O garimpo ilegal avança sobre a Amazônia e leva destruição à floresta, invadindo unidades de conservação e terras indígenas. Em 17 de janeiro, o Movimento Ipereg Ayu, dos indígenas Munduruku, denunciou em carta endereçada às autoridadesambientais, Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (Funai) que a aldeia PV, no Pará, havia sido extinta. Depois de anos de presença ilegal de garimpeiros na região, desmatamento, destruição das roças de subsistência, aliciação, doenças, prostituição, consumo exagerado de bebidas alcóolicas e tráfico de drogas foram a combinação infalível para o extermínio da aldeia, que estava localizada em um dos limites da Terra Indígena (TI) Munduruku, em Jacareacanga, e fora criada justamente como um posto de vigilância – daí seu nome – contra invasões.
O processo teve como fermento a sistemática omissão das autoridades, às quais os Munduruku vêm fazendo denúncias há tempos. Cansados de esperar, os indígenas decidiram partir para a ação e tentar salvar, eles mesmos, o Rio da Tropa – hoje com seus 225,8 km de água enlameada contaminada e sem peixes – e a Floresta Nacional do Crepori, onde existem cerca de outras 130 aldeias de seu povo.
Após a divulgação da carta, o MPF ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal, cobrando atuação dos órgãos ambientais na região. Mas, com recursos cada vez menores e pouca prioridade política, é improvável que o panorama seja revertido – de 2016 para 2017, o Ministério do Meio Ambiente perdeu 43% do seu orçamento – ou R$ 335,5 milhões.Hoje, para assegurar os direitos indígenas e supervisionar os 2,4 milhões de hectares da TI Munduruku, por exemplo, há apenas um funcionário da Funai. Igualmente enfraquecidos, o Ibama, em vez de combater, tem tido veículos e instalações atacadas por garimpeiros.
Além da devastação que salta aos olhos, outro efeito colateral do garimpo quase invisível é considerado um dos principais problemas ambientais da Amazônia: o mercúrio, usado para separar o ouro de outros materiais. Em uma pesquisa recente em 19 aldeias ianomâmis de Roraima, a Fiocruz detectou que a contaminação pelo mental chega a atingir até a 92% dos habitantes de alguns locais. Junto com outros 139 países, o Brasil assinou uma convenção da ONU em 2013, se comprometendo a restringir o uso da substância por aqui. Mas não se espera que a indústria do garimpo ilegal vá respeitar restrições. Prova disso são os 430 kg do produto contrabandeados e apreendidos pelo Ibama no início de fevereiro.
A febre do ouro na Amazônia e suas sequelas não estão restritas ao Brasil – o problema tem dimensões trágicas em outros países, como o Peru e a Guiana Francesa. Tampouco estão limitadas às empreitadas de garimpeiros. Grandes corporações, como a canadense Belo Sun, também ameaçam a região com projetos devastadores, como a implantação de uma gigantesca mina na Volta Grande do rio Xingu, no Pará, momentaneamente suspensa pela justiça.
A ideia de retirar riquezas minerais do solo a qualquer preço não tem poupado nem as mais distantes porções de território brasileiro – como a ilha de Trindade e o Arquipélago de Martim Vaz, no Espírito Santo. Ali, além da pesca industrial – que pode provocar a extinção de espécies inteiras –, a ameaça ambiental vem de uma igualmente predatória atividade de mineração, que usa algas calcárias e recifes de coral como matéria prima para fertilizantes.
Os terríveis efeitos de corridas do ouro, ações predatórias, com foco no lucro imediato para poucos e pouca ou nenhuma preocupação com o meio ambiente e as pessoas, são bem conhecidos e há bastante tempo.
Na Califórnia do século XIX, por exemplo, uma das mais famosas delas arruinou parte dos rios e mananciais de água (que hoje fazem falta) e, com ataques genocidas e doenças, reduziu a população de nativos indígenas de 150 mil para menos de 30 mil, entre 1845 e 1870. Não era mais para repetirmos os mesmos erros.