Desde que saiu do governo, Gustavo Bebianno tem sido um crítico eloquente das escolhas políticas de Jair Bolsonaro e da radicalização do grupo mais próximo do presidente. Diante da escalada da crise que ameaça implodir o PSL, partido para o qual ajudou a conduzir a ida de Bolsonaro e seus aliados e que presidiu durante a campanha, Bebianno compara o Brasil a um avião desgovernado.
“Imagine que você comprou uma passagem de classe executiva e está no Boeing, no ar, quando o piloto começa a se estapear com o co-piloto, a aeromoça começa a passar mal, o piloto pega o sistema de som do avião para dizer que o dono da companhia aérea é um ladrão. Assim é o Brasil. Como o Paulo Guedes vai convencer alguém a investir no País assim?”, questiona em entrevista ao BRPolítico.
Bebianno recorda as conversas que levaram ao desembarque de Bolsonaro, família e apoiadores no PSL, que começaram no fim de 2017 e só se concretizaram em 2018, depois de muitas idas e vindas. Ele narra um longo caminho para convencer Luciano Bivar a desistir da filiação de um grupo ligado ao PSDB e ao movimento Livres, graças à atuação dele e do deputado Julian Lemos (PB). Lembra que alguns dos primeiros a aderir ao projeto, trocando de partido para ir atrás de Bolsonaro, foram os deputados Major Olímpio (SP) e Delegado Waldir (GO), com quem, agora, os Bolsonaro travam uma guerra fratricida. “Você pode não simpatizar com essas pessoas, mas não pode negar sua lealdade. Elas tinham o Jair como um líder. Mas Jair se elegeu e passou a tratar esse pessoal como inimigo”, diz.
Depois de coordenar a campanha, presidir o partido e comandar a articulação política no início do governo, ele diz que Bolsonaro “cometeu estelionato eleitoral”: “Se ele tivesse mostrado lá atrás a força que teriam esses malucos de internet, tantas pessoas não teriam votado nele. Se eu que estava perto não percebi isso, imagine os 57 milhões de eleitores”.
Bebianno diz que a expectativa é que Bolsonaro venceria o PT e faria um governo liberal, com abertura comercial sem viés ideológico, e tendo os generais como guias intelectuais, que dariam o norte. “Quem votou no Jair achava que ele teria uma postura sóbria, nobre. Que manteria a característica que demonstrava no trato pessoal, de combinar humildade e força. Achávamos que os generais teriam ascendência, seriam ouvidos. As pessoas me perguntam: ‘E o general Heleno?’. Ele não ouve o general Heleno, só ouve esses malucos, desse nucleozinho de internet”, diz o ex-aliado.
Para Bebianno, a facada funcionou como um catalisador da força dessa ala mais radicalizada, que, até então, tinha sua influência restrita às redes sociais. “A facada funcionou como uma chancela para todas as teorias da conspiração malucas desse pessoal. Só que para governar um País como o Brasil, tão plural, multicultural, com várias religiões, como ele acha que vai conseguir impor esse moralismo hipócrita? É com perplexidade que acompanho isso tudo”, declarou ao BRP.
Ele acusa o “nucleozinho medíocre”, que identifica nos filhos, no assessor Filipe Martins e no ideólogo Olavo de Carvalho de “defender rupturas institucionais” sob silêncio do presidente da República. “Não quero ser governador por Carlos Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro. Eles não me representam em nada. É nisso que falo quando falo em estelionato eleitoral”, diz o ex-coordenador da campanha do presidente.
Para ele, a situação se agrava porque o Congresso e o Supremo Tribunal Federal “não gozam de prestígio junto à população, e o núcleo duro do presidente aproveita isso para jogar balões de ensaio para ruptura institucional”. “Como é que fica? É preciso que a imprensa esteja vigilante e atenta e denuncie essa escalada”, afirmou.