O preço do botijão de gás, um dos custos domésticos que mais aumentaram em 2017, mais do que dobra de Salvador, na Bahia (45 reais), para Alta Floresta, em Mato Grosso (115 reais) – um salto de 155% do menor preço encontrado no estado mais barato ao maior do mais caro. Entre os fatores que interferem na composição do custo final está o valor de venda do gás liquefeito de petróleo (GLP, popularmente conhecido como gás de cozinha) da Petrobras na refinaria, revela reportagem de Letícia Fuentes e Marcelo Soares, da Veja.
Mesmo assim, o valor do gás que sai da refinaria representa menos da metade (46%) do total que o consumidor paga antes de levar o botijão para casa, segundo Fábio Gallo, professor de finanças na Fundação Getulio Vargas (FGV). As outras parcelas são compostas, basicamente, de impostos, margem de distribuição e de revenda.
No caso dos impostos, o ICMS (sigla para Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é o que tem o maior peso. Normalmente, quanto maior o valor cobrado em tributos, mais caro tende a ser o gás. Ainda assim, em Mato Grosso, onde se vende o botijão mais caro do país, o ICMS está na faixa dos 12%, segundo dados do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás). É a mesma alíquota cobrada na Bahia, que tem o botijão mais barato do país. Nesse caso, a disparidade nos preços finais é resultado de diferenças nas margens de distribuição e revenda – e tem uma explicação geográfica.
“As distribuidoras vendem muito mais do que o produto”, afirma Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás. “Elas também estão vendendo a embalagem e toda a logística necessária para levar o GLP até um determinado local. É muito mais caro você levar o gás até Mato Grosso – onde a densidade populacional é muito pequena, as distâncias são muito grandes, o transporte sai muito caro e, ainda, existe menos gente para comprar o produto – do que para outros estados.”
Segundo ele, o preço do GLP pode variar não só entre os estados brasileiros, mas também entre as cidades e até entre diferentes postos de um mesmo município – ainda mais do que o que ocorre com a gasolina. Isso porque, ao contrário de outros serviços, o gás de cozinha é fornecido por várias distribuidoras e revendedoras que podem cobrar mais caro ou mais barato pelo serviço, dependendo dos gastos que elas têm e até do lucro que planejam conseguir.
Os menores preços, por sua vez, estão em regiões mais populosas, onde há mais opções de compra e o mercado é mais competitivo. O botijão mais barato do Brasil está na Bahia, onde custa, em média, 59,24 reais.
“Todo mundo pensa que [o preço do gás] funciona como a eletricidade, um serviço oferecido apenas por uma empresa e que, quando aumenta o preço, fica mais caro para todo mundo. Mas o valor do botijão não é controlado, e sim acompanhado”, diz Bandeira. “Quando dizem que a Petrobras subiu o preço nas refinarias em 15%, por exemplo, não significa que o consumidor vai pagar 15% mais caro. Ele pode pagar mais caro ou mais barato do que isso, dependendo de onde vai comprar.”
As distribuidoras, segundo o especialista, podem ou não repassar o aumento do preço nas refinarias para o consumidor. Às vezes, elas optam por não subir o preço final e diminuir um pouco sua margem de lucro. “Por isso, quando se trata do GLP, é importante que o consumidor saiba que ele tem poder de escolha para pesquisar e negociar o melhor custo-benefício de acordo com as necessidades dele, levando em consideração preço, tempo de entrega e serviço.”
Disparada de preço
A disparada de preço do GLP motivou a Petrobras, principal fornecedora do GLP, a mudar sua política de reajuste de preço do produto. Essa decisão veio após uma alta acumulada de 84% no preço do produtor entre janeiro e dezembro de 2017 – embora o preço final cobrado do consumidor tenha aumentado em média 19,6% na média nacional.
A nova política prevê que os reajustes serão feitos a cada trimestre, não a cada mês, como ocorria até então. A Petrobras também anunciou uma queda de 5% no preço nas refinarias. O objetivo, de acordo com a companhia, é manter os valores do GLP referenciados no mercado internacional – uma vez que a empresa compra do exterior 30% do gás que chega ao Brasil – e, também, “diluir os efeitos” de aumentos tipicamente concentrados no fim do ano, aliviando o peso no bolso do consumidor. Porém, segundo especialistas, o peso dessa mudança no bolso do consumidor ainda é incerto.
“A subida ou a descida do preço do botijão é influenciada, atualmente, pelo preço internacional do petróleo”, afirma Fábio Gallo, da FGV. “A decisão da Petrobras foi uma resposta ao aumento do preço do petróleo, que subiu muito rápido e agora, apesar de continuar aumentando, está em um ritmo mais estável.”
O professor explica que, por ter o mercado internacional como referência, o custo do gás aqui no Brasil independe do cenário econômico nacional. “A inflação pode cair e o preço do botijão continuar aumentando, por exemplo. Assim como o contrário também pode acontecer.” Em todo caso, como o reajuste só será aplicado pela Petrobras a cada três meses, é possível que o consumidor sinta um peso diferente no bolso, de acordo com Gallo. “Pode ser que o preço caia muito ou suba muito de uma vez só, o que impacta diretamente a vida do consumidor.”
Peso no orçamento
Bandeira calcula que, em média, um botijão de gás chega a durar até 45 dias para uma família de cinco pessoas. Considerando o preço médio do botijão de 13 quilos no Brasil, isso significa que o preço por residência por dia é, aproximadamente, 1,49 reais – o que tornaria o GLP um dos energéticos mais baratos disponíveis atualmente. Ainda assim, há famílias em que o valor acaba pesando mais no bolso.
Bruna Pisani, de 32 anos, é advogada autônoma e vive em Araraquara, no interior de São Paulo. Ela costuma pagar 65 reais no botijão de gás – mas, se pede para entregar em casa, o valor sobe para 73 reais. “Isso dura três meses, mais ou menos. Agora estou adotando algumas mudanças para diminuir o peso no orçamento e consigo fazer durar um pouco mais. O objetivo é trocar de botijão só a cada seis meses”, diz.
Ela conta que optou por aumentar a quantidade de alimentos que cozinha para não precisar usar o fogão todos os dias. “Faço feijão uma vez por semana e congelo para ir usando aos poucos. O arroz cozinho em uma quantidade que dê para três dias e a proteína deixo para fazer dia sim, dia não. Costumo deixar a marmita pronta para a semana.”
Bruna também conta que, quando possível, opta por outras fontes de energia. “Tento, ao máximo, usar o micro-ondas. Também assamos pão de queijo, almôndega, torta, tudo que couber no forninho elétrico. Assim que der, quero comprar uma air fryer para economizar ainda mais o gás do fogão”, diz. Apesar do aumento na conta de luz, ela diz que vale a pena. “Gastamos 85 reais por mês com eletricidade, para mim e para o meu marido, já com o uso desses eletrodomésticos.”
A plataforma NetGás, que permite os usuários pesquisar o preço mais barato do botijão em sua cidade com base nos dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizou um levantamento comparando o PIB per capita de cada município brasileiro com o preço do gás naquela cidade. Isso permite avaliar quanto da renda, em média, um consumidor tem de reservar para comprar o botijão. Os dados indicam que o custo do energético em Codó, um município no interior do Maranhão, é o que mais compromete o orçamento das famílias: cerca de 10,6% da renda per capita é reservada para comprar gás. As três cidades seguintes no ranking estão no Pará: Cametá (10,5%), Bragança (10,3%) e Abaetetuba (8,8%).
Nesse cenário, a própria plataforma sentiu uma diferença no número de pessoas que têm utilizado o serviço para procurar as opções mais baratas. O número de pessoas cadastradas no site cresceu 450% nos últimos três meses e a quantidade de pesquisas feitas aumentou 350% no mesmo período. “Isso só reforça que as pessoas estão, cada vez mais, recorrendo a modos de pesquisar e comparar preços para minimizar os impactos desses sucessivos aumentos no preço do gás”, afirma Mario Mol, CEO da NetGás.
Economia
Para diminuir o consumo de gás em casa, o professor de finanças Fábio Gallo, da FGV, diz que vale apostar no uso mais eficiente do recurso. “Não é aconselhável preaquecer o forno por muito tempo – e, se a pessoa já for usá-lo, vale a pena aproveitar enquanto ele ainda está quente para cozinhar outras coisas”, diz.
É possível, também, substituir ao máximo os alimentos por versões que dispensem o fogão ou que tenham um tempo de cozimento menor. Outra dica é comprar botijão de 45 quilos, por exemplo, e compartilhá-lo com vizinhos, se a pessoa morar em condomínio. “Às vezes, também vale a pena tentar trocar para gás encanado.” Na grande maioria dos casos, o gás que chega pela tubulação não é o GLP (embora ele também possa vir nessa forma) e sim o gás natural. Ele tende a ser um pouco menos econômico – mas como dispensa embalagem e a pessoa paga pelo consumo, e não pelo botijão, pode ser uma opção mais barata em alguns casos.