As planilhas de pagamento de propina apresentadas pela empreiteira Odebrecht ao Ministério Público Federal em sua delação premiada revelam apenas metade dos últimos sete anos de funcionamento do setor da empresa dedicado a repasses ilegais, de acordo com levantamento feito pela reportagem da Folha.
As lacunas no período de atividades do Setor de Operações Estruturadas foram identificadas a partir da análise de 2.300 listas, parte do acervo de 76 mil páginas entregues pela empresa em seu acordo.
Elas compreendem o período de 2008 a 2014, no qual faltam planilhas relativas a 178 semanas. O exame do material bruto, disponibilizado pelo Supremo Tribunal Federal, foi feito pela reportagem nos últimos quatro meses.
As planilhas mostram informações como o valor da propina paga por obra, o codinome a que se refere o repasse (em geral ligado a um político), a data e o local da entrega do dinheiro.
O maior período sem listas de repasses consecutivos vai de 16 de janeiro de 2011 a 24 de junho de 2012, ou 75 semanas sem informações.
A colaboração premiada da empreiteira também não traz as relações de pagamento de 37 semanas seguidas entre novembro de 2012 a agosto de 2013.
Foi nesse triênio (2011 a 2013), que inclui dois anos sem eleição, que a área de propina da Odebrecht movimentou as maiores quantias de sua história, segundo a delação premiada do responsável pelo setor na época, Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho.
De acordo com o colaborador, a divisão movimentou US$ 520 milhões (R$ 1,7 bilhão, em valores atualizados) em 2011, US$ 730 milhões (R$ 2,4 bilhões) em 2012 e repetiu US$ 730 milhões em 2013.
Outro grande período sem planilhas de repasses correspondentes vai de fevereiro a maio de 2010.
Há ainda, neste período de sete anos, omissões em 49 semanas intercaladas.
PICO DE ATIVIDADE
Apesar dessas lacunas, os papéis apresentados pelos delatores mostram que em 2010 ocorreu o pico de atividade do departamento.
Só em uma semana de julho daquele ano, em plena campanha para escolha de presidente, governadores e congressistas, o setor fez repasses da ordem de R$ 110 milhões.
As quantias indicadas no conjunto de planilhas totalizam R$ 613 milhões no ano, em valores atualizados
A análise indica que as movimentações de 2010 superaram aquelas realizadas no ano da última disputa presidencial, também abrangido pela documentação da delação da Odebrecht.
Em 2014, as operações da área de propina somaram R$ 495 milhões.
Naquele ano, as atividades do setor de propina foram influenciadas pela Operação Lava Jato, que foi deflagrada em março de 2014.
Mascarenhas disse na sua delação premiada que foi convidado em 2006 pelo empresário Marcelo Odebrecht para montar o Setor de Operações Estruturadas e organizar melhor os repasses ilegais feitos pela empresa.
No comando da área clandestina da companhia, Mascarenhas reuniu uma equipe e definiu que as movimentações ilícitas deveriam seguir uma programação semanal.
SEMPRE ÀS SEXTAS
Os pedidos de repasse de propinas dos diretores das áreas do grupo Odebrecht eram consolidados em planilhas toda sexta-feira. Os pagamentos ilegais eram executados na semana seguinte, de terça a quinta-feira.
Marcelo Odebrecht afirmou em depoimento ao Ministério Público Federal que determinou o encerramento das operações do departamento ilegal da companhia no começo de 2015.
O empresário, que passou a cumprir prisão domiciliar na última terça-feira (19), disse que só foi tomar ciência da real dimensão da estrutura do setor após ser detido, em junho de 2015.
“A gente tomou conhecimento do sistema ao longo do segundo semestre do ano passado [2015], eu já estava preso. Foi uma surpresa”, declarou Odebrecht aos procuradores da força-tarefa.
A Folha calculou a média semanal de repasses ilegais da empreiteira, segundo o que dizem as planilhas. Extrapolando essa cifra para os períodos em que há lacunas, há uma possível omissão de R$ 1,15 bilhão.
O Ministério Público Federal em Curitiba relatou em nota que a Odebrecht “assumiu o compromisso ininterrupto de apresentar dados e informações que permitirão a continuidade e o aprofundamento das investigações de ilícitos, inclusive sobre fatos que necessitem de esclarecimentos adicionais, obrigação por ora atendida”.
Em nota, a Odebrecht afirmou que “executivos forneceram informações em mais de 900 horas de depoimentos” e “está empenhada em ajudar as autoridades a esclarecer qualquer dúvida”.
O acordo de delação “já se provou eficaz e está comprovado nos desdobramentos das investigações e processos judiciais”, segundo o texto.