A utilização comercial de uma planta que existe em abundância na região do Cariri paraibano, mas que, geralmente, não costuma ser utilizada pelos agricultores, promete gerar renda e dignidade para famílias assentadas da reforma agrária.
O “ouro azul”, como já começou a ser conhecido o corante natural obtido a partir da Anileira, espécie vegetal também conhecida como Anil, já rendeu um prêmio nacional à agricultora assentada e empreendedora criativa Josivane Caiano da Silva, de 43 anos, presidente do assentamento Santa Catarina, no município de Monteiro, no Cariri da Paraíba.
A agricultora recebeu o Prêmio Mérito Agropecuário deputado Homero Pereira pelas pesquisas com pigmentações naturais que ela realiza desde 2019. A cerimônia de entrega do prêmio foi realizada na Câmara dos Deputados, por meio da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, em 27 de outubro, com transmissão ao vivo pelo canal da Câmara no YouTube e pela página da comissão.
Josivane desenvolveu o projeto de tingimento natural de tecidos com o corante extraído da Anileira em parceria com o Instituto Nacional do Semiárido (Insa).
Ela contou que não esperava receber o prêmio porque havia muitos projetos concorrendo. “É uma honra muito grande pra mim, que moro em uma área de assentamento rural. Esse projeto vai gerar renda para várias famílias com uma planta que a gente não utilizava para nada, assim como o algodão que já plantamos no assentamento”, afirmou Josivane.
Produção simples
Josivane conseguiu, utilizando materiais simples, como água e folhas e talos da planta, produzir o pó de anil com três tonalidades diferentes de azul.
O processo desenvolvido pela agricultora é fácil e pode ser replicado em grande escala em toda a zona rural da região. “A planta cresce rápido e, em até 28 dias após a colheita, já podemos colher novamente. E isso é o ano todo”, disse Josivane, acrescentando que o anil vem sendo utilizado há mais de dois mil anos para o tingimento de fibras e que o Brasil já foi exportador desse corante natural.
Segundo a agricultora, a Anileira é bem adaptada ao Cariri nordestino e, devido ao clima seco, produz cores mais intensas na região.
A intenção, de acordo com Josivane, é firmar parceria com o Instituto Casaca de Couro para a confecção de peças de vestuário com o algodão orgânico produzido no assentamento que seriam tingidas com o anil produzido pelas famílias assentadas.
Terra de Zabé da Loca
O assentamento Santa Catarina, a aproximadamente 320 quilômetros de João Pessoa, é nacionalmente conhecido por ter sido a morada da tocadora de pífanos Izabel Marques da Silva, a Zabé da Loca, que vivia com os filhos sob uma pedra (loca), e por ser berço de vários poetas e músicos populares, de grupos de mazurcas, de sanfoneiros, de repentistas e de artesãos que produzem renda renascença. Atualmente, a área, de 2,7 mil hectares, onde vivem e produzem 262 famílias de agricultores assentados, possui uma das maiores concentrações de atividades turísticas e culturais da zona rural do Cariri paraibano e integra a Rota Cariri Cultural.
Josivane é afilhada de Zabé da Loca e é “nascida e criada” no Assentamento Santa Catarina. Casada e com três filhos e quatro netos, ela só aprendeu a ler aos 27 anos por meio do Educação de Jovens e Adultos (EJA). A agricultora preside a associação do assentamento há dois anos e cuida do Complexo Zabé da Loca, parte da Rota Cariri Cultural – uma ação de estruturação da cadeia do turismo realizada em conjunto pelo Sebrae e pela Prefeitura de Monteiro.
“O que eu quero para o futuro é continuar trabalhando para levar renda, dignidade e melhoria de vida para as comunidades rurais, sejam elas assentamentos da reforma agrária ou não”, disse .
Josivane trabalha há muitos anos com a questão cultural no assentamento. Foi ela a idealizadora do projeto “Som nas pedras”, que promove apresentações artísticas em cenários naturais, como lajedos, para o desenvolver o turismo rural sustentável, gerando emprego e renda. Ela cedeu o nome do projeto ao Governo da Paraíba, que hoje é responsável pela realização do “Som nas pedras”.
Também foi de Josivane a iniciativa de, nos últimos dois anos, construir 36 cisternas no assentamento Santa Catarina, que, anualmente, sofre com os efeitos das estiagens prolongadas.
Nos próximos meses, cerca de dez poços artesianos devem ser perfurados no assentamento Santa Catarina em uma parceira entre o Incra e o Exército, a “Operação Sertão Paraibano”, que está implantando poços em assentamentos da reforma agrária paraibanos visando uma solução alternativa coletiva de abastecimento simplificado de água por meio da disponibilização de fontes hídricas para consumo humano.
Prêmio deputado Homero Pereira
Instituída pela Resolução 58/2014, a iniciativa tem o propósito de conceder o prêmio a cidadão ou instituição, pública ou privada, cujos trabalhos ou ações tenham-se destacado nos campos científico, de pesquisa, de desenvolvimento, de inovação e de sustentabilidade na área da agricultura, pecuária, abastecimento e desenvolvimento rural.
Falecido em 20 de outubro de 2013, aos 58 anos, o deputado Homero Pereira foi produtor rural e destacou-se na vida pública por seu interesse na agropecuária brasileira. Líder da bancada rural na Câmara dos Deputados e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, participou ativamente da aprovação do novo Código Florestal no Congresso Nacional. Além de deputado federal por dois mandatos e um dos principais membros da bancada ruralista, foi também presidente do Sindicato Rural de Alto Araguaia (MT), deputado estadual por Mato Grosso e vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
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