas aponta “fortes indícios” de que empresa vencedora de mais de R$ 200 milhões em compra de alimentos está em nome de beneficiário de auxílio emergencial
O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga fraude em duas licitações do governo federal para compra de até 2,2 milhões de cestas básicas. Relatório da Corte, obtido pelo Estadão, aponta “fortes indícios” de que uma das empresas vencedoras está em nome de “laranjas”. Os pregões foram organizados pelo Ministério da Cidadania nos últimos dois anos.
A pasta se dispôs a gastar até R$ 290,2 milhões para adquirir alimentos, como arroz, feijão, óleo, macarrão, farinha, leite em pó, açúcar e fubá, para atender famílias pobres em todo o País. A maior parte das licitações foi vencida pela empresa A Popular Cestas Básicas de Alimentos Eireli, de Contagem (MG), que ganhou 11 lotes no valor de até R$ 216 milhões.
Segundo a auditoria do TCU, a Popular está em nome de um “laranja”, beneficiário do Auxílio Emergencial, e faz parte de um grupo de empresas controladas por Carlos Murilo Pessoa Gonçalves Moreira e Paulo Sergio Pessoa Moreira. O relatório afirma que os dois empresários mineiros usaram “parentes e pessoas interpostas com a provável finalidade de ocultação patrimonial”.
Em relatório entregue ao ministro-substituto do TCU, Weder de Oliveira, a Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog) pediu que o Ministério da Cidadania aponte quais são os mecanismos de controle adotados pela pasta para “garantir que a entrega das cestas básicas está sendo efetivamente realizada, principalmente em razão do presente ano eleitoral”. O ministro concordou com a solicitação em despacho de 21 de setembro.
A distribuição de cestas básicas pelo governo federal faz parte de uma ação do ministério contra a insegurança alimentar e nutricional. O valor autorizado pela pasta para a compra de alimentos, neste ano, é de R$ 116 mihões. Do total, R$ 79 milhões são para a Popular.
Técnicos do TCU identificaram que, em fevereiro deste ano, outra empresa do grupo supostamente comandado pelos irmãos Moreira entregou os alimentos ao Ministério da Cidadania, no lugar da Popular. A auditoria contabilizou 40.675 cestas básicas no valor de R$ 4,9 milhões, adquiridas no pregão do ano passado.
As mercadorias vendidas ao Ministério da Cidadania pela A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda. foram entregues pela transportadora Super Cesta Básica de Alimentos Eireli. Segundo o TCU, essa transportadora está impedida de licitar e contratar com a administração pública federal por causa de uma sanção aplicada pelo Comando da 4ª Região Militar, após a empresa não ter executado um contrato. O pregão do Ministério da Cidadania foi feito em fevereiro de 2021, dois meses após a Super Cesta Básica ter sido proibida de participar de licitação e de contratar com a União. O então ministro João Roma tinha acabado de assumir a Pasta. Um segundo pregão foi feito em maio deste ano já na gestão de Ronaldo Bento.
“Os indícios obtidos apontam que a participação da A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda. no certame teve como objetivo possível burla à sanção aplicada à empresa Super Cesta Básica de Alimentos Eireli”, afirma o relatório. “O contrato firmado pela primeira empresa (Popular) estaria, em realidade, sendo, ao menos parcialmente, executado pela segunda (Super Cesta Básica), que sequer participou do certame, pois não poderia, em razão da penalidade sofrida. Essa constatação implica em possível fraude à licitação.”
As licitações do Ministério da Cidadania tinham como objetivo criar atas de registro de preços. Nesta modalidade, as empresas concordam em vender uma quantidade pré-determinada de produtos por um valor previamente ajustado. Os órgãos podem comprar o número de produtos que desejarem e não são obrigados a adquirir toda a lista licitada. A ata registrada pelo ministério no ano passado foi encerrada. A deste ano está em aberto.
Apreensão
Parte das irregularidades apontadas pelos auditores do tribunal teve origem em uma apreensão da Secretaria de Fazenda da Paraíba. Em 21 de fevereiro, fiscais da pasta interceptaram uma carreta com cestas básicas em Campina Grande, interior do Estado. A carga estava acompanhada de uma nota fiscal no valor de R$ 233 mil, emitida pela Popular e tinha Hudson Rafael Rocha, beneficiário do auxílio emergencial, como destinatário.
A Secretaria de Fazenda identificou que o documento encontrado na carreta estava ligado a um grupo de outras notas fiscais no valor de R$ 11 milhões, emitidas entre 9 e 18 de fevereiro deste ano. Todas haviam sido emitidas pela Popular e destinadas a Hudson Rocha.
O relatório do TCU descreve que fiscais da secretaria paraibana estiveram no endereço onde as cestas seriam entregues, em Campina Grande, e “foram impedidos de entrar” no local. Dois dias depois da apreensão, em 23 de fevereiro, a pasta estadual recebeu uma ligação de Rachel Alves Pereira de Mello, servidora do Ministério da Cidadania, que se identificou como coordenadora de Aquisição e Distribuição de Alimentos. A funcionária informou que a Popular havia vencido a licitação e seria a responsável pela distribuição das cestas básicas.
Segundo o documento da Corte de Contas, na ocasião, a servidora foi informada que notas fiscais de remessa de bens e mercadorias não poderiam ter uma pessoa física como destinatário, como era o caso de Hudson Rocha, apenas um órgão público ou uma entidade. A norma é do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão vinculado ao Ministério da Economia.
O relatório descreve também que, no dia da ligação da servidora da Cidadania para a Secretaria da Fazenda da Paraíba, os fiscais voltaram ao galpão em Campina Grande. Hudson Rocha apresentou um email com uma autorização de Rachel Mello para emissão de nota fiscal em nome dele. Segundo o TCU, a data da mensagem “é posterior” à emissão de onze notas fiscais, de um conjunto de 49 relacionadas à aquisição de cestas básicas da Popular.
“Não há elementos que justifiquem razoavelmente o envio de mensagem de e-mail”, afirma a Selog. “O fato de ter havido questionamento do Ministério da Cidadania junto à Sefaz/PB, quase que imediatamente após a apreensão das cestas básicas, bem como o envio de e-mail de servidora desse órgão federal, autorizando a emissão de nota fiscal em nome de terceiro, pode indicar um possível acesso privilegiado da empresa A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda. junto ao contratante.”
Em 25 de fevereiro, fiscais da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais foram aos endereços da Popular e de uma empresa encarregada de transportar as cestas básicas contratadas pelo Ministério da Cidadania, ambas em Contagem, interior do Estado. Na transportadora, receberam “documentos de controle de entrega das mercadorias” em nome da Super Cesta Básica de Alimentos Eireli, em vez da Popular.
“Cabe destacar que no Pregão Eletrônico 6/2022, a empresa A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda., vencedora de quatro dos sete itens, apresentou atestado fornecido pelo Ministério da Cidadania, em face da licitação havida no ano anterior, ou seja, a possível fraude no Pregão Eletrônico 2/2021 teve reflexo no certame subsequente”, aponta o relatório.
Procurado, o Ministério da Cidadania não retornou. Ao Estadão, o empresário Paulo Moreira disse conhecer a Super Cesta Básica. Ele afirmou que não é dono da empresa Popular. A reportagem não localizou Hudson Rafael Carlos Murilo Pessoa Gonçalves Moreira.”