O deputado estadual paraibano Wallber Virgolino (Patriota) está sendo citado pela imprensa nacional como um dos parlamentares brasileiros que teriam utilizado informações falsas na elaboração de Projeto de Lei (PL) que contesta a adoção da exigência de ‘Passaporte da Vacina’.
De acordo com a matéria originalmente publicada pela Folha, os parlamentares cometeram erros ao colocar em dúvida a eficácia das vacinas contra o novo coronavírus, a segurança dos imunizantes e a proteção coletiva gerada pela aplicação em massa dessa proteção. Também fizeram alegações sem o devido contexto, distorcendo, por exemplo, o posicionamento da OMS (Organização Mundial de Saúde) sobre o tema e a forma como se deu a aprovação das vacinas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Confira a íntegra da matéria logo abaixo e clique no link indicado para conferir o Projeto do parlamentar paraibano:
“Adotado em centenas de municípios pelo país, o passaporte da vacina é contestado em três projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados e em pelo menos 20 iniciativas em Assembleias Legislativas de 13 estados. Um levantamento feito pela Lupa mostrou que 11 dessas propostas usam informações falsas nas suas justificativas, na tentativa de evitar que pessoas não imunizadas contra a Covid-19 sejam impedidas de acessar locais públicos ou privados.
Os parlamentares cometeram erros ao colocar em dúvida a eficácia das vacinas contra o novo coronavírus, a segurança dos imunizantes e a proteção coletiva gerada pela aplicação em massa dessa proteção. Também fizeram alegações sem o devido contexto, distorcendo, por exemplo, o posicionamento da OMS (Organização Mundial de Saúde) sobre o tema e a forma como se deu a aprovação das vacinas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Dos 23 projetos, 21 foram apresentados nos últimos dois meses. Um deles, de autoria do deputado estadual Capitão Contar (PSL), no Mato Grosso do Sul, já foi arquivado. A Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Casa rejeitou a proposta por unanimidade, concluindo que o tema é de competência privativa da União. Já no vizinho Mato Grosso, o texto da deputada Janaina Riva (MDB) foi aprovado em primeira votação na quinta-feira (21). O projeto havia sido rejeitado na Comissão de Saúde da Assembleia, mas acabou apoiado pelo plenário. A matéria ainda precisa passar por uma nova votação.
A apresentação do comprovante de vacinação para ingressar em determinados espaços é criticada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele já ameaçou vetar, caso seja aprovada, uma proposta em tramitação no Congresso Nacional que exige o passaporte da vacina para a entrada de pessoas em locais como hotéis, parques e no transporte coletivo.
Na contramão do discurso do presidente, ao menos 249 municípios já exigem o passaporte da vacina em espaços públicos, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios realizado entre 20 e 23 de setembro com respostas de 2.461 cidades. Na capital paulista, a comprovação é obrigatória desde o dia 1º de outubro para eventos com público superior a 500 pessoas, como shows, feiras, congressos e jogos.
A Lupa checou as principais informações escritas pelos parlamentares nas justificativas dos projetos de lei críticos ao passaporte da vacina. Veja, a seguir, o resultado:
A eficácia das vacinas contra a Covid-19 já está cientificamente comprovada. Todos os imunizantes aplicados no Brasil passaram por três fases de testes em humanos que envolveram dezenas de milhares de voluntários, mostrando-se seguros e eficientes. Dois deles, da Pfizer e da AstraZeneca, têm registro definitivo na Anvisa. Ao contrário do que o projeto de lei sugere, as vacinas já foram aprovadas em todas as etapas exigidas para que pudessem ser utilizadas, ainda que em um prazo mais curto que o comum.
De fato, foi a primeira vez na história que o desenvolvimento de uma vacina ocorreu em um intervalo de menos de um ano. Até então, o imunizante contra a caxumba, que levou quatro anos para ser criado, na década de 1960, havia sido o mais rápido. Em média, esse processo pode levar até uma década. No entanto, a maior parte desse tempo costuma ser usada em busca de financiamento para a pesquisa clínica, que tem um elevado custo, e no recrutamento de voluntários para testar o imunizante, explica a professora do Departamento de Farmacologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Ana Paula Herrmann. “Não é como se o paciente ficasse dez anos sendo observado. A maior parte desse tempo são buracos em branco.”
Diante do cenário de pandemia, fatores como financiamento e voluntários não faltaram para viabilizar os testes dos imunizantes contra a Covid-19. “A tecnologia também estava disponível. A gente já tinha uma base muito boa para várias das plataformas de vacinas que são utilizadas hoje. Todo esse tempo foi poupado. Mas em nenhum momento essa redução do prazo exigiu que se abrisse mão da segurança e da eficácia”, reforça Herrmann.
A experiência com a aplicação de vacinas na população há décadas afasta a probabilidade do surgimento de supostos efeitos adversos de longo prazo, constantemente alardeados por grupos antivacina. “É muito pouco provável do ponto de vista da plausibilidade biológica. Em geral, os efeitos adversos ocorrem nas semanas seguintes à administração. O que importa nesse caso é a comparação de risco-benefício. E no caso da vacina da Covid, essa comparação está claramente pendendo para o lado do benefício, e não para o lado do risco”, pondera a professora.
A Lupa entrou em contato por email com a deputada Ana Campagnolo (PSL-SC), mas não obteve retorno.
De fato, a Resolução de Diretoria Colegiada 444, publicada pela Anvisa em dezembro de 2020, falava em autorização temporária das vacinas contra a Covid-19 “em caráter experimental”. No entanto, o termo foi utilizado apenas por conta da adoção do processo de uso emergencial dos imunizantes, que foi “algo inédito na regulação e no ordenamento legal do país”, declarou o órgão por email à Lupa.
Em 30 de setembro, a própria Anvisa divulgou um comunicado reforçando que os imunizantes contra a Covid-19 não são experimentais e tiveram seus dados de eficácia e segurança aprovados.
A agência reforçou esse entendimento à Lupa: “Todas as vacinas em uso no Brasil tiveram condução de estudo de fase 3 de pesquisa clínica e já encerraram esta etapa de pesquisa clínica.” O órgão ressaltou que estudos adicionais podem e são conduzidos para avaliar aspectos específicos como, por exemplo, a ampliação do público ao qual se destina o imunizante. “Isso não significa que qualquer vacina autorizada não tenha cumprido a fase 3 de estudo clínico e que seja um produto ainda experimental”, disse a Anvisa.
Dois projetos apresentados na Câmara dos Deputados afirmam que as vacinas contra a Covid-19 são “experimentais”: o PL nº 3026/2021, de autoria de Chris Tonietto (PSL-RJ) e Bia Kicis (PSL-DF), e o PL nº 3702/2021, assinado por dez parlamentares. Nos estados, essa premissa também aparece no PL nº 24292/2021, de Talita Oliveira (PSL), na Assembleia Legislativa da Bahia.
Por email, o deputado Salema declarou que vai encaminhar a questão à assessoria jurídica e, se constatado erro, vai “fazer acertos” no texto do projeto de lei.
Para além da proteção individual, a vacinação também é uma estratégia coletiva, uma vez que possibilita frear a transmissão da doença. “O ato de não se vacinar faz com que aquela pessoa permaneça suscetível. Quanto mais suscetíveis nós temos na comunidade, mais o vírus avança, mais infecções nós temos, mais possibilidade do surgimento de variantes”, explica Fábio Gaudenzi, membro do conselho deliberativo da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e presidente da Sociedade Catarinense de Infectologia. Ele defende que a decisão individual de não se vacinar tem impacto coletivo diante de uma doença infecciosa e transmissível e em uma sociedade que promove contato constante com outras pessoas.
Gaudenzi reforça ainda que a imunização coletiva beneficia idosos e pessoas imunossuprimidas, por exemplo, em que a taxa de proteção da vacina é naturalmente menor: “Mesmo que não haja uma resposta vacinal tão potente nesses casos, se as pessoas em volta estão vacinadas, o risco de adoecimento vai ser muito menor.”
A mesma frase analisada aparece nas justificativas de cinco projetos em Assembleias Legislativas pelo país: PL nº 0317.8/2021, apresentado pelo deputado Felipe Estevão (PSL) em Santa Catarina; PL nº 2693/2021, de Alberto Feitosa (PSC), em Pernambuco; PL nº 278/2021, de Capitão Contar (PSL), em Mato Grosso do Sul; PL º 7632/2021, de Cairo Salim (Pros), em Goiás; e PL nº 525/2021, de Ricardo Arruda (PSL), no Paraná.
Por email, o deputado Frederico d’Avila (PSL-SP) declarou que sua afirmação tem como base artigos científicos e citou um estudo realizado em Israel, ainda não revisado por outros cientistas, segundo o qual imunizados teriam um risco 13 vezes maior de contraírem a variante delta em comparação àqueles que tiveram a doença no passado.
A OMS posicionou-se contra a imposição do passaporte da vacina para entrada e saída de pessoas em países, não como requisito para ingresso em locais públicos ou privados, como restaurantes e cinemas, aos quais se refere o projeto de lei estadual. A declaração da médica Margaret Harris foi dada em 6 de abril durante uma entrevista coletiva. Na ocasião, a porta-voz enfatizou a desigualdade entre os países no acesso aos imunizantes contra a Covid-19.
A OMS também se colocou contra a imposição do passaporte da vacina dentro do contexto de viagens internacionais em outros momentos de 2021. Em um artigo de fevereiro, a entidade alertava para o risco de moradores de países com dificuldades de acesso aos imunizantes serem injustamente prejudicados, diante das dúvidas sobre sua capacidade de limitar a transmissão da doença.
Ainda que a vacinação não necessariamente impeça a infecção e a transmissão do Sars-CoV-2, pesquisas apontam que a transmissão do vírus por pessoas vacinadas é consideravelmente menor e mais curta em comparação às não imunizadas.
Um estudo publicado em agosto no periódico New England Journal of Medicine analisou dados de transmissão da Covid-19 entre pessoas que moravam em uma mesma casa na Inglaterra. Os pesquisadores concluíram que a probabilidade de vacinados transmitirem a doença foi de 40% a 50% menor em comparação a quem não havia se imunizado.
Nos Estados Unidos, pesquisadores indicam que vacinados que eventualmente desenvolvam a Covid-19 conseguem combater a doença em menos tempo, consequentemente diminuindo sua transmissão. O estudo foi divulgado em agosto e ainda precisa passar pela revisão de outros cientistas. De acordo com a pesquisa, aqueles que haviam se vacinado levaram, em média, 5,5 dias até estarem sem carga viral detectável. No grupo dos não vacinados, esse período foi de 7,5 dias.
“A vacinação tem impacto na transmissão, e é isso que nós estamos vendo hoje com a diminuição dos casos no país. Se a vacina não prevenisse a transmissão da doença, nós poderíamos até ter uma redução de casos graves, mas não teríamos uma redução de casos leves como estamos vendo”, observa o infectologista Gaudenzi. Apesar de diminuir o desenvolvimento de formas graves, ele lembra que nenhuma vacina confere proteção de 100%. Dessa forma, somando a imunização a outros cuidados, é possível conter a transmissão da Covid-19, diz o médico: “O acumular do tempo de pessoas protegidas vai levar ao controle da situação do Sars-CoV-2.”
Frase semelhante à analisada aparece em quatro projetos de lei pelo país: PL nº 3172/2021, de Delegado Wallber Virgolino (Patriota), na Paraíba; PL nº 2693/2021, de Alberto Feitosa (PSC), em Pernambuco; PL nº 278/2021, de Capitão Contar (PSL), em Mato Grosso do Sul; e PL nº 525/2021, de Ricardo Arruda (PSL), no Paraná.
Em 17 de novembro de 2020, a Anvisa publicou a Instrução Normativa 77, que previa a submissão contínua de dados técnicos para o registro das vacinas contra a Covid-19.
Na prática, a medida permitiu que as farmacêuticas enviassem informações sobre os imunizantes em desenvolvimento à medida que elas fossem geradas, agilizando o processo de análise pelos técnicos da agência. “A gente não está abrindo mão de nenhum critério técnico, de nenhum rigor científico necessário para aprovar uma vacina aqui no Brasil”, garantiu o gerente-geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, à época da publicação da Instrução Normativa.
Por email, a agência reforçou que as flexibilizações implementadas na ocasião “foram de processo e prioridade”, o que exigiu, por exemplo, que funcionários do órgão trabalhassem de forma ininterrupta, inclusive aos fins de semana e feriados. “Não houve flexibilização em relação a aspectos técnicos necessários para verificação dos aspectos de segurança e eficácia da vacina”, declarou a Anvisa.
A mesma frase aparece no PL nº 701/2021, de autoria do deputado Antonio Albuquerque (PTB), em tramitação na Assembleia Legislativa de Alagoas.”