* Por Nonato Guedes
O general Eduardo Pazuello, que não entende nada de medicina e é especialista, mesmo, em logística dentro do Exército, foi, enfim, desligado do cargo de ministro da Saúde do governo do presidente Jair Bolsonaro. O bastão passou ao comando do cardiologista paraibano Marcelo Queiroga, empossado numa cerimônia discretíssima, como se Bolsonaro quisesse esconder o novo auxiliar – sabe-se lá porque cargas d’agua. Pazuello deixa o posto com a fama de ter sido o pior ministro da Saúde da história brasileira, totalmente inadequado ou despreparado para gerir a Pasta e o vasto contencioso numa conjuntura de calamidade decorrente da pandemia do novo coronavírus que assola o mundo e que, no Brasil, alcança índices alarmantes. Sai da Saúde mas não deixa o governo, convocado que foi para outras missões estratégicas na Era Bolsonaro.
O Brasil já teve um economista, José Serra, que foi considerado um dos melhores ministros da Saúde do mundo, o que faz com que Pazuello seja o contraponto de Serra, pela avaliação negativa generalizada sobre sua passagem. José Serra, que cansou de ser candidato a presidente da República e perder para o PT, foi ministro da Saúde entre 1998 e 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, depois de ter ocupado o ministério do Planejamento, ao qual era vinculada a Secretaria de Políticas Regionais, ocupada pelo paraibano Cícero Lucena, novamente prefeito de João Pessoa na atualidade. Serra credenciou-se pela deflagração de um arrojado programa de combate à Aids, que foi copiado por outros países e recomendado como modelo pela ONU. Também foi o mentor da lei dos remédios genéricos no Brasil, uma estratégia para combater a alta de preços dos medicamentos, o que repercutiu positivamente na sociedade e introduziu a vacinação de idosos contra a gripe, tendo falhado, parcialmente, na cruzada de combate à dengue.
Eduardo Pazuello investiu-se no ministério da Saúde como interino em meio à demissão de Nelson Teich, que não tinha a confiança do presidente Bolsonaro nem credibilidade junto à opinião pública e que fora sugerido a Bolsonaro para suceder a Luiz Henrique Mandetta, colecionador de atritos com o mandatário, além de político militante, filiado ao DEM. Na véspera de assumir a missão, o militar definiu-se como um “executante” e admitia que era leigo em questões técnicas da área de Saúde. Foi ungido por pertencer às Forças Armadas, num momento em que o presidente da República desconfiava de possíveis desvios na área da Saúde, inflacionados pela pandemia de Covid-19. O general atuaria, então, como um “bedel” do presidente, acompanhando, com lupa, operações financeiras vultosas e contratos firmados que ganharam dimensão com a outorga de poderes ao Executivo para decretar situações de emergência ou de calamidade.
Assim como Bolsonaro, Pazuello se graduou na Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, em Resende, no Rio de Janeiro, como Oficial de Intendência – no Exército, é o militar especializado em tarefas administrativas, operacionais ou logísticas. Ele chegou a Brasília no dia 20 de abril com a missão de coordenar a transição entre as gestões de Luiz Henrique Mandetta, que pedira demissão dias antes, e Nelson Teich. Foi ficando, até agora. E diferentemente de outros integrantes militares da equipe de Bolsonaro, Pazuello pertence à ativa. Antes de ir para Brasília para integrar a equipe do capitão-presidente, o general de três estrelas comandava a Décima Segunda Região Militar da Amazônia em Manaus. Em entrevista no site da revista Veja em 21 de abril, insinuou que logo estaria saindo e voltando para a sua tropa. Embora se assumisse como leigo, defendeu que o país tivesse mais cuidado com os dados utilizados no combate à pandemia.
“A gente observa que dados precisam ser melhorados, a gente precisa ter números mais fidedignos, com menor margem de erro”, pontuou o general Pazuello que, dentro da pasta, começou cuidando de organizar as compras de equipamentos e insumos feitas pelo Ministério da Saúde, sendo, por essa razão, bastante procurado por prefeitos e governadores de Estados. Com o tempo, a situação da pandemia do novo coronavírus agravou-se no Brasil, com registro, ainda hoje, de recordes na média móvel de mortes por Covid. O trabalho do general no ministério foi dificultado em grande parte pela própria postura negacionista que o presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu e, em paralelo, pela demora do governo federal em negociar e agilizar a compra de vacinas para que fosse desenvolvido um plano de imunização em massa da população. Como se dizia “cumpridor de ordens”, evitava questionar o mandatário ou confrontar-se com suas determinações, por mais implausíveis que fossem.
Pazuello abandona o ministério da Saúde no pior momento enfrentado pelo Brasil, no contexto internacional, em relação ao quadro da pandemia de coronavírus. Não é somente o número de óbitos ou a quantidade de casos de Covid que têm sido diagnosticados, mas a falência geral do sistema de saúde pública, cujo corolário está sendo a falta de leitos de UTI para atendimento a pacientes contaminados em todas as regiões do país e, mais recentemente, a falta de oxigênio nas inúmeras unidades de saúde espalhadas pelo Brasil. Do ponto de vista psicológico, é absolutamente desolador o estado de ânimo da população brasileira, que se depara com obstáculos, sempre, no desenrolar da travessia para superação da epidemia. O general Pazuello tem culpa em todo esse cenário porque até ontem aceitou fazer o papel de marionete do presidente da República. Sai estigmatizado como titular de uma gestão desastrada.
A batata quente, agora, está com o cardiologista paraibano Marcelo Queiroga, cujo grau de autonomia à frente do ministério e próximo de zero e que já se envolveu em cipoal de contradições quanto a declarações a respeito da conjuntura de calamidade que o Brasil vive. É difícil prever como será a gestão de Queiroga, se até a cerimônia de posse foi tratada como “irrelevante” pelo presidente da República. Os paraibanos esperam que o ministro tenha, pelo menos, a dignidade de pedir para sair caso venha a constatar que não tem qualquer margem de influência dentro do governo. Isto preservaria, pelo menos, o seu currículo como médico, cuja competência não é polemizada no território das redes sociais, onde, com a mesmice de sempre, continuam a se engalfinhar bolsonaristas e anti-bolsonaristas de plantão. Que Marcelo Queiroga tenha a dignidade demonstrada por Adib Jatene quando deixou a Saúde, também no governo FHC, depois de ter sido enganado na promessa de que o orçamento do ministério seria intocável. “Se o senhor não consegue manter a sua palavra, entendo a sua dificuldade. Mas me faça um favor: ponha outro no meu lugar”, expressou Jatene a Fernando Henrique Cardoso. Isto foi em novembro de 1996.