Uma pesquisa realizada em 2016, por estudiosos da Paraíba, Rio Janeiro e São Paulo, analisou a água consumida por Campina Grande e outras cidades abastecidas pelo Açude Epitácio Pessoa, conhecido como Boqueirão. Recentemente publicado, o estudo aponta para o fato de micro-organismos e toxinas ali existentes serem capazes de causar malformações, distúrbios no fígado, no sistema nervoso, e até a morte. No entanto, a Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) rebate que a água coletada na época não era tratada, e que as características da água hoje, após a chegada das águas do São Francisco, são totalmente diferentes das apresentadas no ano de maior estiagem, informa reportagem do Correio da Paraíba.
A preocupação é que muitas pessoas que moram nas proximidades do açude e até em cidades onde caminhões-pipa vendem a água em seu estado bruto, se utilizam dela também para o consumo, e não só para o “gasto”, como diz o aposentado Adalto Bernardo da Silva, 61 anos, morador de Pedro Velho, zona rural de Aroeiras, no Cariri paraibano. “Como aqui não tem água, não para de chegar carro-pipa vendendo, e todo mundo compra, sem saber nem de onde é, porque não tem outro jeito”, disse Adalto, concluindo que teme por sua saúde e de sua família, já que não sabe a procedência da água que consome.
O estudo realizado pelo Instituto Butantan, em conjunto com o Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto (Ipesq) de Campina Grande, o Instituto Alberto Luiz de Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e Universidade Estadual do Norte Fluminense (a Uenf), demonstrou que águas utilizadas para o abastecimento da população no município de Campina Grande, na Paraíba, estavam impróprias para o consumo humano, uma vez que peixes da espécie Zebrafish (conhecido como “peixe paulistinha” ou “peixe-zebra”) apresentaram doenças e até morreram em contato com a água.
“Encontramos uma concentração alarmante de cianobactérias e das toxinas que elas produzem. Isso torna a água imprestável para consumo. Testamos a água em embriões de peixes e 60% deles morreram. Houve uma incidência de 60% de malformações. Deformações no coração, na coluna, na pigmentação, na boca”, disse o coordenador do estudo, Fabiano Thompson, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O gerente regional da Cagepa, Ronaldo Meneses, lembrou que a água que é distribuída à população passa por diversas etapas de tratamento. “Antes tínhamos somente o tratamento convencional completo, mas devido à presença de cianobactérias, a partir de 6 de novembro de 2016, o tratamento foi complementado através da oxidação avançada, com a utilização do peróxido de hidrogênio. Posso garantir que a qualidade dessa água é monitorada semanalmente e atende aos procedimentos de controle e vigilância da qualidade para consumo humano e de seus padrões de potabilidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde”, explicou Ronaldo.
Relação com microcefalia
Durante a pesquisa, a médica Adriana Melo, uma das maiores especialistas em zika no mundo e pioneira no estudo da doença relacionada à ocorrência de microcefalia em bebês paraibanos, suspeitava de uma associação da doença com a água de péssima qualidade da região, embora o estudo não tenha confirmado esta relação. “Não podemos dizer ainda que há uma relação. Os dados são preliminares para isso. Mas podemos dizer que a água testada não tinha qualidade para consumo”, afirmou Adriana, que também é uma das autoras do estudo.
A equipe de reportagem tentou contato com a Secretaria de Saúde do Estado para saber se havia alguma orientação para garantir menor risco ao paraibano que consome a água de Boqueirão, mas as ligações não foram atendidas.