A dez meses das eleições de 2018, uma proposta de semipresidencialismo que circula na Câmara e no Senado provoca polêmica e tem tudo para se transformar em uma queda de braço após a votação da reforma da Previdência. O esboço do texto que muda o sistema de governo prevê uma moção de desconfiança ou de censura ao Executivo, sempre acompanhada de projeto para formação de nova equipe, mas a preocupação de aliados do presidente Michel Temer é deixar claro no texto que o gabinete não pode cair enquanto não houver a eleição de outro primeiro-ministro, revela reportagem de Vera Rosa, do Estadão.
Com artigos reunidos em uma proposta de emenda à Constituição (PEC), a minuta ainda não foi apresentada oficialmente, mas já desperta curiosidade de deputados e senadores, às vésperas do ano eleitoral. A versão preliminar aumenta os poderes do Congresso, embora o presidente continue sendo forte, com prerrogativa de propor leis ordinárias e complementares.
O modelo sugerido estabelece, ainda, um contrato de coalizão, com força de lei, assinado por partidos que dão sustentação ao presidente da República. A ideia é que ali constem as diretrizes e o programa de governo.
“O sistema presidencialista no Brasil dá sinais de exaustão. Desde a redemocratização, dos quatro presidentes eleitos, dois sofreram impeachment”, disse ao Estado o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Gilmar Mendes em uma referência a Fernando Collor e Dilma Rousseff. “Precisamos fugir do ramerrame das ‘reformas esparadrapo’, para evitar que essas crises políticas continuem se repetindo”, afirmou.
Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar é um dos nomes que têm conversado sobre o projeto com Temer e com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Temer afirmou recentemente que, na sua avaliação, o semipresidencialismo seria útil ao País “a partir de 2022”. No Palácio do Planalto, porém, quem defende a candidatura do peemedebista à reeleição avalia que esse mote pode ser associado à campanha por um segundo mandato.
Em conversas reservadas, auxiliares de Temer desenham um cenário no qual os efeitos da recuperação econômica aparecerão ainda no primeiro trimestre de 2018. Diante desse quadro, apostam que Temer – hoje com 3% de aprovação nas pesquisas – pode ganhar popularidade e apoio de partidos aliados para tentar o julgamento das urnas se sua plataforma for ancorada na proposta do semipresidencialismo.
RASCUNHO
Pelo rascunho em discussão, o presidente da República continua sendo eleito pelo voto direto, mas indica o primeiro-ministro, que deve ser um integrante do Legislativo e precisa ter o nome aprovado pelo Congresso. Inspirado nos sistemas francês e português, o modelo extingue a figura do vice-presidente.
Chefe de Estado e comandante das Forças Armadas, o presidente, nesse regime, tem poderes para dissolver a Câmara – mas não o Senado – e convocar eleições extraordinárias, em caso de “grave crise política e institucional”. Para tomar uma decisão dessa envergadura, ele precisaria de autorização do primeiro-ministro e dos presidentes da Câmara e do Senado.
O primeiro-ministro tem as funções de chefe de governo e deve comparecer mensalmente ao Congresso, para prestar constas de seu programa. É ele também quem nomeia e comanda toda a equipe, o chamado Conselho de Ministros, e até mesmo o presidente do Banco Central.
Por se tratar de uma PEC, um projeto dessa natureza precisa ser aprovado por 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em duas votações. No diagnóstico de Temer, se o Congresso der sinal verde ao semipresidencialismo, o texto ainda deverá passar por um referendo popular.
Em 1993, os brasileiros rejeitaram o parlamentarismo em plebiscito, mas os entusiastas da nova proposta destacam que, embora haja pontos de convergência entre os dois modelos, os regimes são diferentes. De qualquer forma, o Supremo ainda vai julgar se é possível mudar o sistema de governo apenas por meio de uma emenda constitucional.
PARA LEMBRAR
População votou contra duas vezes
A proposta de alterar o sistema de governo em vigor no Brasil, o presidencialismo, foi levada duas vezes à consulta popular. Tanto na primeira vez, em 1963, como na segunda, em 1993, o resultado foi contra a alteração. Em ambos os plebiscitos, uma minoria da população demonstrou apoio à criação do cargo de primeiro-ministro no Brasil. Em 1963, o placar foi de 18% (parlamentarismo) a 82% (presidencialismo) e, em 1993, de 30% a 70%.