Os recursos foram liberados pelo Governo Federal. Para usar uma expressão popular, foi um “negócio da China” que contemplou diretamente o cirurgião-dentista Butruz Sarkis Simão Júnior, que responde processos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, sob a acusação de crime contra ordem tributária, segundo reportagem de Adelson Barbosa dos Santos e Wênia, do Correio da Paraíba.
Quatro prefeituras da Paraíba destinaram, entre os anos de 2015 e 2017, cerca de R$ 10,3 milhões ao serviço de assistência odontológica de moradores supostamente carentes: Sumé (no Cariri), Mogeiro (no Agreste), Pombal e Paulista (no Sertão).
Butruz Sarkis Simão Júnior recebeu R$ 7,52 milhões dos R$ 10,35 milhões empenhados pelas quatro prefeituras. O caso que chama mais a atenção é o de Sumé.
Só da Prefeitura do município, o cirurgião-dentista ganhou R$ 4,46 milhões entre 2015 e 2017. Da Prefeitura de Pombal, Butruz Sarkis recebeu mais R$ 2,23 milhões entre 2016 e 2017.
De Mogeiro, foram R$ 668,6 mil e R$ 157,8 mil de Paulista. Outras prefeituras também contrataram os serviços do profissional da odontologia. Elas serão citadas em outra reportagem.
Mas o que o dentista Butruz Sarkis fez para ganhar tanto dinheiro de apenas quatro prefeituras paraibanas em três anos? No caso de Sumé, está claro.
Ele é genro de influente ex-prefeito, um médico que já administrou o município por cinco mandatos: Francisco Duarte da Silva Neto, conhecido como Dr. Neto. Butruz é casado com Mericiana Duarte, filha de Dr. Neto. Hoje, a gestão municipal está sob o comando de Eden Duarte, primo do ex-prefeito.
Segundo as próprias prefeituras, Butruz teria implantado dentes e colocado próteses (dentaduras) em milhares de pessoas. Em Sumé, teriam sido 30 mil implantes.
Pelo montante de dinheiro destinado pela Prefeitura para fazer face a despesas com implantes dentários e implantação de próteses (conhecidas popularmente como chapas), o município de Sumé não deveria ter, hoje, um banguelo sequer.
Mas eles ainda existem. Aliados do ex-prefeito alegam que os banguelos ainda existentes foram prejudicados pela interrupção dos serviços em função das investigações realizadas pela Polícia Federal, motivadas por denúncia do vereador Juan Pereira (MDB), no ano passado, que faz oposição ao grupo do ex-prefeito Dr. Neto.
Operação da PF investiga
Tantos dentes implantados levantaram suspeitas de desvio de dinheiro público e resultaram em investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF). Alvo principal: o Município de Sumé.
A Prefeitura justificou os R$ 568,19 mil pagos em 2015 a Butruz Sarkis. Informou ao TCE que o valor foi destinado às despesas com 2.024 implantes e 765 dentaduras. Pelo que consta no Sagres do TCE, em 2016 a Prefeitura de Sumé pagou a Butruz Sarkis R$ 1,74 milhão.
Foram vários empenhos e pagamentos liberados para despesas com 4.276 implantes e 3.150 próteses. Detalhe: a contratação do cirurgião-dentista foi feita por licitação na modalidade inexigibilidade.
Na prática, não houve licitação em 2015. A mesma coisa ocorreu em 2016 e 2017. Somente Butruz teria se habilitado.
Em um dos detalhamentos de empenho, no valor de R$ 112,4 mil, a Prefeitura de Sumé afirma: “Valor que se empenha para fazer face a despesa referente a instalação de 346 implantes e 81 próteses dentárias osteointegrados em paciente do município, no mês de agosto de 2015”.
Prefeitura defende Butruz
A lei 8.666 (lei das licitações) estabelece em seu artigo 25 que a inexigibilidade (ou seja: a não realização de licitação) só pode acontecer quando houver inviabilidade de competição.
Será que, com tantos profissionais da odontologia na Paraíba, ninguém se interessou pelo processo licitatório que a Prefeitura de Sumé diz ter dado amplo conhecimento público em todo o País?
Depois da Operação Titânio, a Prefeitura de Sumé distribuiu nota justificando os gastos milionários com tantos implantes e próteses dentárias.
Na nota, a Prefeitura defende a idoneidade de Butruz Sarkis e afirma que o número de atendimentos é elevado porque o CEO (Centro de Especialidades Odontológicas), onde os procedimentos teriam sido realizados, atende “mais 17 municípios da região do Cariri com um programa que vem beneficiando milhares de pessoas na saúde bucal com a entrega de implantes dentários gratuitos para seus habitantes, alcançando uma população que soma mais de 100 mil pessoas”.
A nota só não diz porque os pagamentos que totalizaram R$ 4,46 milhões foram feitos pela Prefeitura de Sumé para atender pacientes de outros 17 municípios, inclusive de Pernambuco.
O artigo 37 da Constituição Federal assim se refere ao processo licitatório: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações’’.
Tristeza e vergonha dos moradores
Tristeza e vergonha são os sentimentos mais comentados pelos moradores da cidade de Sumé. Eles faziam tratamento no Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), mas tiveram que parar as intervenções, que já vinham demorando a serem realizados.
A comerciante Maria Edriane da Conceição, 39 anos, falou que não teve tempo suficiente para terminar o trabalho. Ela explicou que precisava extrair alguns dentes para então poder colocar uma prótese.
“Eu só encontrava vaga para extrair um dente por mês. Depois que tirasse todos é que iria começar a colocar a chapa”, detalhou.
Ela não tem mais dentes na parte superior da boca, todos retirados ao longo do ano passado. Ela ainda acrescentou que perdeu a vontade de sorrir após ficar sem a dentição. “É para isso que eu corro atrás, para poder voltar a sorrir com vontade”, disse, Edriane que é mãe solteira de oito filhos e não tem condições financeiras de arcar com a despesa do tratamento particular, orçado em R$ 600.
O pedreiro Rubens Guimarães, 29 anos, também afirmou que não tem como pagar o tratamento com um dentista que não seja do Sistema Único de Saúde (SUS). O orçamento dele foi fixado em R$ 1.200. “Eu quero voltar a sorrir sem que as pessoas façam piada. Quero poder comer de tudo, sem sentir dor. Eles estavam demorando a marcar e de repente pararam tudo”, comentou o pedreiro.
Os tratamentos foram paralisados quando a investigação da Polícia Federal começou. O objetivo da PF é descobrir para onde estavam indo as verbas destinadas ao tratamento dentário da população do município.
“A gente sabe que SUS é demorado, mas quando eu comecei a ser atendido, pararam tudo. Podia ter terminado quem estava em tratamento”, reclamou Rubens.
Ele tirou quatro dentes e ainda falta extrair outros cinco. Sumé foi responsável por R$ mais de 5 milhões, segundo investigação da PF.