O jantar que reuniu o ex-presidente Lula (PT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), no domingo (19), explicitou o avanço da chapa conjunta para a Presidência da República na eleição de 2022, mas também evidenciou arestas a serem aparadas.
O principal obstáculo é o acerto em São Paulo que deriva da aliança nacional —o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o ex-governador Márcio França (PSB) são pré-candidatos ao Governo de São Paulo, e um dos dois teria que abrir mão desse plano.
A reunião do ex-presidente Lula (PT) e do ex-governador Geraldo Alckmin (ex-PSDB) em um jantar, neste domingo (19), promovido pelo grupo de advogados Prerrogativas – Ricardo Stuckert / Divulgação
A amplitude e os limites da aliança em torno de Lula também foram simbolicamente desenhados —a maior parte dos políticos presentes é ligada ao PT ou ao PSB, que discutem a formação de uma federação para as eleições.
O barco tende a incluir Solidariedade e PC do B, representados no jantar, e há a tentativa de atrair PSD e MDB, cujos presidentes estiveram no evento, mas seus presidenciáveis, não —o que evitou a leitura de uma adesão desde já.
Parlamentares e dirigentes petistas e pessebistas se mostraram, no jantar do grupo de advogados Prerrogativas, animados com a possibilidade de que Alckmin concorra como vice de Lula. Mais do que isso, parte deles dava a aliança como certa e a ser anunciada no início do ano que vem.
Quando a pergunta era sobre Haddad ou França, porém, não havia acordo. Da parte dos petistas, a avaliação é a de que o partido não pode deixar de lançar um candidato em São Paulo —principalmente porque Haddad tem chances de vencer.
Pesquisa Datafolha mostra que, num cenário sem Alckmin e com França, Haddad lidera com 28%. O pessebista marca 19% e lidera com 28% em cenário sem o petista. Já na hipótese em que os três concorrem ao Palácio dos Bandeirantes, Alckmin tem 28%; Haddad soma 19% e França, 13%.
Aliados do ex-prefeito afirmaram que a candidatura dele ao Governo de São Paulo está consolidada e não há volta atrás. Um argumento evocado por parlamentares do PT, além da dianteira de Haddad na pesquisa, é a maior estrutura e capilaridade do PT em São Paulo em comparação ao PSB.
Deputados estaduais do PSB, por exemplo, fazem parte da base do governo João Doria (PSDB), pré-candidato à presidente, e devem apoiar seu sucessor, o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB) na corrida estadual.
Já membros do PSB apostam na candidatura de França e afirmam haver vantagens em relação a Haddad, como a menor rejeição (34% contra 16%). A leitura, nesse caso, é a de que Haddad não agregaria votos a Lula em São Paulo, pois são votados nos mesmos grupos.
França, por sua vez, poderia, como palanque de Lula, agregar votos do interior de São Paulo e de policiais.
A equação tem ainda Guilherme Boulos (PSOL), que também é pré-candidato ao Governo de São Paulo e pode dividir votos com Haddad e até com França.
Entusiastas da chapa Lula-Alckmin minimizavam o embate entre Haddad e França, prevendo um entendimento ao final, com ou sem Boulos, mas havia também quem apontasse o potencial de mágoas e feridas abertas ao longo do processo.
Uma questão é a do eleitor de esquerda que torce o nariz para Alckmin. Na entrada, um grupo de apoiadores de Lula gritava “Alckmin não!”, o que foi mencionado por presentes como um “desconforto”. Por outro lado, o ex-governador foi também bastante tietado com pedidos de fotos.
Como lembrou Lula em seu discurso, outro impasse a ser resolvido é o futuro partido de Alckmin, que anunciou sua desfiliação do PSDB na semana passada.
“Eu tenho que respeitar o Alckmin. Ele deixou o PSDB, ele ainda não tem partido, não sei a qual partido ele vai se filiar. E quem vai dizer se a gente pode se juntar ou não é o partido dele e o meu partido. Então a gente tem que ter paciência”, afirmou o ex-presidente.
Para ser vice de Lula, Alckmin se filiaria no PSB, de França. O Solidariedade também fez o convite ao ex-governador.
Outra opção é o PSD, mas, nesse caso, a candidatura mais provável de Alckmin seria para o Governo de São Paulo. Isso porque, no plano nacional, o PSD lançou o senador Rodrigo Pacheco (MG) à Presidência.
Embora o partido se mantenha próximo de Lula, filiar Alckmin e bancá-lo como vice seria abraçar de vez o plano petista, algo que o partido não assumiria agora. De acordo com petistas, um apoio do PSD pode vir só no segundo turno.
Nesse sentido, o jantar também demonstrou o alcance e as fronteiras da aliança que Lula pretende costurar —além de deixar claro quem não faz parte do diálogo que objetiva derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL).
PT, PSB, PC do B e Solidariedade formam a parte convertida do projeto, que acenou para fora com as presenças dos presidentes do PSD, Gilberto Kassab, e do MDB, Baleia Rossi.
A ausência de nomes importantes do PSD, como Pacheco e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, foram lidas como um sinal de que a presença de Kassab representava antes sua boa relação com Lula do que um embarque em sua candidatura desde já.
A presidenciável do MDB, senadora Simone Tebet (MS), também faltou. Saudado pelos presentes como o próximo presidente do Brasil, Lula foi o único pré-candidato ao Planalto presente no restaurante A Figueira Rubaiyat, em região nobre da capital paulista.
Questionado pela Folha, Rossi respondeu apenas que o jantar era “apolítico e não eleitoral”, também evitando vincular seu MDB a Lula.
No jantar, a ponte de Lula para fora da esquerda foi construída também pela cúpula da CPI da Covid presente no evento —os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM). Opositor de Bolsonaro, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) também esteve no local.
Falando sobre o PSD e o MDB, petistas afirmam que a presença de Kassab e Rossi foi uma boa sinalização, mas que Lula também deve respeitar a decisão dos partidos de lançarem candidatos —estratégia usada para alavancar a bancada de deputados.
Um apoio no segundo turno e no governo já seria importante e, por isso, é preciso mantê-los próximos. Com larga vantagem sobre Bolsonaro nas pesquisas, Lula já estaria preocupado com a governabilidade, de acordo com políticos próximos a ele.
“Sei que o Brasil que vou pegar em 2023 é muito pior que o país que eu peguei em 2003”, disse o petista em seu discurso.
O jantar delimitou ainda o campo adversário a Lula —formado notadamente por Bolsonaro, Sergio Moro (Podemos) e Doria, considerados “personas non grata” pelo coordenador do Prerrogativas, o advogado Marco Aurélio Carvalho. O grupo é progressista e crítico da Lava Jato.
No Twitter, Moro ironizou o jantar: “Impressão minha ou ontem assistimos a um jantar comemorativo da impunidade da grande corrupção?”.
Nomes próximos a Doria, porém, foram ao evento, como o ex-senador Arthur Virgílio (AM), que fez dobradinha com o governador paulista nas prévias do PSDB, e o secretário da gestão do tucano e ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ).
O jantar tampouco alcançou o entorno de Ciro Gomes (PDT), pré-candidato ao Planalto que vem se descolando de Lula com duras críticas ao petista —apesar de acenos entre ambos na última semana, após o pedetista ter sido alvo da Polícia Federal.