Alvo da Operação Calvário, que o acusa de chefiar uma organização criminosa responsável por desviar 134 milhões de reais da área da saúde, Ricardo Coutinho tenta, há um ano, apontar as falhas e omissões da denúncia do Ministério Público. Detido por 35 horas no fim de 2019, destituído da guarda de um filho, o ex-governador da Paraíba disse em entrevista ao portal Carta Capital que as acusações contra ele seguem o padrão da Lava Jato e se considera vítima de perseguição política. “Nas delações, as palavras mágicas eram Ricardo Coutinho”, afirma. “Quem citou o meu nome está solto.”
CartaCapital: O Ministério Público apresentou cinco denúncias contra o senhor desde o ano passado. Os procuradores o acusam de chefiar uma organização criminosa para desviar dinheiro da saúde e de ser dono de 49%, por meio de laranjas, do laboratório farmacêutico estatal da Paraíba. Como se defende?
Ricardo Coutinho: Todas as acusações não são amparadas em absolutamente nada, a não ser em teses do Ministério Público. Na terceira página da denúncia sobre o laboratório, eles dizem que eu sou o dono da tal empresa de São Paulo, sócia do Lifesa desde 2012. Na vigésima página, a versão muda. Os promotores escrevem que eu não seria o dono, mas teria 5% do laboratório. Na própria denúncia eles se desdizem. No fim das contas, não conseguem apresentar uma única prova. É uma acusação totalmente inválida. Não tenho nenhuma relação com essa empresa de São Paulo, nem sequer a visitei.
“Não há provas contra mim. A intenção nunca foi investigar nada, mas me incriminar”
CC: O senhor se considera um perseguido político?
RC: Na Paraíba, a Operação Calvário seguiu os mesmos padrões da Lava Jato, a começar pelas prisões por tempo indeterminado. Os detidos só eram ouvidos se mostrassem disposição de fazer delações premiadas. A intenção não era investigar nada, mas chegar a mim. As palavras mágicas eram Ricardo Coutinho. Conseguiram cinco delações. Todos estão soltos, ninguém usa tornozeleira eletrônica. Um desses delatores, que nunca teve uma reunião comigo, nunca me viu pessoalmente, acabou por dizer: Ricardo Vieira Coutinho era chefe da organização criminosa. Ninguém me chama pelo nome inteiro. Tudo convergiu para sepultar um projeto político.
CC: Como o Ministério Público chegou à cifra de 134 milhões de reais desviados?
RC: No início de 2019, quando os promotores começaram a vazar as informações da Calvário, falava-se em 1,1 bilhão de reais em desvios. Isso é o equivalente a todo o orçamento de oito anos do Hospital de Trauma de João Pessoa. O hospital começou a funcionar em 2011 e, desde então, modernizou seus equipamentos, passou de 138 para 331 leitos, de 10 leitos de UTI para 55. Passou a funcionar corretamente. Como seria possível alcançar essa excelência se o orçamento inteiro do hospital tivesse sido desviado? É um absurdo. Com o tempo, a quantia baixou para 134 milhões de reais. Ainda assim são incapazes de provar a corrupção. São contas que eles divulgam, mas não colocam explicitamente nas denúncias em tramitação na Justiça. Eles passaram a fatiar as mesmas acusações em busca da espetacularização. O governo repassou ao hospital no meu último ano de mandato 12,5 milhões de reais por mês. É muito menos do que outros estados pagam por unidades do mesmo nível em qualquer parte do Brasil. O Ministério Público não consegue provar o superfaturamento. Além disso, eu, como governador, não era o ordenador de despesas. A ordem cabia à Secretaria de Saúde. Na falta de provas, fizeram circular muitas mentiras.
CC: De que tipo?
RC: Chegaram a dizer que sou dono de imóveis em Portugal, Espanha, Estados Unidos, Minas Gerais e Pernambuco. Entrei na Justiça, mas até hoje essa calúnia não foi julgada. A mentira circulou em centenas e centenas de grupos de WhatsApp, a gente não consegue nem ter a dimensão exata. Outra, disseram que eu ia fugir do Brasil. Fui ao exterior em nome da Fundação João Mangabeira, que eu presidia. Isso tomou uma proporção inacreditável, como se fosse admissão de culpa. Minha audiência de custódia foi transmitida ao vivo, algo inédito. Houve uma grande aliança entre a mídia e o Ministério Público, com o intuito de enterrar um projeto político que mudou a realidade da Paraíba. Usam contra mim a teoria do domínio do fato. Dizem que sou o mentor intelectual, sem provas.
CC: O senhor será candidato a prefeito de João Pessoa?
RC: A decisão ainda não foi tomada. O PSB terá um candidato na capital. Eu só seria se algumas alternativas não decolarem. Temos um tempo para decidir. Acho que a possibilidade de eu concorrer é um dos motivos para, a cada semana, requentarem as denúncias. Não tenho uma penca de banana comprada que não seja com dinheiro meu. Tenho uma única conta bancária. Governei a capital e o estado e a maior acusação contra mim era que sempre fui muito chato, não recebia empresário ou lobista. Disseram que havia dinheiro enterrado no sítio do meu irmão. Veja o perigo. Arrombaram a casa duas vezes. Um malandro de Pernambuco tentou me chantagear e foi preso. Pedia 3 milhões de reais. Colocaram a minha e a vida da minha família em risco.
CC: Qual será o efeito se o Supremo determinar a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos do ex-presidente Lula? Seria suficiente para conter certos arroubos do Ministério Público e da Justiça?
RC: As corporações ultrapassaram limites perigosos. Se não há garantias dos direitos fundamentais, estamos todos à mercê. A Lava Jato golpeou o processo democrático. Ela interferiu nas eleições e deu ao Brasil um outro rumo.
CC: O senhor apostaria no impeachment de Bolsonaro?
RC: Não acredito na remissão do Bolsonaro. É uma ilusão acreditar em mudanças de comportamento. Dito isso, só vejo uma possibilidade de afastamento: se o STF ou o Tribunal Superior Eleitoral agirem. Motivos não faltam. Ele cometeu crimes eleitorais e comete crimes sanitários gravíssimos, de forma continuada… O Congresso não vai fazer. Existe um pacto muito ruim para o País. O governo costura um acórdão para ver se chega a 2022. O problema é que o Brasil está destruído. Eles querem insistir no programa do Paulo Guedes, e isso só vai aumentar a miséria. Haverá, inevitavelmente, choques sociais.
CC: Por que parece impossível uma frente progressista?
RC: Não se faz uma frente apenas em função de quem será o candidato à Presidência da República. É preciso discutir o programa a ser aplicado em caso de vitória. A frente não pode ter hierarquia. As escolhas são feitas a partir de critérios claros, definidos não só por partido, mas por movimentos sociais. Precisamos aprender com as experiências internacionais.