O Tribunal de Contas da União (TCU) condenou os procuradores do Ministério Público Federal responsáveis pela força-tarefa da Operação Lava Jato a ressarcirem os valores gastos indevidamente com diárias e passagens.
A tomada de contas especial foi aberta por decisão unânime da Segunda Câmara do TCU, que acolheu os argumentos do Ministério Público junto ao TCU em representação assinada pelo subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, que noticiou irregularidades na gestão administrativa da força-tarefa. Representações de parlamentares também foram anexadas ao processo inicial.
Em sessão da Segunda Câmara desta terça-feira (9/8), os ministros do TCU concluíram que o modelo adotado foi antieconômico e gerou prejuízos aos cofres públicos. Foi constatado que os procuradores que atuaram em Curitiba receberam diárias e passagens durante anos, além de terem sido selecionados mediante critérios não impessoais.
Os gastos indevidos alcançam R$ 2,8 milhões em valores atualizados e devem ser ressarcidos solidariamente pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelo coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e pelo procurador-chefe da Procuradoria da República no Paraná, João Vicente Beraldo Romão, que foram responsáveis pela idealização, solicitação e autorização das despesas que acompanharam o modelo adotado. Os três também devem pagar multas individuais de R$ 200 mil.
Os demais procuradores, chamados a prestar esclarecimentos pelo recebimento das diárias, tiveram suas defesas acolhidas. Nesse caso, o Tribunal entendeu que, apesar da ilegalidade do modelo e embora beneficiados pelos pagamentos, não há provas de que praticaram ato de gestão ou que tenham participado da escolha do modelo de custeio da força-tarefa.
Irregularidades encontradas
Especificamente em relação ao modelo de gestão da força-tarefa, o Tribunal encontrou as seguintes irregularidades:
a) falta de fundamentação adequada para a sua escolha, visto que alternativas igualmente válidas não foram devidamente consideradas, nem mesmo após anos de funcionamento da força-tarefa da Operação Lava Jato;
b) violação ao princípio da economicidade, visto que se mostrou mais oneroso aos cofres públicos em relação a outras opções disponíveis;
c) ofensas ao princípio da impessoalidade, tanto na opção pelo modelo mais benéfico e rentável aos participantes quanto pela falta de critérios técnicos que justificassem a escolha de quais procuradores integrariam a operação.
O TCU não analisou a organização finalística do Ministério Público Federal, tampouco o exercício das funções institucionais da Procuradoria. O exame realizado pelo Tribunal focou a gestão puramente administrativa dos recursos daquele órgão público.
O relator da matéria, ministro Bruno Dantas, reconhece a discricionariedade da decisão de como o Ministério Público Federal deve operacionalizar suas atividades finalísticas e alocar seus membros. A esse respeito, pontuou: “o ato discricionário, contudo, não é infenso a controle, nem pode escapar da observância das regras e princípios que regem a atividade administrativa de modo geral. A escolha de um gestor de órgão público deve se pautar, necessariamente, pelos princípios administrativos, dentre eles, o da motivação, o da economicidade, o da razoabilidade e o da impessoalidade”.
Ficou comprovado que, à época da solicitação para a instituição da força-tarefa, já se sabia que a magnitude e a duração dos trabalhos certamente superariam, em muito, os cinco meses inicialmente autorizados. Isso porque o ofício que solicitou a instituição da força-tarefa da Lava Jato – Ofício 1.899/2014-PRC/PR, de 26/3/2014, assinado por João Vicente Beraldo Romão, procurador-chefe da Procuradoria da República no Paraná à época – previa a locação de imóvel para demandas de trabalhos elevadas e de médio e longo prazo.
Esse mesmo ofício previa a necessidade de análise de enorme volume de documentos obtidos e, ainda, a serem coletados, e indicava, até mesmo, a necessidade de cooperação jurídica internacional. Tudo isso sinalizava para o fato de que a Operação Lava Jato não teria caráter meramente passageiro.
Mesmo após terem se deparado com esse volume de informações, em nenhum momento foi solicitada a revisão do modelo de remuneração de diárias. Além disso, o caráter controverso da decisão pelo pagamento de diárias e passagens chegou a ser notado pelos próprios beneficiários, que, após certo tempo, formularam pedidos formais de consulta sobre a regularidade dos procedimentos às instâncias superiores do MPF.
Responsáveis pela idealização, solicitação e autorização das despesas da operação
O TCU concluiu que a responsabilidade pelo pagamento do débito, referente aos valores gastos indevidamente com diárias e passagens, deve ser atribuída solidariamente ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e ao procurador-chefe da Procuradoria da República no Paraná, João Vicente Beraldo Romão.
O então procurador-geral da República (PGR), que autorizou a constituição da força-tarefa, alegou que sua responsabilidade deveria ser compartilhada com integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), pois as decisões foram submetidas e aprovadas pelo referido colegiado. Porém, o TCU concluiu, com base na Lei Complementar nº 75/1993, que não cabia a esse colegiado decidir os modelos de gestão e o custeio da força-tarefa, mas apenas as designações funcionais de procuradores para determinados trabalhos.
No caso do procurador Deltan Martinazzo Dallagnol, o TCU comprovou que, como autor das iniciativas da força-tarefa, líder e coordenador da operação, ele reiteradamente demandou das instâncias superiores do MPF a obtenção de recursos humanos e materiais para perpetuação dos trabalhos.
No caso, foi apurado que cabia aos coordenadores e líderes das forças-tarefas solicitar e gerir recursos humanos, orçamentários e materiais para a consecução das atividades, inclusive equipamentos e material de trabalho (computadores, veículos, sistemas de informática), segurança pessoal, deslocamentos (diárias e passagens), conforme instruções do manual Forças-Tarefas: direito comparado e legislação aplicável – MPF, publicado pela Escola Superior do Ministério Público da União.
Finalmente, o procurador-chefe da Procuradoria da República no Paraná à época foi o responsável por ter solicitado a constituição da força-tarefa, sem qualquer análise de custos da operação, sem a proposição de algum limite temporal para os valores que seriam gastos e sem a indicação de critério objetivo e transparente para fundamentar a escolha dos procuradores beneficiados.