O Ministério Público Federal (MPF) interpôs recurso perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) para que a corte garanta às pessoas com deficiência, idosos e jovens de baixa renda, usuários do passe livre, as gratuidades em todos os veículos destinados ao transporte coletivo interestadual, previstas nos respectivos estatutos, independentemente da categoria do serviço ofertado (convencional ou diferenciado). O pedido inclui, ainda, a oferta para todos os usuários pagantes de, no mínimo, uma viagem (ida e volta), no serviço convencional, para cada dia da semana em que as empresas de ônibus interestaduais já mantenham viagens com veículos diferenciados (serviço mais caro).
De acordo com matéria publicada no site do MPF, no recurso, um agravo de instrumento, decorrente do indeferimento do pedido de liminar feito pelo MPF na Ação Civil Pública nº 0802559-55.2020.4.05.8200 (3ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba), reafirma-se a ilegalidade da restrição do passe livre apenas ao serviço dito convencional (com características básicas, em contraste com o serviço diferenciado), bem como da fixação de ínfimo número de viagens semanais a título de serviço convencional para todos os usuários pagantes. Para o órgão recorrente, o verdadeiro serviço público regulado pelo poder público é o serviço convencional (mais barato), de modo que este não pode ser a exceção quando a regra se mostra o serviço diferenciado mais caro e ofertado conforme conveniência das empresas autorizatárias.
Margens de lucro – O MPF refuta o argumento da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)cb, acolhido pela decisão de primeiro grau, de que o Poder Judiciário não poderia corrigir as ilegalidades citadas na ação porque, em síntese, as empresas autorizatárias não poderiam suportar redução de suas margens de lucro, fato que levaria a empresa a ter que transferir os custos para os usuários. Para o MPF, não ficou esclarecido por que a ANTT teria de concordar com as medidas usadas pelas empresas de transporte interestadual “somente para garantir suas margens de lucro, em prejuízo da garantia para o usuário de acesso regular (diário, se necessário) ao serviço público com tarifa módica e gratuidades que a lei determina”.
No recurso, o MPF argumenta que, ao contrário do que alega a agência reguladora, sendo deferida a medida liminar requerida, haverá maior número de viagens de serviço convencional com tarifa mais barata e devidamente reguladas que garantirão opções ao usuário, não se admitindo que sejam elevadas tarifas sem permissão do ente regulador. E se houver elevação arbitrária, caberá à ANTT coibir a conduta ou abrir chamamento público para outras empresas operarem as linhas sob autorização.
Para o MPF, o problema constatado é mesmo “a liberdade excessiva conferida pela ANTT às empresas autorizatárias na prestação do serviço público, a ponto de a própria agência alegar não poder exigir cumprimento da legislação para que os usuários não sejam punidos com elevação arbitrária de tarifas”
O órgão fiscal da lei ainda acrescenta que não vê onde haveria violação ao princípio da livre iniciativa e à concorrência (como alegado pela ANTT e acolhido pela decisão recorrida), com a correção das ilegalidades apontadas na ação ajuizada. Afinal, argumenta, os autorizatários poderiam sempre abrir mão da autorização e dar espaço para outros empresários, caso a margem de lucro legalmente permitida não lhes seja conveniente, ressaltando que a ação está dirigida a todas as autorizatárias igualmente. “Aliás, como dito, poderá sempre haver mais concorrência nessas circunstâncias, já que outras empresas poderão receber autorização se, por exemplo, ofertarem serviços que respeitem a modicidade da tarifa, ao contrário do que fazem as atuais, ao imporem aos usuários serviços ditos ‘diferenciados’ e mais caros”, diz o texto.
Sem critérios técnicos – Além desses equívocos apontados na decisão de primeiro grau, o MPF ainda menciona a ausência de justificativa da ANTT sobre critérios técnicos que justifiquem a adoção da frequência mínima irrisória para as empresas autorizatárias das linhas interestaduais no estado, medida que acarreta prejuízo não apenas aos beneficiários do passe livre mas a todos os usuários desse serviço público.
Sobre a justificativa da agência reguladora de que teria buscado “compatibilizar a necessidade de garantir certa regularidade na prestação do serviço”, considerando a flexibilidade das empresas de buscarem maior conforto aos usuários e maior benefício econômico, o MPF argumenta causar perplexidade que o conceito de “certa regularidade” para a ANTT seja, em regra, apenas uma viagem em serviço convencional (ou algumas pouquíssimas) num universo de dezenas de viagens realizadas com serviços diferenciados. O órgão ministerial pondera que o usuário estaria usufruindo de um ‘maior conforto’ forçado e mais caro, que realmente permite ‘um maior benefício econômico’ para as empresas agravadas, sendo dever da agência reguladora proteger os interesses dos usuários em dispor de mais opções de viagens com tarifas módicas.
Risco da demora – No recurso, o Ministério Público reforça que haveria, no caso, prejuízo diuturno a inúmeros cidadãos de baixa renda e beneficiários das políticas afirmativas em foco, prejuízo que não poderá ser objeto de reparação oportuna, por exemplo, pois não se sabe como se poderia ressarcir todos os lesados, caso haja decisão final favorável ao pedido do MPF nessa demanda. Assim, o órgão reitera o pedido de pronta intervenção do Poder Judiciário por meio de medida liminar, para impedir a violação do direito garantido pelas leis regulamentadas, visto que o direito dos usuários ao passe livre e a uma frequência mínima condizente com a realidade vem sendo extremamente restringido há bastante tempo por decretos e resoluções
Entenda o caso – A ação foi ajuizada contra a União, ANTT e as empresas Auto Viação Progresso S/A e VTR Transporte Rodoviário de Passageiros Ltda (Viação Total), pedindo a suspensão dos efeitos do artigo 1º do Decreto nº 3.691/2000, dos artigos 39 e 40 do Decreto nº 9.921/2019, do artigo 13 do Decreto nº 8.537/2015 e do artigo 33 da Resolução nº 4.770/2015 da ANTT, e a consequente ampliação da oferta de passe livre também para serviços diferenciados e das opções de viagens em serviços convencionais nas linhas interestaduais que partem da Paraíba.
O MPF expôs duas problemáticas na ação: a primeira é que as rés vêm aplicando decretos regulamentares que limitam a concessão de passe livre apenas ao serviço público convencional, na frequência mínima de viagens exigida das empresas agravadas (quando as leis de regência não contêm tal limitação), e dessa forma, os beneficiários têm seu direito restringido drasticamente. O segundo problema apresentado é que, além desse prejuízo para o público do passe livre, a própria fixação de frequência mínima ínfima de serviço convencional (em regra uma viagem semanal de ida e volta, com algumas a mais em trechos de maior movimento) viola parâmetros legais de regularidade do serviço e modicidade da tarifa, afetando todo o universo de usuários pagantes, levados a utilizar serviços diferenciados mais caros.
Para ilustrar a distorção detectada, o MPF aponta que, no caso da linha Recife-João Pessoa, a aplicação da fórmula definida no artigo 33 da Resolução 4.770/2015 (que regula a frequência mínima das viagens) resultava em apenas quatro viagens de serviços convencionais (concentradas na terça-feira), quando em todos os dias da semana são oferecidas 12 viagens diferenciadas, com exceção da terça-feira em que são ofertadas oito viagens (num total de 80 viagens semanais de serviço diferenciado). O mais estranho para o órgão é que ambas as empresas que operam em tal trecho ofertavam seus serviços convencionais na terça-feira, limitando as opções do usuário a um mesmo dia em que, possivelmente, haveria menor movimento na semana.
Assim, a ação apontou que a aplicação indevida das referidas normas regulamentadoras, além de restringir drasticamente o direito do público usuário do passe livre, também prejudica os usuários desse transporte em geral “obrigados a suportar tarifas mais caras em serviços diferenciados, quando poderiam e deveriam ter acesso ao serviço público convencional com maiores frequências”.
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Recurso referente à Ação Civil Pública nº. 0802559-55.2020.4.05.8200