O Governo do Estado da Paraíba e de mais 17 Estados divulgaram nota conjunta após se irritarem com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que tentou imputar-lhes a responsabilidade pela expansão da pandemia do coronavírus no país.
Na nota, divulgada nesta segunda-feira (1º), os governadores criticam a atitude do Governo Federal de usar dinheiro público “a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais”.
Ainda segundo a matéria publicada originalmente pelo Estadão, esta foi uma resposta à estratégia do presidente, que passou a divulgar em público e, nas suas redes sociais, que a União repassava bilhões aos Estados para que reduzissem os efeitos da pandemia. Esse argumento também foi reproduzido nas redes da Secretaria Especial de Comunicação (Secom) do governo.
A irritação foi grande porque a maior parte desses recursos aos quais Bolsonaro se refere é de repasses obrigatórios, previstos pela Constituição. Ou seja, não se trata de um gesto do presidente para conter os problemas da pandemia. Para o grupo, não há dúvidas de que Bolsonaro decidiu tentar repassar para o colo dos governadores pelo menos parte da conta política e do desgaste junto à população pela disparada no aumento dos casos de coronavírus.
Na nota, os governadores dizem que o governo parece “priorizar a criação de confrontos”. O texto é subscrito pelos governadores da Paraíba (João Azevêdo – Cidadania), Alagoas (Renan Filho – MDB), Amapá (Waldez Góes – PDT), Ceará (Camilo Santana – PT), Espírito Santo (Renato Casagrande – PSB), Goiás (Ronaldo Caiado – DEM), Maranhão (Flávio Dino – PCdoB), Pará (Helder Barbalho – MDB), Paraná (Ratinho Junior – PSD), Pernambuco (Paulo Câmara – PSB), Piauí (Wellington Dias – PT), Rio de Janeiro (Cláudio Castro – PSC), Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra – PT), Rio Grande do Sul (Eduardo Leite – PSDB), São Paulo (João Doria – PSDB) e Sergipe (Belivaldo Chagas – PSD).
“Os governadores dos Estados abaixo assinados manifestam preocupação em face da utilização, pelo Governo Federal, de instrumentos de comunicação oficial, custeados por dinheiro público, a fim de produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais. Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o governo federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população”, diz o texto.
“A Constituição Brasileira, Carta maior de nossa sociedade e nossa democracia, estabelece receitas e obrigações para todos os Entes Federados, tal como é feito em qualquer federação organizada do mundo. No modelo federativo brasileiro, boa parte dos impostos federais (como o Imposto de Renda pago por cidadãos e empresas) pertence aos Estados e Municípios, da mesma forma que boa parte dos impostos estaduais (como o ICMS e o IPVA) pertence aos Municípios. Em nenhum desses casos a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo, e sim a expresso mandamento constitucional”, acrescenta a nota.
“Nesse sentido, a postagem hoje veiculada nas redes sociais da União e do Presidente da República contabiliza majoritariamente os valores pertencentes por obrigação constitucional aos Estados e Municípios, como os relativos ao FPE, FPM, FUNDEB, SUS, royalties, tratando-os como uma concessão política do atual Governo Federal. Situação absurda similar seria se cada Governador publicasse valores de ICMS e IPVA pertencentes a cada cidade, tratando-os como uma aplicação de recursos nos Municípios a critério de decisão individual”.
Durante o fim de semana, as redes bolsonaristas trataram de espalhar a narrativa do governo, afirmando que R$ 837,4 bilhões haviam sido enviados pela União aos Estados. Ou seja, os governadores teriam dinheiro sobrando para combater o vírus. Essa tentativa de repassar responsabilidade causou grande desconforto até em governadores aliados do Planalto, como Ronaldo Caiado (Goiás), Ratinho Júnior (Paraná) e Claudio Castro (Rio), que subscreveram a nota crítica.
Alguns governadores foram mais duros na sua reação ao presidente. “Ao invés de construir alianças para combater a pandemia, Bolsonaro destrói pontes e prejudica o trabalho dos governadores para salvar vidas”, disse o governador de São Paulo, João Doria, ao Estadão.
“O presidente da República insiste em agredir a verdade para tentar atingir os governadores. Ele está postando contas malucas sobre recursos enviados aos Estados, misturando com municípios, recursos de FPE, FPM, auxílio emergencial etc. Em suma, é um irresponsável”, acusou o governador do Maranhão, Flávio Dino.
“O presidente da República mistura, sem explicar, todos os repasses federais (até os obrigatórios pela Constituição) e fala que mandou R$ 40 bilhões para o Rio Grande do Sul. Se a lógica é essa, fica a dúvida: como o Rio Grande mandou para Brasília R$ 70 bilhões em impostos federais, cadê os nossos outros R$ 30 bilhões que enviamos?”, questionou o governador gaúcho Eduardo Leite.
Apesar da reação, os bolsonaristas não recuaram da estratégia. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, voltou a insistir na história mesmo depois da divulgação da nota dos governadores. Faria sustentou que os dados do governo procedem.
“Os valores de repasses do governo para os Estados estão 100% corretos. As fontes são acessíveis”, disse o ministro. “Os valores estão claramente discriminados nas publicações e são referentes a todos os repasses para os Estados: diretos (da União para os entes) e indiretos, como benefícios ao cidadão (Auxílio, Bolsa etc.) e suspensão de dívida. Não há o que contestar, não se briga com números”, afirmou o ministro, endossando o discurso do presidente.