Mesmo com a queda do número de usuários de planos de saúde em razão da crise econômica e do desemprego, o volume de ações judiciais contra as operadoras bateu recorde em 2017, revela reportagem de Cláudia Colucci, da Folha.
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foram julgadas em média 120 ações por dia útil, totalizando no ano 30.117 decisões de primeira e segunda instâncias –contra 7.019 em 2011.
Os dados, que constam de levantamento inédito de núcleo da Faculdade de Medicina da USP que monitora a área, mostram que a judicialização cresce em ritmo mais acelerado do que a evolução da população com planos.
De acordo com o levantamento, em junho de 2011, eram 17.622.521 beneficiários, contra 17.351.547 no mesmo mês de 2017–ou seja, quase 280 mil a menos.
Uma das hipóteses é que, com a crise, muitos usuários migraram para os chamados planos de saúde empresariais com menos de 30 pessoas, também conhecidos como falsos coletivos, com regras que tendem a deixar o usuário mais desprotegido.
Por exemplo, passado um ano do contrato, ele pode ser rescindido unilateralmente pela operadora e o reajuste da mensalidade também fica livre. No contrato individual, que praticamente desapareceu do mercado, os aumentos têm teto fixado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Esses planos representam hoje 10% do mercado (4,5 milhões). “Houve uma epidemia de planos falsos coletivos no mercado suplementar e agora ela está chegando ao Judiciário. Os planos mais baratos têm um problema sério de cobertura”, afirma o professor da USP Mario Scheffer, coordenador do levantamento.
Segundo ele, ao se deparar com negativas de cobertura ou com uma rede restrita de atendimento, que não conta com hospital especializado, por exemplo, o usuário tende a recorrer à Justiça.
De acordo com o levantamento, dentre os julgados em segunda instância em 2017 (12.078 decisões no total), a maioria está relacionada a exclusão de coberturas ou negativas de atendimento (40% das decisões).
As reclamações sobre reajustes de mensalidades, seja em razão de mudança de faixa etária, de sinistralidade ou de aumentos em contratos coletivos, figuram como segundo maior motivo da judicialização (24% das decisões).
Em 34% das ações julgadas no ano passado os demandantes são idosos que reclamam de negação de atendimento e do valor de mensalidades ou então são aposentados com dificuldades e impedimentos de manutenção no contrato coletivo.
Na opinião do advogado Rafael Robba, especializado na área da saúde e um dos pesquisadores do núcleo da USP, as falhas regulatórias da Agência Nacional de Saúde Suplementar são responsáveis pela escalada da judicialização envolvendo os planos de saúde.
Robba afirma que muitas demandas se referem a procedimentos, como exames, por exemplo, que não estão incorporados ao rol de procedimentos mínimos, uma lista de serviços obrigatórios que planos de saúde devem oferecer para seus usuários e que é atualizada pela agência a cada dois anos.
“A atualização ocorre muito mais buscando o equilíbrio econômico financeiro das operadoras do que as políticas públicas de saúde”, afirma o advogado.
ANS
Em nota, a ANS diz que os sistemas de saúde procuram incorporar tecnologias que sejam seguras, eficazes e sustentáveis, mas que não emitiria opinião sobre críticas em relação a supostas falhas regulatórias da agência.
A agência afirma ainda que publicou recentemente normativa com regras claras sobre a contratação de planos coletivos empresariais de forma a dar segurança jurídica à relação contratual.
A ANS esclarece que os beneficiários de planos de saúde contam com uma ferramenta de intermediação de conflitos para solucionar as queixas contra operadoras de maneira ágil.
De acordo com a agência, o índice de resolutividade das queixas tem alcançado índice em torno de 90%.
ACESSO À JUSTIÇA
Para o diretor executivo da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), José Cechin, o aumento da judicialização está ligado à facilidade de acesso à Justiça e à alta probabilidade de sucesso nas demandas judiciais.
Estudo anterior da USP com cerca de 4.000 decisões de segunda instância do Tribunal de Justiça de São Paulo mostrou que, em 92,4% dos acórdãos, a vitória foi do usuário.
“Muitas dessas demandas são de pessoas em busca de vantagens não estão previstas no contrato ou na regulação da ANS”, diz.
Um exemplo, segundo ele, são ações para liberar internação em comunidades terapêuticas (para dependentes de drogas).
Uma operadora foi obrigada, por liminar, a fornecer cobertura integral da internação de quatro usuários em uma comunidade com diárias de R$ 600,00, sem limite de prazo.
Cechin diz que outra situação frequente é a contratos antigos, de antes de 1999, que previam exclusões de coberturas, por exemplo, de órteses e próteses. “Essas pessoas foram convidadas a atualizar os contratos, mas preferiram ficar como estavam, ir à Justiça e pedir a prótese.”
Sobre o segundo maior motivo de demandas judiciais, o reajuste de mensalidades, Cechin diz que eles incomodam também as operadoras. “Muita gente não consegue pagar e, com isso, o mercado vai encolhendo ainda mais.”
Ele defende que a discussão se dê em torno das situações que geram custos e impulsionam o reajuste dos planos.
Entre elas, ele cita os preços praticados pela indústria da saúde (de equipamentos, dispositivos e medicamentos) e o fato de que muitos hospitais incorporam novas e mais caras tecnologias sem que elas tragam grandes benefícios ao paciente–em relação às antigas.
“Temos as aspirações globalizadas, dos americanos e japoneses, e capacidade financeira de tupiniquins”, comenta.