Uma das principais medidas tomadas pelo governo do presidente da República, Michel Temer, foi a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), o mais profundo conjunto de alterações já realizado nos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Promulgada em julho de 2017, a reforma foi programada para entrar em vigor 120 dias depois.
No dia 11 de novembro a reforma completará um ano de produção de efeitos. Esse período foi atribulado: a aplicação jurídica de muitas das novas regras não foi imediatamente pacificada, os resultados da legislação na geração de emprego são imprecisos e a regulamentação de diversos trechos não foi completada, informa reportagem da Agência Senado.
Veja as principais medidas da reforma trabalhista.
Caminho
Apresentada pelo Executivo em dezembro de 2016, a reforma foi aprovada rapidamente pelo Congresso: foram quatro meses na Câmara dos Deputados e menos de três no Senado. Na Câmara o texto recebeu 850 emendas, das quais mais de 400 foram incorporadas pelo relator, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN).
Uma das críticas da oposição foi que o projeto não passou pelas comissões temáticas: em vez disso, foi analisado apenas por uma comissão especial. O motivo para isso foi que a Mesa da Câmara entendeu que a reforma dizia respeito às competências de quatro comissões. Em casos assim, o Regimento Interno permite ao presidente constituir uma comissão especial.
No Senado foi diferente. A reforma foi direcionada, a princípio, para as comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS), e a oposição conseguiu incluir no trajeto a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). No total, foram três pareceres: dois favoráveis, dos senadores Ricardo Ferraço (PSDB-ES) na CAE e Romero Jucá (MDB-RR) na CCJ, e um contrário do senador Paulo Paim (PT-RS) na CAS.
A reforma recebeu dos senadores ainda mais sugestões de emendas: 864. No entanto, nenhuma modificação foi feita. A base do governo articulou uma aprovação intocada para que o texto não precisasse retornar para uma nova análise dos deputados. Diante dos protestos da oposição, o governo se comprometeu a vetar os pontos mais polêmicos antes da sanção.
Veja as sugestões de veto do relator, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).
Entre os dispositivos mais contestados do projeto de lei estavam: a prevalência de negociações coletivas sobre a legislação trabalhista; a possibilidade de gestantes trabalharem em locais insalubres; o trabalho intermitente (no qual a prestação de serviços não é contínua, mas alterna períodos de inatividade); e a jornada 12/36 (na qual o empregado pode trabalhar por 12 horas seguidas, desde que tenha 36h de descanso logo depois).
Recuo
Depois da aprovação, porém, o presidente Michel Temer voltou atrás: em vez de vetar os trechos que causavam discórdia, o chefe do Executivo preferiu editou uma medida provisória com outras regulamentações (MP 808/2017). Essa iniciativa veio no dia 14 de novembro, três dias depois do início da vigência da nova legislação.
Veja pontos da medida provisória que alterava a reforma trabalhista.
A MP, entretanto, nunca andou. A comissão mista destacada para analisa-la fez apenas uma reunião, para eleger o seu presidente — o senador Gladson Cameli (PP-AC), que acabaria renunciando à função. Um segundo encontro foi agendado, para decidir sobre audiências públicas, mas não se realizou. Nenhum plano de trabalho foi decidido. A comissão recebeu 967 emendas sobre o texto original da MP, mas não escolheu um relator. A proposta jamais foi debatida ou votada.
No dia 24 de abril de 2018 a medida provisória foi derrubada por encerramento do seu prazo de validade. Os trechos polêmicos anteriormente questionados continuaram na legislação. Temer flertou com a edição de um decreto regulamentando esses dispositivos, e também com o envio de um novo projeto de lei para o Congresso. Porém, nada foi feito.
Nova CLT
Dada a inação do governo, o Senado se mobilizou. Em agosto de 2017 foi instalada, dentro da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), uma subcomissão temporária destinada à análise do chamado “Estatuto do Trabalho”. A ideia é que o texto se torne uma “nova CLT”, se sobrepondo tanto à reforma quanto à legislação trabalhista anterior.
O “Estatuto” foi apresentado em meio, assinado por quatro entidades: Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho (ALJT). Além disso, segundo os signatários, ele foi discutido com entidades sindicais de trabalhadores e de patrões, autoridades e especialistas diversos.
A proposta do “Estatuto do Trabalho” foi apresentada como sugestão legislativa (Sugestão nº 12/2018), tendo como relator o senador Paulo Paim (PT-RS). A CDH deverá decidir se acolhe a sugestão, para que ela se transforme oficialmente em um projeto de lei e passe a tramitar.
A subcomissão já realizou 23 audiências públicas desde a sua instalação. A mais recente, no último dia 6, foi destinada a fazer um balanço do primeiro ano da reforma. Não há prazo definido para a apresentação de um relatório sobre a sugestão.
Tribunais
Assim que entrou em vigor, a reforma suscitou dúvidas sobre o impacto das novas regras sobre processos trabalhistas. Empregados, patrões, advogados e juízes não se entendiam em relação ao marco inicial de aplicabilidade das normas: se elas já incidiriam sobre processos e contratos em andamento ou se apenas aqueles abertos depois poderiam ser julgados conforme o novo código.
A indefinição foi agravada pela situação da MP 808/2017. As suas regras produziram efeitos enquanto ela estava dentro do seu prazo, mas, após o vencimento, o Congresso Nacional precisava editar um decreto legislativo para pacificar as relações jurídicas decorrentes do período de vigência. Isso não aconteceu. Desse modo, houve três períodos de regras diferentes em vigor: o período pré-reforma, o período em que a reforma era modificada pela MP, e o período em que a reforma vigorou sozinha.
Uma solução demoraria meses para surgir. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) criou em fevereiro de 2018 um grupo de trabalho com nove ministros para estudar a questão. Em junho, os magistrados finalizaram uma resolução que seria aprovada pelo Pleno da corte como a Instrução Normativa 41/2018.
De acordo com a decisão, a aplicação das regras da reforma seria imediata, mas, em sua maioria, não afetaria situações iniciadas ou consolidadas antes do dia 11 de novembro de 2017. A instrução, porém, não valeria para questões de direito material (como férias, trabalho intermitente e teletrabalho, por exemplo), que devem ser analisadas caso a caso.
Instruções normativas do TST, no entanto, não têm natureza vinculante. Isso significa que as instâncias inferiores (juízes e tribunais regionais) não são obrigadas a seguir essa determinação.