Uma ação judicial do Ministério Público Federal (MPF) está cobrando que a União garanta atendimento imediato a todos os pacientes que aguardam tratamento contra o câncer no Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa. No processo, que tem um pedido de liminar, o MPF também requereu o bloqueio de R$ 21.431.117,69, na conta única da União, que deve ser abatido na dotação orçamentária destinada às despesas com publicidade do Governo Federal. Esse montante equivale ao incremento no teto financeiro dos procedimentos de oncologia aprovado pela Comissão Intergestores Bipartite do Sistema Único de Saúde.
Divulgado na quarta-feira (18), o pedido de tutela provisória de urgência e foi feito na sexta-feira (13) e aguarda decisão da Justiça Federal.No processo, o MPF também defende que caso a Justiça entenda que o Estado da Paraíba e o Município de João Pessoa também devem assumir o custo, os pedidos também devem ser aplicados aos dois entes.
O MPF pede que o Poder Público cumpra o prazo máximo legal de 60 dias para garantir o atendimento, desde o diagnóstico, e a retomada de tratamentos, eventualmente interrompidos, de todos os pacientes do Hospital Napoleão Laureano que aguardam atualmente tais providências e de outros pacientes que venham a surgir. O prazo de 60 dias para início do tratamento oncológico é determinado pela Lei 12.732/2912 e decorre da urgência em proporcionar meios terapêuticos, inclusive para alívio da dor, aos pacientes com câncer o mais rápido possível.
O órgão também pede que a Justiça Federal determine à União que eleve imediatamente o teto financeiro da média e alta complexidade em oncologia para o Estado da Paraíba, conforme pedido já aprovado pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB) – a instância responsável por esses requerimentos perante o Ministério da Saúde (MS) – e encaminhado ao MS, informa publicação do Jornal da Paraíba.
Dados fornecidos pelo hospital e corroborados pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) na Paraíba, atestam que, em razão da limitação do teto financeiro imposto pelo Ministério da Saúde, como parte do teto da Média e Alta Complexidade (MAC) do estado, pacientes com diagnóstico oncológico são impossibilitados de iniciarem os respectivos tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Segundo o CRM, o SUS, através da regulação da Secretaria Municipal de Saúde, rejeita as APAC’s (Autorização para Procedimentos de Alta Complexidade) encaminhadas que superem tal teto financeiro.
O Município de João Pessoa alega que, diante dessa insuficiência, já foi solicitada a elevação do teto ao Ministério da Saúde, desde abril de 2019, sem qualquer resposta desde então. Acrescenta que já vem complementado esses recursos federais, em R$ 200 mil mensais.
Auditoria no HNL
Outro pedido urgente é que a União faça auditoria no Hospital Napoleão Laureano para averiguar a existência de eventual déficit decorrente de repasses insuficientes do financiamento cabível, no âmbito do SUS, ou outras causas para a situação de interrupção de serviços no hospital.
A realização de uma auditoria nos serviços de oncologia da Paraíba já havia sido deliberada em dezembro de 2018, durante reunião com a presença de representantes do Ministério da Saúde e do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus). Foi estabelecido um prazo de 90 dias para a realização da auditoria, mas ela não aconteceu.
Ampliação da rede local de oncologia
O Ministério Público ainda pede que a União realize estudo conclusivo para fundamentar eventual ampliação da rede local de atendimento em oncologia, com análise da possibilidade de inclusão do Hospital Universitário Lauro Wanderley e de outros serviços na referida rede, bem como de ampliação dos serviços ofertados pelo Hospital do Bem, em Patos, no Sertão da Paraíba.
Ocorre que o HNL, instituição privada, é a principal referência em tratamento de câncer no Estado da Paraíba, prestando assistência ambulatorial e hospitalar em média e alta complexidade, clínica, pediátrica e cirúrgica, em demanda espontânea e referenciada a pacientes de todo o Estado. Entre 90 e 92% dos atendimentos do Laureano são vinculados ao SUS, com 122 leitos cadastrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Para o Ministério Público, ainda que se admita a possibilidade de celebração de convênios com instituições privadas no âmbito sanitário, “é certo que tal instrumento não pode ser utilizado para terceirizar a execução de toda uma linha de cuidado em saúde, de tal modo que o particular assuma praticamente um monopólio da prestação de determinado serviço, como se vislumbra no caso em tela, tendo em vista que, no Estado da Paraíba, em média, 72,2% dos casos de câncer são tratados pelo HNL”, argumenta o MPF no pedido judicial.
SUS deve cobrir medicamentos
Outro pedido urgente do MPF é que a União deflagre o processo de avaliação da viabilidade de incorporação aos protocolos do SUS de todos os medicamentos oncológicos, atualmente fornecidos pelo Estado da Paraíba em atendimento a demandas judiciais. Nesse caso, conforme apurado, a Paraíba “estaria suportando o financiamento de medicamentos ‘extra-SUS’ para oncologia em montante próximo ao total dos recursos destinados pela União a essa linha de cuidado do SUS”, justifica o Ministério Público no pedido de urgência.
O MPF ainda argumenta que, se existe um volume tão elevado de aquisições desses medicamentos pelos cofres estaduais, deve ser avaliada a viabilidade de o SUS adquirir tais medicamentos com financiamento federal, como ocorre com os demais medicamentos oncológicos disponibilizados no sistema. O que não pode acontecer “é a completa omissão da União diante dessa realidade, como se não estivesse ocorrendo, somente porque poderia ensejar maiores custos aos cofres federais”, conclui.
Em último caso
Caso a Justiça Federal indefira a tutela requerida, o Ministério Público ainda apela para uma solução paliativa extrema em favor dos pacientes e requer, como última possibilidade, que seja permitido aos próprios enfermos custearem os medicamentos, através do Hospital Napoleão Laureano. Dessa forma, seria possível aos pacientes adquirir medicamentos e insumos que são vendidos apenas para hospitais, ficando o Laureano obrigado a prestar contas das aquisições perante a Justiça.
De acordo com a direção do hospital, diversos pacientes desesperados têm se proposto a complementar a cobertura dos custos do próprio tratamento, com suas próprias economias ou com auxílio de terceiros, no entanto, a instituição se depara com proibição nas normas do SUS de qualquer cobrança por serviços prestados aos usuários do sistema. O hospital questiona “como então explicar para esses pacientes que o Estado Brasileiro não custeia suficientemente os medicamentos de que precisam, e nem permite que complementem valores com recursos próprios, para que possam sobreviver?”
Para o Ministério Público, essa hipótese equivaleria à decretação da “falência” do SUS na área de oncologia no Estado e a instituição de um regime de “salve-se quem puder” entre os pacientes. Por isso, tal pedido é meramente subsidiário, como última alternativa para minorar o quadro de desespero dos pacientes.
Prazo
O MPF pede que todas as obrigações determinadas judicialmente sejam atendidas no prazo máximo de dez dias, com apresentação dos respectivos relatórios de cumprimento à Justiça Federal.
Para o procurador da República José Guilherme Ferraz da Costa, “embora ainda não se tenha total clareza sobre as causas dessa gravíssima situação de suspensão de atendimentos pelo Hospital Napoleão Laureano, os pacientes não podem esperar eternamente que a União decida um dia cumprir o seu dever de monitoramento e garantia da eficácia e eficiência do funcionamento da rede oncológica, mediante aplicação dos recursos federais.”
Colapso
O Hospital Napoleão Laureano alega não dispor de recursos em caixa sequer para adquirir os medicamentos necessários. A situação financeira do hospital é agravada pelo colapso na fila de atendimento dos tratamentos que oferece, especialmente quimioterapia e radioterapia. Uma das provas da crise é o Relatório nº 79 do Conselho Regional de Medicina (CRM), no qual o conselho registrou que “há notória insuficiência de prestação de serviços de saúde em oncologia por falta de insumos, quimioterápicos, medicamentos em geral, equipamentos danificados, bem como pela elevada demanda de pacientes” que buscam tratamento no hospital. Entre os pacientes com câncer afetados pela crise do Laureano, encontram-se crianças, adolescentes e idosos.
Nos autos do Inquérito Civil nº 1.24.000.000385/2015-11, em que o MPF apura o caso, constam listas de espera de pacientes que deixaram de ser atendidos por causa da insuficiência de recursos destinados ao hospital: são 345 pacientes à espera de tratamento quimioterápico; 268 pacientes à espera de tratamento radioterápico; 180 pacientes à espera de consulta há mais de 60 dias, além de centenas de enfermos que tiveram os seus tratamentos iniciados e interrompidos devido à crise financeira do hospital.