O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) identificou, em relatório de auditoria obtido pelo GLOBO, de supostos superfaturamentos e não execução de serviços em contrato assinado pelo Ministério do Trabalho na gestão do ministro Ronaldo Nogueira — ele pediu demissão do cargo na tarde desta quarta-feira. Iniciativas dentro da pasta que permitiram a continuidade do contrato com a empresa Business to Technology (B2T) contaram com a participação direta do ministro, em meio a vários alertas de irregularidades emitidos pela CGU, como diz o relatório, segundo revela reportagem de Vinicius Sassine e André de Souza, do O Globo.
O superfaturamento mais emblemático do relatório envolve o pagamento por horas de trabalho aos contratados pela empresa. A CGU detectou que os pagamentos são baseados no valor da hora de cada empregado, e não no serviço entregue. O valor varia conforme a complexidade do serviço. A auditoria encontrou casos como o de um único empregado que recebeu R$ 126 mil por 152 horas trabalhadas em 22 dias, o que equivale a R$ 828,95 por hora trabalhada. A CGU pede o ressarcimento de R$ 4,95 milhões.
No fim de novembro, a pasta revogou uma suspensão de pagamentos para continuar liberando recursos do contrato. Neste mês, houve encaminhamento interno para a pasta pagar pelas licenças, no valor de R$ 32 milhões. Três empenhos (autorizações de pagamento) para um contrato específico somam R$ 8,2 milhões.
O relatório tem 107 páginas e detalha como o Ministério do Trabalho supostamente direcionou a licitação para a B2T, superdimensionou os serviços contratados, superfaturou licenças e horas trabalhadas, pagou por trabalho contratado usando uma metodologia vetada por instrução normativa do governo e ignorou os sucessivos alertas emitidos pela CGU.
Em alguns casos, a hora trabalhada chega a custar R$ 1.250. Conforme o relatório, o Ministério do Trabalho contratou os serviços usando uma determinada métrica, mas paga pelo serviço conforme a quantidade de horas trabalhadas, o que é vedado por instrução normativa de 2014 do Ministério do Planejamento e por uma súmula de 2016 do Tribunal de Contas da União (TCU).
CONTRATOS SOMAM R$ 76,7 MILHÕES
“Reforça-se a constatação de sobrepreço identificada pelos altos valores pagos por hora (que chegam a R$ 828,95) e por posto de trabalho — um empregado chega a ser responsável pela produção equivalente a R$ 126 mil em um único mês, cita o relatório da CGU. Além do superfaturamento, a auditoria afirma não ser possível “atestar que os serviços apresentados pela contratada foram adequadamente prestados e estimados”. “Adicionalmente, foi identificada a realização de atividades que não geraram resultados ou produtos aferíveis”, diz o documento.
O Ministério do Trabalho assinou dois contratos com a B2T, no valor de R$ 76,7 milhões, para obter serviços de tecnologia de informação voltados a plataformas antifraude em programas como o seguro-desemprego. Os primeiros alertas de irregularidades da CGU foram emitidos em outubro de 2016, dias antes da assinatura do primeiro contrato, no valor de R$ 25,3 milhões.
A auditoria foi feita in loco, entre janeiro e junho deste ano. Depois de avaliar as respostas do ministério, a CGU concluiu o relatório em 11 de outubro. No documento, o órgão pede ressarcimento ao erário e abertura de processos administrativos para apurar a responsabilidade de gestores envolvidos na assinatura do contrato.
A CGU pede ressarcimento de R$ 298,2 mil aos cofres públicos em razão de “serviços não aferíveis”. O montante maior a ser ressarcido, R$ 4,6 milhões, refere-se a superfaturamentos em três ordens de serviço em 2016, com pagamentos para aquisição de licenças (R$ 3,9 milhões em superfaturamento), suporte e manutenção (R$ 282,5 mil) e horas de trabalho (R$ 410,4 mil).
O sobrepreço já existia na ata do registro de preços, o que levava ao superfaturamento dos pagamentos na execução do contrato, conforme a CGU. A aquisição de licenças, por exemplo, teve sobrepreço com variação entre 18% e 231,8%, conforme a base de comparação levada em conta. Isso significa um preço a mais com variação entre R$ 4,9 milhões e R$ 22,4 milhões.
O superfaturamento consequente, em razão do sobrepreço, variou entre R$ 1,9 milhão e R$ 8 milhões na execução dos pagamentos, segundo o relatório. A recomendação por ressarcimento, somente no que diz respeito à aquisição das licenças, ficou em R$ 3,9 milhões.
PARTICIPAÇÃO DO AGORA EX-MINISTRO
A participação do então ministro Ronaldo Nogueira para viabilizar a execução do contrato é descrita no relatório de auditoria. Em 11 de julho, a CGU encaminhou ao ministério um relatório preliminar de auditoria. Oito dias depois, foi feita uma “reunião de busca conjunta”, “com a participação do ministro do Trabalho”. “Ao fim da reunião, foi informado que o Ministério do Trabalho teria cinco dias úteis para responder ao relatório”, cita o documento.
Ao fim do prazo, Nogueira pediu, em 27 de julho, mais dez dias úteis para dar as respostas. Em 4 de agosto, ele voltou a pedir mais prazo, até o dia 10 daquele mês. O secretário-executivo do ministro, então, encaminhou um parecer técnico elaborado pela Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev), órgão que, segundo o Ministério do Trabalho, estaria apto a responder se o serviço antifraude é conveniente ou não.
A participação da Dataprev foi considerada “atípica” pelos auditores. “A participação da Dataprev ao final do processo de auditoria, a pedido do ministério, ratifica as situações identificadas pela equipe de auditoria da CGU”, cita o relatório.
Em setembro, o ministro do Trabalho voltou a fazer um pedido à CGU e, então, “em caráter excepcional”, o órgão estendeu até o dia 20 o prazo para a entrega de informações complementares e das providências adotadas até aquele momento. Os dados, “por lapso”, não teriam sido enviados junto com o parecer da Dataprev.
“O planejamento da contratação não considerou a real necessidade do órgão nem realizou estudos que buscassem embasar a escolha da solução mais adequada ao interesse público”, conclui a auditoria. “As falhas apresentadas no planejamento da contratação e o superdimensionamento das quantidades licitadas, aliados a uma frágil pesquisa de preços, culminaram em sobrepreço na ata de registro de preço e em superfaturamentos que geraram prejuízos ao erário de R$ 4.662.531,33.”
O GLOBO procurou o Ministério do Trabalho por duas vezes, ontem e no dia 22. Não houve resposta. A B2T afirmou ontem não ter conhecimento do relatório da CGU. “Ao questionarmos a CGU sobre o relatório mencionado por outro meio de comunicação em agosto de 2017, recebemos a informação de que não havia um relatório definitivo”, disse. “O contrato da B2T com o Ministério do Trabalho possui uma cláusula de confidencialidade e, além disso, o manual de procedimentos internos da empresa não nos permite divulgar quaisquer informações sobre nossos clientes.“ Ainda segundo a empresa, reportagens publicadas pela imprensa mostram que a solução antifraude levou a economia de R$ 678 milhões aos cofres públicos.