Em ação julgada, nesta terça-feira (20/02), o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou um habeas corpus coletivo a todas as mulheres grávidas, mães de crianças de até 12 anos e de filhos com deficiência, que se encontravam presas provisoriamente, sem condenação. Na véspera, dia 19, o órgão divulgou que, em outra ação, duas travestis presas seriam transferidas para um presídio feminino. Ambas decisões mobilizaram diversos atores nas redes sociais e, como verificado em análise pela FGV DAPP, mobilizaram, principalmente, um debate crítico e favorável a medidas de caráter repressivo, num momento em que o debate sobre segurança pública mantém-se aquecido nas redes sociais em decorrência da intervenção federal no Rio de Janeiro.
Das 10h de terça-feira (20/02) às 10h de quinta-feira (22/02), foram identificadas cerca de 15,9 mil postagens sobre o habeas corpus coletivo no Twitter. A análise observou um pico de menções entre as 20h e as 22h do dia 20, quatro horas após a decisão ter sido anunciada pelo perfil oficial do STF no Twitter, alcançando 222 tuítes por hora (ou quase 4 tuítes por hora). O debate gerou um segundo pico de menções na manhã seguinte, alcançando, entre as 7h e 9h do dia 21, 120 tuítes por hora (ou dois tuítes por minuto).
O debate se concentrou, principalmente, na parte da decisão que autoriza prisão domiciliar a detentas grávidas. As cinco palavras mais mobilizadas foram “STF”, aparecendo em 9 mil menções (ou 57% do debate); “prisão”, em 5,9 mil menções (ou 37%); “grávidas”, em 5,2 mil menções (ou 33%); “presas”, em 5 mil menções (ou 32%); e “domiciliar”, em 4,9 mil menções (ou 31%). O emoji mais usado no debate, aparecendo em 854 menções (ou 6% do debate) é o rosto vermelho de raiva. Já a hashtag mais usada é #stfjulgaprisaomaes, que ocorre em 477 menções (ou 3% do debate).
A postagem do STF que anuncia oficialmente a decisão é o segundo tuíte sobre o assunto mais compartilhado nesse período, com 757 retuítes. Ele fica atrás somente de um tuíte que critica a decisão, publicado pela jornalista Joice Hasselmann e compartilhado por mais de 1,1 mil perfis. Esses dois tuítes estão, também, entre as postagens mais comentadas de todo o debate.
De um modo geral, os tuítes com maior repercussão ‒ ou seja, mais compartilhados e comentados durante esse período ‒ são críticos ou, ainda, ironizam a resolução do STF, sugerindo, em alguns casos, que poderia incentivar detentas a engravidar para obterem “imunidade judiciária” ou um “salvo-conduto para a criminalidade”.
As menções que se posicionam contrariamente à decisão do Supremo alegam que haverá um aumento do número de mulheres que cometem crimes, havendo uma “preferência” por parte de algumas facções na cooptação de mulheres para o crime. Neste contexto, destacam-se comentários sobre a atuação das redes de tráfico de drogas, como um desafio da segurança pública. Essas postagens não consideram nos seus argumentos, porém, as condicionantes legais para a concessão desse habeas corpus.
Deve-se apontar que desde a publicação do Marco Legal da Primeira Infância, em 2016, as mães de crianças de até 12 anos e mulheres grávidas têm garantido o direito de cumprir prisão domiciliar quando são presas ainda sem condenação. A partir dessa premissa, a associação de advogados CADHu promoveu essa ação coletiva para concessão de habeas corpus a mulheres nestas condições.
Nesse sentido, no campo oposto, perfis institucionais, além de usuários, mesmo que em menor número, manifestaram apoio à decisão. Postagem da ONU Mulheres Brasil, feita 30 minutos após a divulgação da decisão do STF através do seu perfil oficial no Twitter, repercutiu em 21 postagens no período analisado.
As postagens que indicam a concordância com a decisão do STF ressaltam, com frequência, a percepção de impunidade da Justiça brasileira, tendo como exemplo a falta de condenação de políticos em casos de corrupção.
Travestis em prisão feminina
Além das mobilizações pró e contra a decisão do STF sobre o cumprimento de pena em prisão domiciliar de mulheres mães ou grávidas, houve também grande manifestação sobre a questão da transferência de travestis para prisões femininas. Nas alegações do processo, o ministro Luís Roberto Barroso cita resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre prisão de pessoas LGBT e outra da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo para embasar sua decisão.
O tema mobilizou, no mesmo período de análise, 3,8 mil postagens. O pico de menções desse debate coincide com o pico de menções relativas ao outro assunto (do habeas corpus coletivo concedido à casos específicos para mulheres), registrando, às 20h de terça-feira (20), 46 tuítes por hora.
Assim como no caso da primeira resolução, a maior parte das opiniões nesse debate é contrária à decisão do STF, fazendo emergir o debate sobre questões de gênero. Muitas postagens, a propósito, associam as duas resoluções da instituição, com a alegação de que elas denotam um enfraquecimento dos sistemas judiciário e penitenciário brasileiros.
Contextualização do debate
Importante considerar que o debate nas redes sociais sobre as recentes decisões do STF ocorrem no momento em que o tema da segurança pública domina a discussão de menções no Twitter, após a iniciativa de intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. Segundo informações do Monitor de Temas da FGV DAPP, a temática da segurança pública, vem se sobrepondo aos demais temas de forma significativa desde o anúncio oficial da medida de intervenção federal no dia 16/02.
Neste sentido, o sentimento crítico dos internautas em perceber estas decisões do STF, defendendo medidas punitivas de caráter mais repressivo, seja um reflexo da ausência de aprofundamento do debate público de outros temas ligados à segurança. Tal fato, evidencia a transversalidade desta temática, indicando a necessidade de ampliação da discussão de várias questões, como por exemplo, a presença de presos esperando condenações contribuindo para superlotação dos presídios, a precariedade das condições do sistema prisional e, no caso das mulheres, os efeitos deste aprisionamento para os seus filhos.