Cada vez mais próximo de selar candidatura à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) iniciou, nesta manhã, uma maratona pelo Nordeste para participar de entregas de obras da transposição do Rio São Francisco —entre hoje (8) e amanhã (9), o governante tem agendas no Ceará, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte.
As viagens fazem parte de uma estratégia que tem se intensificado nos últimos meses: associar à imagem do atual chefe do Executivo federal, de forma isolada, os méritos por projetos iniciados em gestões anteriores, do PT, sobretudo a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (provável adversário na eleição deste ano).
Paralelamente, Bolsonaro tem como meta tentar reduzir rejeição entre os eleitores nordestinos e atrair principalmente os mais pobres, que compõem um reduto eleitoral histórico do Partido dos Trabalhadores. Em um live realizada em 3 de fevereiro pelas redes sociais, o presidente usou o termo “pau de arara” (de cunho racista) para se referir a assessores nascidos em estados do Nordeste.
Um dos objetos de disputa política, que colocam Bolsonaro e Lula em rota de colisão, é justamente a complexa empreitada de transposição das águas do “Velho Chico” —cujas obras perduram há 14 anos.
A temperatura da disputa pela “paternidade” do projeto começou a subir no fim de 2019, com as primeiras entregas de trechos concluídos após anos em execução. Posteriormente, ficou ainda mais elevada em meados de 2021, quando Bolsonaro voltou a usar as redes sociais, oficiais e não oficiais, a fim de tentar atribuir a si próprio a responsabilidade exclusiva pelas ações.
Iniciadas em 2007, durante o segundo mandato de Lula, as intervenções no rio atravessaram os governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), seguindo na gestão Bolsonaro. Michel Temer, em 2017, inaugurou o começo do Eixo Leste. Em 2020, Bolsonaro deu início ao funcionamento de uma parte do Eixo Norte.
Em vídeos compartilhados desde 2020, Bolsonaro já buscava se apresentar como protagonista da transposição do rio São Francisco, mas omitia ter começado a sua gestão, em janeiro de 2019, com mais de 90% das obras em fase de execução.
Uso eleitoral
O embate público ganhou força em 2021 com os movimentos de Bolsonaro, alinhado aos interesses do centrão, visando a campanha eleitoral. Aconselhado por ministros com base no Nordeste, como Rogério Marinho (PL, do Desenvolvimento Regional) e Fábio Faria (PSD, das Comunicações), o governante aumentou o número de viagens na região e buscou avançar sobre os programas sociais —até então, marcas isoladas de governos petistas.
Já em dezembro do ano passado, no pronunciamento de fim de ano transmitido ao vivo em rede nacional, Bolsonaro voltou a falar do projeto em tom de paternidade. “A transposição do rio São Francisco, finalmente, já é uma realidade, e estamos levando mais água para o Nordeste. Somente nos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte foram beneficiados 12 milhões de brasileiros em 390 municípios”, disse.
Projeções eleitorais divulgadas até agora indicam que Lula teria ampla vantagem em relação a Bolsonaro nos estados do Nordeste. Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em dezembro do ano passado mostra o petista com 61% das intenções de voto na região (44 pontos percentuais a mais que o atual presidente, que registrou 17%). A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.
Auxílio Brasil
Outra aposta importante para Bolsonaro na tentativa de ampliar o seu potencial no Nordeste é a criação do Auxílio Brasil, programa que substituiu o Bolsa Família, um dos legados petistas na área de assistência social.
O novo programa aumentou o valor do ticket médio em relação ao que era pago no Bolsa Família —passou para cerca de R$ 400— e ampliou de 14,6 milhões para 17,6 milhões o número de famílias beneficiadas. O Nordeste corresponde a 47% das famílias atendidas.
Em suas declarações a apoiadores, discursos e entrevistas, Bolsonaro tem mencionado constantemente a criação do Auxílio Brasil como um dos feitos de sua gestão e, paralelamente, criticado “o PT e a esquerda” pela oposição exercida no Congresso Nacional durante a tramitação da PEC dos Precatórios. O projeto, aprovado pelo Parlamento no ano passado, abriu caminho fiscal para que o benefício pudesse ser pago pelo governo.
Recentemente, Bolsonaro também tem tentado associar à sua gestão mudanças no Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), programa foi ampliado durante o governo Lula; e no ProUni (criado pelo ex-presidente petista em 2004). Ambos foram projetos relevantes na área de educação e que permitiram o acesso à universidade pelas populações mais pobres.
No caso do Fies, desde o fim do ano passado, o governo criou regras para renegociação de dívidas de jovens que aderiram ao fundo até 2017. As mudanças entraram em vigor com a publicação de uma medida provisória, em 30 de dezembro de 2021. Ontem (7), Bolsonaro afirmou que pretende editar a nova regulamentação do programa na quinta-feira (10).
Os débitos poderão ser parcelados em um prazo de até 12 anos (150 meses). De acordo com a MP, o abatimento pode chegar a 86,5% no valor das dívidas e aumentar para até 92% caso o devedor esteja inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
Aqueles com débitos vencidos e não pagos há mais de 90 dias na data da publicação da MP (30 de dezembro) podem ter desconto de 12% no pagamento à vista, ou parcelar o débito em 150 meses, com perdão dos juros e das multas. Quando o débito passar de 360 dias, podem se aplicar os descontos de 86,5% e 92% (para os devedores no CadÚnico).
Segundo Bolsonaro, pouco mais de 1 milhão de jovens teriam ainda suas dívidas anistiadas —beneficiários do programa que estão inadimplentes a partir do segundo semestre de 2017. “São 1 milhão e 70 mil jovens que fizeram curso superior e não iam pagar… Não vão pagar a conta. Não tem como pagar. E daí não pode fazer negócio, fica difícil a vida deles”, declarou o presidente, em conversa com apoiadores na portaria do Palácio da Alvorada.
Segundo os cálculos do Planalto, entre os que estão parcialmente ou totalmente inadimplentes, serão aproximadamente 3 milhões de jovens beneficiados pela possibilidade de renegociação. “Quem está inadimplente de 2017 para cá não vai pagar mais, esse é caso perdido”, disse Bolsonaro. Já para os demais, o governo dará um “bom desconto”, comentou.