Uma lista de dez propostas para a área de segurança pública elaborada pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, e que será encaminhada aos presidenciáveis, traz como ponto central a sugestão não de uma nova ação, mas da revogação de todas as normas patrocinadas por Jair Bolsonaro (PL) em relação a armas e munições.
Apesar de ter sido eleito em meio a promessas de revolucionar o combate à criminalidade, o atual governo não promoveu nenhum projeto de destaque na área, a não ser a série de alterações para facilitar o armamento da população —as licenças para armas de fogo dispararam 473% em quatro anos.
Segundo esta matéria publicada pela Folha, o documento dos institutos será acompanhado de resultado de pesquisa encomendada ao Datafolha e que aponta que a ampla maioria da população, 83%, defende que andar armado nas ruas deveria ser permitido apenas aos policiais, militares e outros profissionais de segurança pública.
Apenas 15% dizem que o porte deveria ser permitido a pessoas comuns. Entre os que aprovam a gestão de Bolsonaro, esse índice é de 32%.
“As eleições de 2022 combinam dois desafios centrais para o país: além da urgência de propostas que respondam aos reais desafios da população brasileira e garantam os caminhos para um país mais seguro, inclusivo e que reverta a desigualdade de acesso a direitos que afeta principalmente grupos racializados e minorizados, é fundamental reverter os retrocessos que marcaram a agenda de segurança pública nos últimos anos”, diz o documento do Igarapé e do Sou da Paz.
Os institutos defendem a revogação de decretos, portarias e outras normas que facilitaram o acesso a armas e munições e que liberaram a compra de armas como fuzis, a recomposição de uma política de controle e de normas mais duras, além do fim do que chamam de “porte camuflado” concedido a CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).
“O que a gente observou nos últimos quatro anos foi um desmonte de uma estrutura que ainda vinha sendo construída. Houve uma desregulamentação geral, disfarçada de desburocratização, mas o que teve foi destruição. Por muitos anos a gente vai lidar com as consequências desse período”, diz Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé
“Foram mais de 40 normas publicadas, é preciso dar um passo atrás, desfazer esse imbróglio, reorganizar toda essa bagunça e voltar a ter uma política de armas mais responsável”, reforça Carolina Ricardo, diretora-executiva do Sou da Paz.
A Folha procurou o Ministério da Justiça e o Palácio do Planalto, mas não houve resposta.
A pesquisa do Datafolha, que entrevistou 2.086 pessoas em 130 cidades, mostra ainda que 63% da população considera que pessoas comuns não poderiam ter acesso a armas iguais ou mais potentes que a de policiais, como fuzis —o patamar é similar (61%) inclusive no grupo que avalia positivamente o governo Bolsonaro.
Em julho, a Folha revelou que um membro do PCC (Primeiro Comando da Capital) conseguiu obter o certificado de registro de CAC no Exército e comprou duas carabinas, um fuzil, duas pistolas, uma espingarda e um revólver.
Entre os entrevistados pelo Datafolha, 60% disseram ainda se sentir menos seguros sabendo que há pessoas comuns armadas ao seu redor, contra 39% que disseram não se importar.
Pesquisa do Datafolha de maio já havia mostrado que a maioria da população, 72%, discordava da frase: “A sociedade seria mais segura se as pessoas andassem armadas para se proteger da violência”.
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, diz ser consenso entre os especialistas a necessidade de revogação das normas do governo Bolsonaro, estando ainda em debate quais medidas serão necessárias, nesse caso, para elevar o controle e a rastreabilidade de armas e munições, além de saber o que fazer com o que foi comercializado no atual governo.
Lima diz que diretrizes na área de segurança pública apresentadas pelo fórum aos presidenciáveis foram absorvidas em parte pelas campanhas de Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A de Bolsonaro não teria dado resposta.
O Igarapé e o Sou da Paz vão apresentar ainda cinco eixos de atuação prioritária aos presidenciáveis: 1) priorizar a redução dos homicídios; 2) enfrentamento ao crime organizado; 3) fortalecimento de corporações policiais orientadas à prestação de serviços à comunidade; 4) prevenção da violência, com prioridade a grupos racializados e minorizados; e 5) proteção da Amazônia e de suas populações.
Segundo especialistas, não há fundamento em teses espalhadas em redes sociais bolsonaristas de que esse índice tenha relação com o aumento de armas em posse dos cidadãos, pelo contrário. Quanto mais armas, maior a violência.
Além de a tendência de queda vir desde 2018 e de não ter havido política federal de impacto na área, a segurança pública ainda é majoritariamente uma atribuição dos estados.
O Brasil também registrou em 2021 queda na letalidade policial (-4%) pela primeira vez desde 2013, de acordo com o 16º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“O estado fez uma escolha política de profissionalizar o uso da força, comprou teasers, que é equipamento menos letal, criou comissões internas para discutir os casos de letalidade dentro da PM. A gente tem uma série de exemplos de como pode melhorar a segurança pública”, diz Carolina Ricardo, que cita ainda ações positivas em estados como Paraíba, Espirito Santo e Pernambuco.
“Ainda que tenha visto alguma redução de homicídios, o Brasil é país que mais mata, a gente tem datas indecentes de violência, muita gente morrendo e baixa taxa de esclarecimento e investigação”, afirma Melina.