Presidente de uma das siglas mais desejadas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para compor sua chapa presidencial no ano que vem, Gilberto Kassab (PSD) é peremptório: nada de acordos de primeiro turno. A especulação cresceu exponencialmente com o avanço do acordo de Geraldo Alckmin (ex-PSDB) para se tornar vice de Lula.
O ex-governador paulista estava quase de malas prontas para o PSD para disputar novamente o Palácio dos Bandeirantes, então o corolário para petistas entusiastas do arranjo era claro: ele poderia filiar-se e unir-se a Lula.
Só que na fotografia com líderes políticos presentes ao jantar que homenageou Lula na noite de domingo (19), promovido pelo grupo de advogados Prerrogativas, Kassab estava ausente —apesar de ter ido, sozinho e sem seu presidenciável, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“Eu entendi que poderia passar para a sociedade a percepção de que estava formada uma frente de apoio ao Lula no primeiro turno. Eu não estarei com o Lula no primeiro turno, isso já foi dito a ele”, disse, nesta entrevista à Folha na noite de segunda (20).
“Não faremos o vice do Lula. Não é porque é o Geraldo, fulano ou sicrano, é porque teremos candidatura própria”, afirma ele, que considera Alckmin fora dos planos do PSD. O “projeto redondo” em São Paulo, diz, “acabou” e outro nome será procurado.
O ex-governador bagunçou o principal palanque bolado por Kassab, que tem potencial para tentar promover Pacheco nas outras duas pernas do “triângulo das Bermudas”, Rio (com o prefeito carioca Eduardo Paes) e Minas (com o prefeito belo-horizontino Alexandre Kalil), além do forte colégio paranaense (com o governador Ratinho Jr.).
O dirigente se diz sem mágoas, mas seu tom acerca de Alckmin, de portas abertas sempre, mudou.
Também reserva um lacônico “que seja feliz” ao também negar ressentimentos com João Doria (PSDB), o governador paulista ora presidenciável de quem foi indicado chefe da Casa Civil, cargo que nunca assumiu porque foi alvo de uma operação acerca de um pagamento feito pela JBS que ele diz ter sido regular. Deixou o afastamento neste ano.
Insiste que, se Pacheco desistir de ser candidato, o PSD terá outro nome na urna eletrônica. Na sua lógica, o partido sairá fortalecido do primeiro turno —aí, um acerto com o PT, que já ocorreu no passado, parece líquido, em especial se o seu desafeto Jair Bolsonaro (PL) estiver do outro lado.
Nessa entrevista, ele faz uma defesa inédita: quer trabalhar pelo fim da reeleição e das coligações para disputas majoritárias, uma combinação que revolucionaria o modo com que se faz política no país hoje e, na sua visão, ajudaria a estreitar o quadro partidário. O atual, diz, “é uma excrescência”.
Ao defender o polêmico fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões, diz que o problema é a transparência, não o gasto.
Por fim, afirma que o seu PSD nunca foi do centrão por não condicionar governabilidade a participar do governo.
Diz ser independente e ressalta o fato de que o ministro do partido no governo Bolsonaro não representou adesão: Fábio Faria (Comunicações) era uma cota do presidente que até tentava atrair o partido, e está de mudança para o PP.
Projeta sair de 2022 com a terceira maior força congressual, com aumento de bancada na Câmara dos atuais 35 para ao menos 50 deputados e no Senado, de 11 para 15 nomes. Prevê a eleição de mais do que os dois atuais governadores.
Por que o sr. foi ao jantar em homenagem ao Lula? Eu tenho uma excelente relação com o Prerrogativas, recebi o convite. Aí ficou a percepção de uma homenagem ao Lula, pelas dificuldades pelas quais ele passou, pelo esforço do grupo [contra a condenação do petista]. Decidimos no partido que enviar o presidente [e não o presidenciável Rodrigo Pacheco] estaria bom.
A primeira coisa que fiz foi cumprimentar o Lula, desejei feliz Natal e Ano Novo, fui apresentado à noiva dele e, depois, fui a uma mesa ao lado. Jantei e me retirei.
O sr. não quis sair na fotografia do Lula com os outros políticos, certo? Como fui cumprimentar o Lula e fui fotografado, fica claro que eu não tenho problema nenhum em ser fotografado com ele. Mas aquela fotografia geral eu entendi que poderia passar para a sociedade a percepção de que estava formada uma frente de apoio ao Lula no primeiro turno. Eu não estarei com o Lula no primeiro turno, isso já foi dito a ele.
De uma maneira muito respeitosa, eu registrei minha posição, e tenho certeza que foi respeitada. Não teria sentido nenhum impor a um presidente de partido uma situação que possa passar aos seus liderados uma percepção diferente daquela para a qual o partido caminha.
Posso cobrar essa posição em julho de 2022? Pode sim [risos]. Nós vamos ter candidatura própria. Temos lideranças que têm dificuldade para caminhar com um lado ou com o outro, e hoje você tem duas candidaturas com retaguarda política sólida, Bolsonaro e Lula.
Um partido que se apresenta como moderno e de centro não pode neste momento cometer o equívoco de pender para um lado. Somos centro. Essa diretriz é fruto de muita conversa, com uns querendo pender mais para a esquerda, outros mais para a direita.
Nem indicariam um vice? A candidatura será levada até o final no primeiro turno. Isso inviabiliza qualquer outro acerto. Não temos como ter o vice do Lula, qualquer que seja o nome.
Nem Geraldo Alckmin? O PSD o procurou para que ele fosse nosso candidato a governador em São Paulo, mas agora ele mostra que está querendo ser vice [do Lula]. Isso nos leva a procurar uma alternativa. Vamos com muita calma identificar um bom projeto de candidatura própria.
No plano nacional, essa é a razão pela qual nós falamos, de forma muito respeitosa, mas firme, que não faremos o vice do Lula. Não é porque é o Geraldo, fulano ou sicrano, é porque teremos candidatura própria.
O Alckmin atrapalhou seus planos em São Paulo, acabou tirando o Datena da jogada? Não… Não tem nenhuma mágoa. Foi sendo construído um projeto com o Márcio França, o Datena, era um projeto bem redondo. Ele acabou agora com essa preferência que ele dá ao projeto nacional, perdeu sentido.
O sr. concorda com a leitura segundo a qual os grandes favorecidos nessa história de Alckmin como vice foram França e Fernando Haddad, que queriam limpar o terreno em São Paulo? Olha, acho que na verdade as duas explicações são corretas. O Geraldo quis porque quis, e os outros dois trabalharam para isso porque é muito bom para eles que ele não seja candidato em São Paulo. Foi fome e vontade de comer, acho.
Mas a composição do PSD com o PT não soa esotérica, dado que vocês já foram parceiros, não? O fato de que a ponte com Bolsonaro foi queimada, mas com Lula, não, também leva a crer nisso. Vamos voltar no tempo. Fomos de Alckmin no primeiro turno em 2018, depois liberamos apoio. Eleito Bolsonaro, fomos independentes. Tivemos posições favoráveis a muitos projetos que consideramos importante para o Brasil, fomos contrários a outros.
Nunca demos nenhuma ilusão ao governo. O PSD tem dito isso: precisamos acabar com essa guerra, na qual quem vence a eleição quer destruir o adversário e quem perde, sabota o governo. Quem ganha tem de governar, e o papel do perdedor tem de fiscalizar, não torcer pelo quanto pior, melhor. Essa é a razão por termos tido diálogo com o Bolsonaro e teremos, se for preciso, ainda no governo.
A nova pesquisa do Datafolha estabeleceu um cenário muito favorável à candidatura de Lula. Como o sr. avalia isso? Eleição só se define no dia da eleição. Favoritismo não significa estar eleito. Todos sabem que o partido abraçou a candidatura de Rodrigo Pacheco.
Ele sabe que, se definir ser candidato, terá nosso apoio. Ainda não se definiu, mas mostrou uma predisposição, vai descansar uns dias, tem o mês de janeiro para fazer suas reflexões. Estamos muito esperançosos de que ele aceitará a missão. Mesmo se não aceitar, teremos outro nome, mas minha impressão é de que tudo caminha para ele ser o candidato.
E a questão percebida em Brasília de uma certa inapetência de Pacheco? Eu tenho convicção de que ele é a grande renovação da política brasileira. Ainda jovem, entrou na vida pública e em sete anos teve uma ascensão meteórica. Ele tem conseguido conduzir o Congresso com muita eficiência.
Mas ele teve momentos difíceis, como quando foi acusado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS) de rasgar acordo em plena sessão da promulgação da PEC dos Precatórios. São momentos de tensão que o Legislativo às vezes vive, diante da diversidade de opinião. Não houve problemas do Congresso com o Judiciário, com a sociedade, com os meios da comunicação.
Suas ações mesmo vão acontecer depois do Carnaval. No mundo das redes sociais, qualquer projeto ou cidadão pode ser conhecido muito rapidamente, em semanas.
Como o sr. vê a tal da terceira via? Se consolida nos nomes que estão aí, Pacheco, Moro, Ciro, Doria? Eu acho que, daqui para a frente, não haverá jogador novo. Quem está, está, plataforma de embarque fechou. Não acredito que todos irão até o fim, mas não quero ser desrespeitoso. Ao fim, devem sobrar quatro ou cinco.
Há possibilidade de diálogo na terceira via? À medida que Bolsonaro caiu nas pesquisas, e é brutal o que caiu em dois anos, sempre achei que no segundo turno quem estará fora pode ser o presidente.
Bom, Bolsonaro fraco estimularia cada um a apostar em si próprio. Pois é, o candidato lá na frente pode receber até um voto útil para tirar o presidente [do segundo turno]. Eu vejo o Moro e Doria conversando bastante, o Ciro conversando com o Lula, o MDB dizendo que a Simone pode ser vice de alguém. O que eu sei é que o PSD estará na urna com candidato próprio.
O sr. sempre se contraria quando dizem que o PSD é do centrão, pois quer governabilidade. Mas não é isso que o centrão faz? Qual a diferença? O centrão tem uma visão, que eu não entro no mérito, um perfil de quem dá governabilidade participando do governo. O PSD dá governabilidade com independência.
Mas vocês já fizeram parte de governo. Lógico, se ganhamos eleição, como no caso da Dilma Rousseff (PT), participamos. E vamos participar se ganharmos de novo.
Se o Lula ganhar, o sr. teria algum óbice em ser ministro? Eu não tenho vontade de participar do Executivo. Nossa disposição é ganhar a eleição, então não posso admitir participar de governo A, B ou C.
E Legislativo? Ou o governo paulista? Não, Eu gosto de eleição, quero disputar de novo na vida, mas não vou disputar agora. Minha tarefa em 2022 é partidária.
Em 2018, a antipolítica, o antipetismo, definiram a eleição. O que o eleitor quer agora? Acho que cada vez mais aumenta o número de eleitores que vê a experiência política e de gestor como algo muito importante. Há cada vez mais exemplos de pessoas inexperientes que se elegeram para cargos importantes e que não foram bem. No sentido contrário, veja o Rodrigo Pacheco, que passou bem por tudo.
Mas ele não ocupou cargo executivo. Sim, mas administra o Congresso, é uma gestão de recursos, relações políticas, é presidente de Poder. Ele está conversando, procurando referências. Veja o [ex-ministro da Agricultura] Roberto Rodrigues. Nem sei se ele votará no Pacheco, mas é a referência de suas ideias para o agronegócio. Na Educação, o [ex-secretário de Educação de PE] Mozart [Neves Ramos].
Na economia, nós estivemos num jantar com o Armínio Fraga, nas próximas semanas eles se encontrarão. Não é que o Armínio irá coordenar, mas as pessoas saberão com quem ele está conversando. Na gestão, gosta de ouvir o [ex-governador capixaba Paulo] Hartung. Ele está sendo inteligente, não está fechando um grupo.
A fórmula do Posto Ipiranga [apelido do ministro da Economia, Paulo Guedes] também morreu. Sim, morreu. Lá na frente, ganhando as eleições, ele compõem a equipe dele da melhor forma possível.
Já no pleito de 2020 houve uma volta de políticos tradicionais. A dita velha política está tendo sua vingança? Não, só acho que o eleitor está amadurecendo. Há renovação com qualidade. Cito no meu partido três nomes que, em 30 anos, poderão ter sido presidentes da República. O Rodrigo Pacheco, o [prefeito carioca] Eduardo Paes, o [governador do Paraná] Ratinho Jr.
Associados a essa demanda por experiência, há os frutos da reforma política de 2017, que felizmente o Congresso não conseguiu mexer, retroagir e fazer valer as coligações proporcionais.
Passaram a federações partidárias, eu sou contra elas. Numa democracia, não há como justificar mais do que sete, oito partidos. Não há legitimidade, qual a proposta ideológica.
Passou a federação, mas a lei felizmente é bastante dura e obriga a repetição da federação em todo o país. Em 2024, serão obrigados a ficar juntos, e assim até 2028, mesmo que a federação nacional seja dissolvida em 2026.
Os partidos grandes vão pensar muito antes de agregar o federado, porque ele o come pela base. O PSD já definiu, não fará.
As federações não ajudam a concentrar o quadro partidário, estimular fusões? É um avanço, claro, mas pode ser melhor. É importante para o Brasil a redução de número de partidos. Isso deixa menos portas abertas para a entrada de aventureiros na política.
Felizmente foi mantida a reforma, mas uma pena que não houve avanço. Eu pessoalmente defendo, e vou trabalhar junto às nossas bancadas, para acabar com a coligação nas eleições majoritárias. Eu acho uma excrescência um partido existir para apoiar candidato de outro. Para que existir?
Temos também que trabalhar pelo fim das reeleições. Não dá mais para conviver com o eleito pensando na reeleição no primeiro dia do governo. São medidas, propostas de aperfeiçoamento, que podem consolidar a reforma política.
Qual seria o modelo ideal sem reeleição? Mandato de quanto tempo? Eu deixaria como está.
E o semipresidencialismo? Isso só dá para discutir depois que houver uma redução no número de partidos.
O fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões não é um absurdo? O financiamento privado não deu certo, virou fonte de corrupção. Acho que o valor gasto nas duas últimas eleições [sob as novas regras limitando o privado] foi insuficiente, temos de enfrentar isso de frente. O mais importante é blindar os recursos. Acho que tem de haver um teto de 50% para quem não tem mandato, para evitar a perpetuação. E acho que não pode haver uso do fundo partidário em campanha.
Gilberto Kassab, 61
Economista e engenheiro civil, Kassab foi secretário de Planejamento de São Paulo (1997-8, governo Celso Pitta, PPB e PTN), deputado federal (1999-2005), vice-prefeito (2005-6, governo José Serra, PSDB) e prefeito (2006-13) de São Paulo, ministro das Cidades (governo Dilma Rousseff, PT, 2015-16) e da Ciência e Tecnologia (governo Michel Temer, MDB, 2016-18). Foi do PL, PFL, DEM e, em 2011, fundou o PSD, que preside.