O voto nas eleições deste ano será fortemente influenciado pela situação econômica do País.
De acordo com esta matéria originalmente publicada pelo Estadão, enquanto o alto preço da gasolina e dos alimentos afeta amplamente a população, há perdas de poder aquisitivo com efeito mais localizado.
Do cidadão que tem um plano de saúde individual ao empregador que concede o benefício aos trabalhadores, é geral a indignação contra o reajuste das mensalidades em 2022.
Quem fez as contas sabe que o aumento pode ser ainda maior do que os já proibitivos 15,5% anunciados na semana passada pelo governo.
Além do aplicado no mês de aniversário do contrato do plano de saúde, outro tipo de aumento irá ocorrer se, no mesmo ano, o usuário mudar de uma faixa etária para outra, considerando as dez faixas previstas na lei.
O preço definido para a última faixa reajustável (59 anos ou mais, pois o Estatuto do Idoso proíbe aumento acima de 60 anos) pode ser até seis vezes maior do que o valor da primeira faixa (0 a 18 anos). Já a variação entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior aos aumentos acumulados entre as sete primeiras.
A partir de dados públicos da ANS, relativos a 3.527 planos comercializados por 468 operadoras, o Blog Política&Saúde estabeleceu uma base de cálculo para a estimativa do valor das mensalidades, no momento da mudança de faixa etária.
Foram consultados os preços comerciais médios, praticados em dezembro de 2021, para cada uma das dez faixas.
Calculou-se, então, o porcentual do aumento entre as faixas. Além da variação gradativa de uma faixa à outra, foram considerados os 15,5% do reajuste anual recém autorizado.
Ao fim, obteve-se a estimativa do “reajuste acumulado” e o valor médio das mensalidades estimado para 2022.
Quem muda de faixa etária paga, no final das contas, dois reajustes: o anual, linear, de 15,5%, e o aumento por ter ficado mais velho.
No caso do grupo de pessoas que, em 2022, completar 59 anos de idade, o rombo real no bolso será de 43,1% de aumento, em média. A surpresa é amarga também nas três faixas anteriores, para quem completar 44 anos (34,5% de aumento), 49 anos (36,7%) e 54 anos (37,8%).
Não é possível estimar os aumentos dos planos coletivos em 2022, que representam 80% do mercado e cujos reajustes não são regulamentados pela ANS.
Embora o valor médio da mensalidade dos planos de adesão e empresariais seja menor que o dos individuais, os porcentuais de reajustes, em muitos casos, são mais elevados, motivo de crescente judicialização.
Efeito inclemente das regras atuais é o alto valor reservado para as últimas faixas etárias.
Quem tem plano individual e completa 59 anos em 2022, somando o reajuste anual, vai pagar R$ 2.640 por mês, em média. Já a partir dos 44 anos o preço médio mensal de um plano privado será superior a R$ 1.000.
Menos de 20% dos brasileiros com mais de 60 anos – cerca de 7,4 milhões – estão hoje vinculados à assistência suplementar, proporção que vem caindo a cada ano, pois muitas pessoas são “expulsas” do plano de saúde. A mensalidade chega a dobrar de valor no momento da vida em que a renda pode cair até pela metade.
A solidariedade geracional, em que jovens ajudam a financiar os gastos da população que envelhece, a lógica da previdência e dos seguros, foi abandonada.
Idosos, com mais necessidades de saúde e maior uso de serviços, estão às voltas com seus rendimentos quase que completamente comprometidos com o pagamento do plano e medicamentos.
Não há comprovação empírica, por parte das operadoras e da ANS, da associação entre as despesas assistenciais e os aumentos permitidos em cada faixa etária.
O lucro e os custos comerciais e administrativos das operadoras correspondem a 38% do preço dos planos de saúde, tomando como exemplo a faixa etária acima de 59 anos.
Menos da metade (48%) do valor do pagamento efetuado pelos usuários ou contratantes é destinado a despesas com tratamentos, consultas, exames e internações.
No Congresso
Deputados e senadores, de partidos diversos, pretendem derrubar os 15,5% autorizados pela ANS. Já são nove projetos de decreto legislativo com essa finalidade, em que a maioria dos autores vê a parte mas desconsidera o todo.
Quem pede voto deveria ser contra o aumento dos planos de saúde. Por isso, à primeira vista, a autorização do governo parece extemporânea.
O episódio, contudo, expõe uma disputa entre “bolsonaristas-raiz” e o Centrão em torno dos interesses do setor privado da saúde.
Assim que o aumento dos planos foi anunciado pela ANS, reduto do Progressistas, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, criticou indiretamente a medida e anunciou no Twitter a convocação do Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu).
Queiroga rivaliza com o presidente da ANS, Paulo Rebello, levado ao posto pelo grupo de Ricardo Barros, de quem Rebello foi chefe de gabinete, quando o líder do governo na Câmara era o ministro da Saúde de Michel Temer.
Rebello até aqui levou vantagem, emplacou o reajuste exigido pelas operadoras e vetou a indicação do nome de Daniel Pereira, assessor de Queiroga, para ocupar uma diretoria da ANS.
Queiroga, em troca, reativou o Consu, um órgão consultivo de natureza política, que tenta se sobrepor à ANS e que, na última reunião, contou com a presença dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Eduardo Ramos.
Mais um passo e se chega a uma constatação. Os planos de saúde provocam ciúmes, atiçam o fogo amigo, e podem pôr a perder uma eleição.