A Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) debateu, na manhã desta sexta-feira (20), a importância da prevenção ao suicídio e os meios de conscientizar a população sobre o assunto, durante sessão especial em alusão ao Setembro Amarelo. O debate foi proposto pelo vereador Milanez Neto (PTB) e secretariado pelo vereador Marcos Henriques (PT).
Segundo Milanez Neto, ultimamente há uma inversão de valores que pode contribuir com o sentimento de esvaziamento da vida, como a substituição de afeto por dinheiro. Ele acredita que é preciso resgatar a humanização das pessoas, os laços que antigamente eram mantidos com conversas na calçada e veraneios em família.
“Esse tema é importante para nossas famílias e para o mundo. Eu também tive momentos difíceis, e desafio aqui quem nunca teve, seja pelo desemprego, pela luta diária, pelos relacionamentos, por diversos motivos. Todo mundo pode ter esse momento, até pelo medo de enfrentar a diversidade. Tudo passa, mas a única coisa que não volta é o tempo. O Setembro Amarelo é só uma simbologia, mas todo dia é dia de ajudarmos a salvar alguém”, declarou o propositor da sessão.
O vereador Marcos Henriques citou dados que apontam que 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os ano, e que essa é a segunda maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos. Ele ressaltou o papel do Poder Público na vida das pessoas, pois as políticas públicas implementadas estão diretamente relacionadas com a qualidade de vida da população. “Os problemas não são inerentes apenas ao indivíduo, mas também ao meio, que influencia muito. Tem muita gente precisando de ajuda, nós podemos salvar muitas vidas”, enfatizou.
O médico da família e comunidade, professor e coordenador do curso de Medicina da Unipê, e professor na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), André Sassi, destacou a importância do atenção primária à Saúde no atendimento de pessoas com pensamentos suicidas. “O momento de contato com o sistema, o primeiro ponto de contato, precisa garantir que as pessoas sejam bem atendidas e que suas vidas sejam salvas. É o único lugar que nunca deixa de acompanhar o paciente e que precisa de profissionais adequados, profissionais especialistas em pessoas, que vão conseguir acolher e garantir o salvamento dos pacientes que estão pensando ou que vão tentar suicídio”, explicou.
André Sassi destacou ainda os altos índices de suicídio entre a população médica, principalmente entre estudantes de medicina. Ele ressaltou o desenvolvimento de um programa de acompanhamento de alunos com os seguintes objetivos: reestruturar professores como modelos positivos, ampliar a socialização entre estudantes e promover o senso de engajamento, representatividade e relações empáticas, além de oferecer suporte à saúde mental dos estudantes.
Diagnóstico e acolhimento
O procurador da República do Ministério Público Federal (MPF), Guilherme Ferraz, fez uma reflexão sobre o que pode levar uma pessoa a cometer suicídio. “As pessoas buscam uma acolhida diante das suas expectativas, que às vezes não são atendidas como elas desejam. Mas, a sociedade impõe uma série de padrões que estimulam essas expectativas. Vamos ouvir sem julgamentos e acolher as pessoas. Será que não é o momento de refletirmos e sermos mais acolhedores?”, indagou o procurador.
A promotora de Justiça da Saúde do Ministério Público da Paraíba (MPPB), Jovana Tabosa, afirmou que o assunto não pode ser visto de forma simplista e que não deve haver preconceito. “É importante que essa temática tão difícil e extremamente complexa seja visível. O que você não entende, não precisa usar seus conceitos para definir. Não vamos usar o que há dentro de nós para explicar o que muitas vezes não tem explicação. Combatendo estigmas, vamos salvar vidas”, afirmou a promotora, ressaltando o Grupo de Trabalho de Prevenção ao Suicídio que resultou em uma Nota Técnica, documento de direcionamento e orientação para a rede de saúde na prevenção ao suicídio.
Para o presidente do Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB), Roberto Magliano, o suicídio é um tema pesado, considerado tabu, mas que só pode ser enfrentado com discussão sobre o tema. Ele ressaltou que 17% das pessoas no Brasil já pensaram, em algum momento, em tirar a própria vida, e destacou perguntas importantes no diagnóstico de pessoas com pensamentos suicidas. “Primeiro, se você perguntar se a pessoa tem planos para o futuro e ela disser que ‘não’. Se perguntar se a vida vale a pena e a resposta for ‘não’. E, por último, perguntar se a morte viesse, ela seria bem vinda e essa resposta for ‘sim’. Quantas pessoas a gente acha que diriam sim a essa pergunta?”, refletiu.
Roberto Magliano explicou que os principais fatores de risco para o suicídio são: tentativa de suicídio anterior e transtorno mental, como depressão ou transtorno bipolar; a idade, visto que o suicídio é muito presente nos jovens e idosos do gênero masculino; pessoas que têm conflitos de identidade sexual; pessoas com doenças clínicas incuráveis; pessoas que sofrem maus tratos na infância e/ou adolescência; mulheres jovens que engravidam; e histórico familiar e genético da pessoa.
O presidente do conselho destacou ainda que a taxa de suicídio no Brasil vem aumentando, “na contramão do mundo”, avaliou. “É essencial promover suporte e reabilitação para pessoas com comportamento suicida, e tratamento para pessoas com depressão e bipolaridade. A captação dessas pessoas começa nas Unidades da Saúde da Família. Não podemos deixar que a religião e outros tabus influenciem essas pessoas. É importante a diminuição da disponibilidade de meios suicidas, o reconhecimento do problema e que a mídia saiba como noticiar um suicídio, sem romantizar e sem detalhar”, explicou.
A secretária adjunta municipal de Saúde, Ana Giovana Medeiros, reforçou a necessidade do esforço de cada um na tentativa de tratar bem as pessoas. “Quando a gente fala em suicídio, não devemos julgar. Devemos pensar o que podemos fazer para essa pessoa não cometer esse ato. Quem mata, não mata só com arma, mata também com palavras, denegrindo a imagem das pessoas. É de fundamental importância o apoio de todos”, ressaltou.
Com a entrega de unidades habitacionais, a secretária municipal de habitação, Socorro Gadelha, afirmou que tem presenciado a felicidade de muita gente. Mas, segundo a secretária, a felicidade não tem origem apenas com um lugar para morar. “Temos um programa pós-ocupacional no qual levamos serviços, treinamentos para que as pessoas sejam colocadas no mercado de trabalho e consigam empregos. Assim, conseguimos minimizar o sentimento de algumas pessoas de sair desse mundo”, afirmou a secretária, confessando que também existem aspectos dentro de casa que podem causar essa vulnerabilidade.
Valorização da vida
O Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio desde 1962, atendendo de forma voluntária todas as pessoas que querem conversar. Hoje, o atendimento é 24h e, em sua maioria, realizado pelo telefone, por meio do número 188. O coordenador do CVV na Capital, Natanael Muniz, convidou para fazer parte do corpo de voluntários do Centro. “Se você tem um coração e quer se doar um pouco à humanidade, o CVV terá a honra de recebê-lo. A sociedade precisa de trabalho voluntário para ajudar toda a rede”, destacou.
O representante da Aliança Nacional LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Pessoas trans e Intersex), Hugo Andrade, ressaltou que a população LGBTI é a que mais sofre, com altos índices de suicídio ainda na fase da adolescência. “As crianças começam a sofrer bullying dentro de casa, depois na escola e no ciclo de amizades. Às vezes a religião da família é contra e os choques psicológicos vão chegando. A indignação com a vida é a morte, o suicídio. Precisamos de mais apoio do poder público, ampliação da rede de atendimento psiquiátrico. Este é um alerta que gostaríamos de dar enquanto entidade que cuida dessa população. Precisamos amar o nosso próximo, acolher”, afirmou Hugo Andrade.