Para o decano do tucanato, Fernando Henrique Cardoso, o PSDB precisa defender valores como o reformismo mesmo que isso lhe custe vitória eleitoral em 2018.
Presidente de 1995 a 2002, ele vê o governador Geraldo Alckmin (SP) como o nome mais provável na disputa e elogia sua “simplicidade”.
Critica pulverização ao centro e dá seu receituário para a campanha: defesa de crescimento com responsabilidade, inclusão social e temas cotidianos como segurança e emprego. FHC, 86, recebeu a Folha e concedeu entrevista a Igor Gielow, na quarta (6) na fundação que leva seu nome no centro de São Paulo.
Folha – Geraldo Alckmin será, na prática, ungido candidato no sábado (9). Qual deve ser o seu discurso?
Fernando Henrique Cardoso – O Brasil precisa de um discurso que seja sincero, firme e que dê rumo. Para isso, você tem de pensar grande e ter pressa. Quais são as aflições? O Brasil não é um país pobre, mas com muitos pobres. Então temos alavancas. É preciso construir uma sociedade mais decente, que não pode conviver com o grau de desigualdade que nós vivemos. As pessoas existem, precisamos ir além das bolsas.
Essa é a visão que sempre foi do PSDB e de quem não tem visão unicamente de mercado, que obviamente você tem de levar em consideração.
Vai tudo depender de mais ciência e tecnologia, centrado em educação. Na globalização, não haverá emprego a todos. Um mecanismo que parecia ser utópico, a renda mínima, vira necessidade.
É preciso falar de coisas concretas, como segurança. O povo quer coisas simples. O receituário poderia ser consensual, mas foi afetado pela crise de representatividade. No Brasil, com especificidade da corrupção. A Lava Jato destampou o caldeirão e as pessoas sentem o mau cheiro.
Isso gerou a busca pelo “novo”. O sr. já citou como exemplos o prefeito João Doria e o apresentador Luciano Huck, mas eles murcharam.
Murcharam.
Como conciliar essa demanda pela novidade com um sistema político-partidário restritivo, que tem em Alckmin um representante tradicional?
O sistema político de 1988, e eu sou coautor, está se exaurindo. Os partidos viraram sopas de letras. A gente fala do “novo”, mas na sociedade o velho se transforma por dentro. É muito importante ouvir movimentos de gente de fora.
Grupos como o Agora!, RenovaBR e outros?
Eu acho muito positivo, não no sentido ingênuo de que algo de novo sairá. Você não muda nada sem liderança capaz de transmitir essa mensagem. O [presidente francês Emmanuel] Macron era de dentro do sistema e propôs uma utopia progressiva. Aqui precisamos de uma utopia progressiva viável, ainda que seja contradição em termos.
O sr. vê o Alckmin como esse Macron?
Não sei se Macron, porque aqui é diferente. Primeiro, o PSDB ainda não tem um candidato. Claro, o que tem a maior probabilidade de ser é ele. Ele tem o olho nas contas públicas. É fácil mostrar o que acontece quando ele perde, como no Rio. E pessoalmente não há nada contra ele.
Há a acusação sobre caixa dois [em análise no STJ].
Mas aí é uma alegação longíqua, sobre dinheiro de campanha. E ele tem uma simplicidade. A população olha e diz: “Essa gente rouba, faz festa a vida inteira, anda de jatinho”. Precisamos ter uma liderança mais simples, de gente mais normal, sem fanfarronice e pose. O Geraldo tem essa certa simplicidade.
É preciso ser capaz de ouvir gente. Eu fui ministro da Fazenda, eu olhei alguns livros de economia, mas não sou economista. O que eu fiz? Juntei quem sabia. O presidente não precisa ser um sabe-tudo. Ele precisa saber falar com a nação e as pessoas precisam entender. E gente que não é do meu partido que foi capaz disso.
O Lula.
O Lula. Eu falava pouco de inflação, falava de carestia. E isso tudo não basta. Você precisa liderar o Congresso e saber que sem agenda do Executivo, o Congresso paralisa tudo e exige. Quando você não tem isso, é preciso ter capacidade de manipulação do Congresso, e ela deu no que deu: mensalão, petrolão.
É importante também entender a máquina pública. O governador de São Paulo tem todas essas características, foi deputado, ficou anos no cargo. Vai realizar? Depende dele.
Para um partido que se diz reformista, não é contraditório o debate sobre apoiar a reforma da Previdência no PSDB?
Bom, isso está errado. Há um temor dos parlamentares de temas que são impopulares perto da eleição. Para você liderar, você não tem de seguir. Em política, é preciso ter valores. Você pode ganhar ou perder, mas não pode perder a cara. No caso de reformas, tem de ter sensibilidade, mas não se omitir. Senão vamos para um buraco, como o Rio.
Fechar a questão?
Isso só serve para deputado ter uma desculpa. A reforma vai resolver os problemas do Brasil, mas é um começo. Muito está mudando. Eu não gosto de ver gente na cadeia, inclusive algumas que eu estimo. Mas é verdade que é a primeira vez que estamos vendo gente poderosa na cadeia.
Mas calma. É preciso que a Justiça julgue, que não fique só na acusação. Só chegamos aonde chegamos porque houve muita leniência na cultura brasileira. Só se muda com exemplo. Acho que os líderes dos partidos têm de se comportar como dizem que são.
Assim, como fica o PSDB com o senador Aécio Neves, investigado na Lava Jato?
São alegações.
Não só, há um áudio bem claro [pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista].
Tem áudio por todo lado. Nem todos os partidos basearam sua renda em crime. O PSDB não organizou nada. Uma coisa é a pessoa desviar conduta, mas aí a responsabilidade é individual.
Mas ainda assim o PSDB associou-se a um governo que já carregava acusações graves.
Bom, até hoje dizem que eu comprei os votos da reeleição. Isso está no seu jornal [a Folha revelou o caso em 1997]. Mas quem é acusado tem de se explicar e o partido não tem de encobrir. Não estou aliviando para ninguém.
Há um constrangimento? Seria melhor o Aécio se afastar?
Natural [o constrangimento], não só no PSDB. Eu não vou dizer o que ele deve fazer, mas tenho a dizer que todas essas situações no Brasil são muito constrangedoras.
Como o sr. avalia o fenômeno Jair Bolsonaro ?
Nos acostumamos a achar a direita uma coisa só. E não é.
Há centrão fisiológico, há conservadores, e há um setor novo que é autoritário. Isso é uma coisa nova, uma reação à desordem. Não se deve confundir autoritarismo com necessidade de segurança.
Esse debate não está sendo capturado por essa franja mais extrema?
Acho que sim. Bandido bom é bandido julgado, não morto. Agora, dizer que bandido é bom não é possível. As pessoas ficam meio constrangidas de dizer isso porque acham que é coisa de direita.
É algo cultural, tanto que há aquele ditado segundo o qual todo político é de esquerda até governar. O sr. ainda se considera de esquerda?
Eu me considero dependendo de como você define. Hoje não é mais tanto “left and right” (direita e esquerda, em inglês), mas “right and wrong” (certo e errado). Claro, é uma simplificação. Você tem de ter um sentido de justiça social. Não pode achar que o mercado resolve tudo.
O discurso da gestão esteve muito presente na eleição paulistana de 2016, com a vitória do Doria. Como o sr. avalia essa queda de avaliação dele?
É preciso esperar um pouco para ver. As pessoas têm sempre a capacidade de se recuperar e também de cair mais. A modernização da gestão implica aprender que a gestão pública não é igual à privada. Eu não me preocupo muito com subidas e descidas, quantas vezes isso aconteceu comigo? Vinha pesquisa e dizia que eu era arrogante. Eu, arrogante? Nunca fui, mas na pesquisa pode dar. Vou fazer o quê?
Como o sr. avalia o impacto para o processo democrático do caso da condenação de Lula? O PT diz que eleição sem ele será uma fraude.
Quando Lula ganhou, ele o fez com um discurso inclusivo. Quando ele perdeu, usava uma linguagem muito sectária. Ele a está usando de novo, não que ele queira, mas não sobrou muito. Nesse momento, o Brasil precisa de uma linguagem de união.
Como o sr. vê a resistência Michel Temer no cargo?
Ele foi presidente da Câmara por três vezes, foi presidente do PMDB, e entendeu que tinha de fazer coisas para a história. O resto é o resto, todos têm suas circunstâncias.
Hoje o sr. defenderia a entrada no governo?
Naquela hora o PSDB tinha responsabilidade. A questão não é o desembarque. Você acha que o país vai perguntar sobre isso na hora de votar? Sou reticente sobre impeachment, mas uma hora não dá mais. Se fosse parlamentarismo, só caía o governo.
Há espaço para discutir parlamentarismo? Há essa ideia de um semipresidencialismo.
Não. É para o futuro. O espaço daqui em diante é para eleição e o que a afeta: Lava Jato, clima da economia.
Falando em economia, o sr. acha que o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) tem chance de ser candidato?
Você acha (risos)? Acho que seria um erro haver uma divisão. Não há condições políticas para alguém que não tenha uma estrutura partidária mais sólida. Poderia haver um “outsider” correndo por fora, mas não é tão simples.
A estrutura político-partidária é restritiva. Não é como a França, mais permeável.
E lá o presidente é eleito primeiro e o Congresso vem depois. Isso tinha de ser pensado. Aqui, pode ganhar sem maioria. Na França, ele ganha e aí vai construir sua maioria.