O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação contra a Microsoft para impedir que o Windows 10 continue coletando dados pessoais sem o expresso consentimento dos usuários. Atualmente, a opção padrão de instalação e atualização do sistema operacional permite que a empresa obtenha diversas informações sobre os consumidores, como geolocalização, conteúdo de e-mails, hábitos de navegação e histórico de buscas realizadas na internet.
O procedimento viola inúmeros princípios constitucionais, como a proteção da intimidade, além de direitos relativos às relações de consumo. O MPF pede que a coleta de dados deixe de ser feita de forma automática pelo software, e que sejam incluídos alertas aos usuários sobre as consequências de autorizarem a transferência de informações. A ação civil pública, ajuizada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, requer ainda que a Microsoft pague multa de pelo menos R$ 10 milhões pelos danos morais já causados, destaca publicação do MPF.
O fornecimento de detalhes sobre os internautas durante o uso do Windows 10 está previsto, sem alarde, no Termo de Licença do produto e na Política de Privacidade, dois documentos extensos normalmente não acessados pelos consumidores. Neste ponto, a Microsoft desrespeita o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), segundo o qual a coleta de informações pessoais depende de consentimento expresso do usuário, devendo ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais. O procedimento também fere o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que exige dos produtos e serviços a comunicação adequada e clara sobre os riscos que apresentem.
“Não basta que haja informação. Ela deve ser destacada, precisa, de fácil compreensão e revogável a qualquer tempo. O simples aceite, quase que automático, pelo consumidor da versão recomendada pela Microsoft no Windows 10 não pode ser tido como suficiente para o entendimento de todas as suas consequências”, destaca a ação do MPF. Além disso, estudos de laboratórios especializados e registros de reclamações de usuários mostram que ainda falta transparência sobre quais dados são coletados e como são utilizados. Segundo a própria empresa, os conteúdos pessoais transferidos constantemente pelo sistema operacional ficam sob seu controle e podem ser divulgados em casos de transações comerciais (fusão ou venda de ativos) ou para atender ordens judiciais.
Coleta obrigatória – Autorizar o envio de informações é a opção padrão e mais simples de ser efetivada por quem deseja instalar o Windows 10. Sua desativação, por outro lado, é tarefa complexa e trabalhosa, pois exige que o usuário personalize as configurações de cada serviço oferecido pelo software. Além disso, a última atualização do sistema operacional tornou obrigatória a chamada “telemetria básica” nas versões domésticas, ou seja, mesmo que o consumidor desabilite a opção de fornecimento de dados, a Microsoft continuará coletando informações que considera essenciais para o desempenho do serviço, independentemente da vontade do usuário.
“Para além da busca de alegada manutenção da segurança do sistema, tal postura é indicadora de um objetivo mais amplo e relevante para os interesses comerciais da empresa, qual seja, potencializar ganhos e lucros com essa coleta invasiva de dados de seus consumidores”, destaca o procurador Pedro Antônio de Oliveira Machado, autor da ação. Um exemplo deste uso é o identificador de anúncios (Advertising ID), serviço que os desenvolvedores de aplicativos podem conectar com as informações que o Windows 10 recebe diretamente do usuário.
Dados sigilosos – O procurador alerta ainda que inúmeros órgãos públicos da União utilizam o sistema operacional da Microsoft, entre eles a Justiça Eleitoral, Justiça Federal, diversos ministérios e o próprio MPF. Segundo a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação da instituição, é necessária uma análise constante por técnicos e analistas capacitados para evitar que atualizações do Windows 10 modifiquem as configurações e passem a permitir o envio de dados não controlados pelo MPF, o que colocaria em risco inclusive informações sigilosas e sensíveis, envolvendo investigações por todo o Brasil.
Ante a gravidade da situação, a Procuradoria requer que a empresa promova, em até 15 dias, a adequação do software, para que, como regra, não mais esteja programado para coletar informações pessoais de seus usuários. A obtenção de qualquer dado se dará somente com expresso e prévio consentimento dos consumidores, que deverão ser alertados, no momento da opção, sobre as consequências de tal autorização. A ação pede ainda que seja lançada imediata atualização dos sistemas operacionais Windows 10 em uso, para que todos os usuários atuais possam usufruir das mudanças demandadas. O MPF solicita que a Microsoft pague multa diária de pelo menos R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão judicial.
Além da empresa, a União também responde à ação devido à sua omissão na defesa dos consumidores. Os órgãos federais responsáveis pela proteção destes direitos deverão fiscalizar a implementação das adequações requeridas à Microsoft, aplicando as sanções administrativas cabíveis se necessário. A União deverá apresentar ainda, no prazo de 30 dias, um plano emergencial de proteção de dados para todos os seus computadores que porventura utilizem o Windows 10.