Após encontro com o presidente Michel Temer, no último dia 3, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) deixou o Palácio do Planalto para anunciar a nomeação da filha, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), como nova ministra do Trabalho. Orgulhoso com a novidade, o pai chorou diante dos jornalistas. “É um resgate”, justificou, em alusão ao período em que cumpriu pena de prisão no mensalão. A combinação política e família está longe de ser exceção no ministério de Temer. Pelo contrário, é condição predominante: dos 41 ministros nomeados pelo peemedebista desde maio de 2016, ao menos 21 têm ou tiveram parentes políticos, revela reportagem de Edson Sardinha, do Congresso em Foco.
Os dados são de levantamento do Congresso em Foco com base em pesquisa do Núcleo de Estudos Paranaenses da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na lista há filho de ex-presidente da República, caso de Sarney Filho (Meio Ambiente), e de senadores, como Fernando Coelho Filho (Minas e Energia) e Helder Barbalho (Integração Nacional), marido de vice-governadora, Ricardo Barros (Saúde), e representantes de novas e antigas oligarquias regionais, como Marx Beltrão (Turismo) e Torquato Jardim (Justiça), respectivamente.
“A política brasileira contemporânea é conduzida por unidades familiares. A unidade operacional da política brasileira são as famílias. É uma relação política de caráter familiar. Não passa às vezes por partidos, associações e de grupos de interesse”, explica o professor de Ciências Sociais da UFPR Ricardo Costa de Oliveira, um dos autores do estudo. “A nomeação da Cristiane confirma que política no Brasil é um negócio de família”, acrescenta.
Outros poderes
A prática detectada no Executivo também se reproduz no Judiciário e no Legislativo, como revelou a Revista Congresso em Foco. Pelo menos 319 deputados (62%) e 59 senadores (73%) têm vínculos de sangue com outros políticos. Entre eles, a própria Cristiane, deputada cuja indicação ao ministério está sub judice por causa de suas encrencas na Justiça trabalhista. No Judiciário, juízes e desembargadores costumam passar suas togas para os filhos, também magistrados, advogados ou procuradores.
Se os laços sanguíneos com o presidente do PTB foram determinantes para a nomeação de Cristiane, há casos em que o sobrenome ficou em segundo plano. Conhecido como “rei da soja” na década de 90, Blairo Maggi (Agricultura), por exemplo, repassou esse título ao primo Erai Maggi, que integra o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e já foi pré-candidato a senador. Os primos fazem parte de uma das famílias mais ricas do país, com forte atuação no agronegócio. Roberto Freire, ex-ministro da Cultura, também pode alegar que teve pouca influência familiar. Foi casado com a filha de um ex-senador.
Filho de um ex-interventor de Goiás, sobrinho de um ex-governador do estado, Henrique Meirelles (PSD), um dos ícones do capitalismo nacional, é primo do ex-deputado Aldo Rebelo, comunista histórico e ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Titular da Justiça, Torquato Jardim é neto, bisneto e trineto de ex-presidentes da então Província de Goiás, além de primo do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Entre os ministros com parentes na política, sete são do PMDB, três do PSDB e dois PP. DEM, Podemos, PPS, PR, PSB, PSD, PTB e PV, com um nome cada, completam a lista, que ainda tem Torquato Jardim sem partido.
Na conta não estão incluídos nomes que vêm de forte tradição familiar em outras áreas. O general Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional), por exemplo, é filho do também general de Brigada Leo Guedes Etchegoyen. Pai de Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia), Pedro Salomão José Kassab foi presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) por seis mandatos e da Associação Mundial de Saúde.
Familismo
O professor Ricardo Costa de Oliveira diz ao Congresso em Foco que o “familismo” gera impacto no dia a dia do brasileiro. “O impacto é um governo que trabalha para os interesses desses grupos familiares, elitizados, que têm uma visão de reprodução dos poderes sociais e políticos. Representa a manutenção do status-quo do Brasil tradicional. Daí vem o pacote concentração de renda, exclusão social, interesses privados… Esse é o retrato do governo Temer, uma gestão de interesses familiares. Cada ministério atua para beneficiar sua parentela. A tendência é só piorar. Se olharmos o corpo a corpo, cada ministro vai reforçar eleitoralmente as mesmas famílias nas eleições de 2018”, observa o professor, uma das principais referências no estudo da influência das famílias nos três poderes no Brasil.
Autores do estudo “Prosopografia familiar na Operação Lava Jato e do Ministério Temer”, Ricardo Costa e os também professores José Marciano Monteiro (UFCG), Mônica Helena Harrich Silva Goulart (UTFPR) e Ana Crhistina Vanali (UFPR) veem na política brasileira um padrão.
“A mesma centralidade na hereditariedade, reprodução de capitais sociais familiares, escolarização de elite, trajetórias dentro da elite estatal, relações familiares e políticas decisivas para as carreiras da grande maioria dos atores pesquisados em suas biografias, cargos e itinerários ideológicos tradicionais, preferencialmente à direita política e conservadores”, avaliam.
“Ministros de Temer não são membros da ‘classe média’, ou apenas técnicos e gestores, quase todos são membros, ou casaram, com importantes famílias políticas presentes ao longo da história nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Todos os nomes aqui listados pertencem ao 1% mais rico, quando não ao 0,1% mais rico e sempre revelam a característica ‘familiar’ do sistema judicial e do governo no Brasil, presentes em todas as suas regiões”, ressaltam os pesquisadores.