Na ânsia de entregar patrimônio e serviços públicos estratégicos à iniciativa privada ainda no pouco tempo que lhe resta, o governo Temer pressiona Paraíba e estados vizinhos a pagarem valores impagáveis pelo uso de água da Transposição do Rio São Francisco.
“Nem estados mais ricos como Pernambuco e Ceará teriam como pagar por essa água nos patamares propostos pelo governo federal”, estima Francisco Jácome Sarmento, Professor Doutor da UFPB em Engenharia Civil e um dos maiores especialistas em recursos hídricos do Brasil. Nesse contexto, à Paraíba caberia arcar com uma ‘taxa’ anual da ordem de R$ 90 milhões, informa reportagem do Blog do Rubão.
Com autoridade de quem coordenou equipe encarregada de formatar e implementar o Projeto de Integração do São Francisco (PISF) no governo Lula (2003-2010), Sarmento teme que o ‘aluguel’ que agora se tenta impor inviabilize também obras de vulto – complementares à Transposição – no Nordeste Setentrional (Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte).
Sem a água do Velho Chico, ficará bastante comprometido (para não dizer inútil), por exemplo, o Canal das Vertentes Litorâneas (Acauã-Araçagi), que depende do Eixo Leste da Transposição para levar segurança hídrica a 48 municípios do agreste paraibano. A obra, em construção há mais de sete anos, deve custar meio bilhão de reais em recursos federais garantidos ao Estado desde o governo Cássio Cunha Lima (2003-2009).
“O modelo de pagamento pela água, modelo esse voltado para atrair a iniciativa privada para assumir a obra através de concessões, semelhante àquelas das rodovias federais, é tão leonino que a Paraíba não consegue pagar por ela, o que implica inviabilizar também o canal Araçagi”, alerta Sarmento, acrescentando:
Para você ter uma ideia, além do preço da água em si ser alto, o modelo Temer oferece tantas garantias contra a eventual inadimplência dos estados usuários que até o FPE (Fundo de Participação dos Estados) pode ser sequestrado para pagar a conta.
Sem plano de uso da água, nada feito
Segundo informações reunidas pelo blog, na última reunião do Conselho Gestor do PISF em Brasília, na semana anterior à eleição em primeiro turno, o representante da Paraíba, Deusdete Queiroga (secretário estadual de Recursos Hídricos), não se comprometeu com o pagamento de água da Transposição nos termos apresentados pelo Ministério da Integração.
Instado a avaliar o posicionamento do representante estadual naquele encontro em Brasília, Sarmento considerou sensata a atitude do secretário, pois a negociação em torno de preço da água da Transposição somente deverá ser fechada pelos futuros gestores e técnicos da área. Até lá, recomenda que a Paraíba cuide de elaborar com urgência urgentíssima o que deveria estar pronto há muito tempo: um plano estratégico para o uso das águas dos eixos Norte e Leste da Transposição na Paraíba e, também, do Canal Acauã-Araçagi.
“Veja bem, admitindo-se que com o novo governo federal chegue-se a um acordo de pagamento pela água do PISF mais palatável para os estados, mesmo assim, sem um plano de uso das águas e, mais importante ainda, sem sua implementação (que deve possibilitar o desenvolvimento latente do potencial ainda não realizado em decorrência da histórica insegurança hídrica), não se viabiliza economicamente a importação da água do São Francisco. Consequentemente, caem na obsolescência obras como o canal Araçagi e outros em implantação em Pernambuco (Ramal do Agreste) e Ceará (o CAC – Cinturão das Águas Cearenses)”, arrematou Sarmento.