Henrique Zeferino de Menezes
Doutor em Ciência Política (Unicamp), professor adjunto do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba
Lizandra Serafim
Doutora em Ciências Sociais (Unicamp). Professora adjunta do Departamento de Gestão Pública, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba.
O mês de junho consolidou a interiorização da Covid-19 no Nordeste e na Paraíba. Em razão desse processo, o Comitê Científico de combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste (C4) alertou para a possibilidade de ocorrência de um efeito bumerangue em todas as capitais do Nordeste[ii]. Na Paraíba, desde a segunda quinzena de junho, a velocidade de contágio no interior tem sido significativamente superior à identificada em João Pessoa, fazendo com que a pandemia alcançasse todas as regiões do estado. Para ilustrar esse cenário, as cinco cidades com as maiores taxas de crescimento de casos foram Sousa, Patos, Cajazeiras, Alagoa Grande e Conde – apenas a última integra a microrregião de João Pessoa. Esses dados indicam a possibilidade de ocorrência do efeito bumerangue em João Pessoa no futuro próximo.
Nota-se que, apesar da queda na demanda por leitos de enfermaria na capital, permaneceu elevada a ocupação de leitos de UTI, pela demanda proveniente justamente de municípios interioranos. Diante deste cenário, em seu nono Boletim, o Comitê recomendou: a) o estabelecimento de barreiras sanitárias; b) rodízio ou outro sistema de controle de fluxo de tráfego nas principais rodovias do estado; c) fechamento temporário de divisas com Pernambuco e Rio Grande do Norte; d) criação de Brigadas Emergenciais de Saúde em todo o estado[iii].
Entretanto, o caminho trilhado pelo governo estadual foi outro. Em meados de junho, sob crescente pressão do empresariado pela reabertura do comércio e serviços em geral e da baixa adesão popular ao isolamento social (que não chegou ao mínimo estabelecido de 50%, mesmo nos municípios onde vigorou o isolamento social rígido, e tem se mantido em torno de 40%), o governo do estado estabeleceu o “Plano Novo Normal Paraíba”, com a publicação do Decreto 40.304, de 15 de junho. O Plano visa a retomada gradual das atividades e foi viabilizado pela ampliação da capacidade de resposta do sistema de saúde do estado, representado pela a) oferta de mais de mil leitos para Covid-19; b) aumento da testagem da população, incluindo a distribuição de testes aos municípios e testagem na atenção primária (até o dia 15 de julho haviam sido realizados 185.202 testes[iv] – o que significa 4.170 testes para cada 100 mil habitantes e a maior taxa de testagem entre os estados do Nordeste); c) adoção de medidas para desaceleração paulatina da disseminação do vírus, incluindo protocolos sanitários para estabelecimentos públicos e privados e produção e compartilhamento de dados entre órgãos competentes; d) manutenção da menor taxa de letalidade da região Nordeste (atualmente, em 2,2%, abaixo da média nacional de 3,8% e sexto lugar entre os demais estados).
O Plano funciona através da avaliação e classificação periódica dos municípios em bandeiras nas cores verde, amarela, laranja e vermelha, correspondentes aos níveis de restrições que devem ser obedecidas. As cores das bandeiras têm por objetivo subsidiar os gestores municipais na tomada de decisões para evitar o aumento da propagação do novo coronavírus, permitindo o retorno das atividades econômicas. A classificação em bandeiras leva em consideração as taxas de obediência ao isolamento, progressão de casos novos da Covid-19, letalidade e ocupação hospitalar e são analisadas cumulativamente em intervalos de 15 dias.
Nas três primeiras avaliações realizadas pela SES houve progresso na situação geral do estado, com uma continuada transição dos municípios da situação vermelha e laranja para amarela e verde. Na primeira avaliação, em 15 de junho, 126 municípios foram classificados com bandeira laranja, 82 com bandeira amarela, 14 com bandeira vermelha e apenas 1 com bandeira verde. Já na terceira, 182 municípios se encontravam com bandeira amarela (o que significa 92% dos municípios e 86,95% da população paraibana), 23 com bandeira verde, 18 com bandeira laranja e nenhum com bandeira vermelha. Entretanto, na quarta, e mais recente avaliação, houve uma queda no número de municípios com bandeira verde (eram 23 e agora são 16) e a quantidade daqueles com bandeira laranja passou de 18 para 22. O número de municípios com bandeira amarela permaneceu praticamente estável.
Mapa 01 – Quarta etapa do Plano Novo Normal – PB (vigência de 27/07 a 11/08/2020)
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde (SES) – Paraíba. Disponível em: https://paraiba.pb.gov.br/diretas/saude/coronavirus/novonormalpb
Note-se que os municípios de Bayeux e Santa Rita continuam em uma situação destacada na microrregião de João Pessoa, mantendo-se na faixa laranja na quarta etapa do Plano. Como observamos em análise anterior[v], são as cidades com as maiores taxas de letalidade no estado, apontando para uma relação forte entre os níveis de renda, pobreza, informalidade e desigualdade com as taxas de mortalidade e letalidade. Em 21 de julho, o Comitê Científico de combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste publicou alerta destacando as cidades do Nordeste com aumento de casos nos últimos dias. Na Paraíba, destacou-se novamente município de Santa Rita, além de Ingá (município de 18 mil habitantes na região de Campina Grande), São Bento e Sousa, localizadas no sertão paraibano, e Rio Tinto, cidade do litoral norte e próxima a João Pessoa, onde há um campus da Universidade Federal da Paraíba.
Em termos gerais, a Paraíba contabilizou 78.175 casos confirmados até o dia 27 de julho, distribuídos entre 221 dos 223 municípios do estado. O número de óbitos por Covid-19 alcançou 1.745 pessoas, com taxa de letalidade de 2,2%. De acordo com a SES foram 32.324 casos recuperados, e mais de 400 mil testes para diagnóstico da Covid-19 distribuídos. A taxa de ocupação de leitos ativos no estado, incluindo adulto, pediátrico e obstétrico, era de 48% (do total de 1037 leitos, sendo 660 de enfermaria e 377 de UTI adulto) na mesma data. Na Região Metropolitana de João Pessoa, 52% dos leitos de UTI para adultos estavam ocupados em 27/07, enquanto em Campina Grande a ocupação era de 41% de leitos de UTI adulto. Observa-se um crescimento na disponibilidade de leitos livres em João Pessoa e Campina Grande nos últimos dias. Já no Sertão essa taxa vem aumentando e alcançou 73% no início da semana. Esse último dado confirma o receio de que a interiorização da pandemia possa produzir rebatimentos futuros nas duas maiores cidades do estado.
Gráfico 01 – Paraíba: novos casos diários e média semanal
Fonte: Secretaria Estadual de Saúde (SES) – Paraíba. Disponível em: https://paraiba.pb.gov.br/diretas/saude/coronavirus/novonormalpb
O gráfico acima apresenta a evolução histórica dos novos casos registrados no Estado. A linha escura mostra a média semanal de novos registros entre 05 de maio a 27 de julho. O que se percebe é uma estabilização do número de novos casos no seu patamar mais elevado desde o início da pandemia. Não há sinais claros de que haja uma redução no nível de contaminação.
É nesse contexto ainda instável que João Pessoa iniciou a quarta fase do plano municipal de flexibilização das atividades econômicas na última segunda-feira, dia 27 de julho. Estão liberados para o funcionamento a partir de agora bares, restaurantes e academias de ginástica em horários específicos, seguindo um conjunto de restrições. Houve também uma pequena liberação para algumas atividades de ensino em faculdades particulares, restritas para alunos em processo de conclusão dos cursos.
Considerando os dados apresentados e as dinâmicas de avaliação e decisão sobre flexibilização das restrições, é fundamental uma ação mais coordenada entre o governo estadual e as administrações municipais, especialmente das maiores cidades do estado, incluindo as do sertão. A autorização para abertura de estabelecimentos comerciais considerados não essenciais deve vir acompanhada de medidas de monitoramento, fiscalização e controle da adoção efetiva das medidas de biossegurança, além da conscientização de trabalhadores e usuários, disponibilização de recursos e equipamentos para higienização dos locais. Ainda, são fundamentais ações para evitar aglomerações em locais de trabalho e nos serviços de transporte público. Por outro lado, políticas sociais que possam minimizar os custos humanos da pandemia, assim como medidas de estímulo ao setor privado, devem ser mantidas e expandidas.
A flexibilização das restrições de circulação de pessoas, de abertura de pontos comerciais e atividades de ensino e religiosas, em um cenário de não retração significativa da circulação do vírus, associada ao forte processo de interiorização da pandemia, pode ser uma opção temerosa, considerando o riso de um efeito bumerangue que leve a novas ondas de aumento da disseminação e contaminação.
[i] O texto faz parte do projeto “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia de covid-19 no Brasil” coordenado pela pesquisadora Luciana Santana (Ufal). O texto original foi publicado no site da abcp no seguinte link: https://cienciapolitica.org.br/noticias/2020/07/especial-abcp-governos-estaduais-e-acoes-enfrentamento.
[ii] Efeito bumerangue refere-se a uma espécie de segunda onda de infecção e risco de sobrecarga do sistema hospitalar das capitais resultante de um fluxo massivo de casos graves de pacientes residentes no interior dos estados, devido à falta de infraestrutura hospitalar capaz de atender casos de alta gravidade. Ver Boletim 09 do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus – Consórcio Nordeste, emitido em 2/07/20, disponível em https://www.comitecientifico-ne.com.br/ . Acesso em 15 de julho de 2020.
[iii] A Brigada Sanitária consiste em uma ação educativa, de diagnóstico e tratamento que envolve a busca ativa (de porta em porta) de pessoas com sintomas de síndromes gripais possivelmente relacionadas a possíveis casos de Covid-19, e focos de mosquito da dengue, zika e chikungunya, realizada por agentes de endemias, agentes comunitários de saúde, profissionais da Atenção Básica e da Vigilância Ambiental e Zoonoses nos bairros de João Pessoa.
[iv] De acordo com dados da SES, a Paraíba é o sétimo estado com a melhor taxa de testagem da população, ficando abaixo do Distrito Federal (10.529), Amapá (5.823), Rondônia (5.014), Rio de Janeiro (4.604), Piauí (4.280) e Amazonas (4.247)
[v] Disponível em https://cienciapolitica.org.br/noticias/2020/06/especial-abcp-acoes-paraiba-enfrentamento-pandemia
Estadão