Empresário de Patos (PB) fala dos desafios, realidade brasileira e sua aposta nos pequenos negócios; conta como enfrentou o auge da crise em 2016 e construiu sede sustentável para sua pequena indústria
Há 21 anos, Giovani Araújo Lima comanda a Vice & Versa, pequena fábrica que produz uniformes esportivos e camisas promocionais, em Patos (PB). Atualmente a equipe da empresa é integrada por 15 funcionários. Ele é um líder sustentável, pois acredita na sustentabilidade como conceito que deve ser praticado, especialmente pelos pequenos negócios, pelo fato de diminuir custos e aumentar a responsabilidade do empresário em relação às pessoas e ao meio ambiente.
Em sua fábrica, ele sempre procura o equilíbrio entre os aspectos ambientais, humanos, sociais, culturais e econômicos. Giovani se orgulha por nunca ter tido uma reclamação trabalhista. Acredita nos microempreendedores individuais (MEI) e empresários de pequeno porte como força propulsora do desenvolvimento sustentável brasileiro. Particiipa ativamente da vida da cidade, em entidades empresariais e das atividades comunitárias.
Antes de empreender, trabalhou durante quatro anos em São Paulo (SP), onde observava os tipos de patrões para os quais trabalhou em pequenas e grandes empresas. Analisava suas qualidades e defeitos e assim construiu o perfil de como seria, quando fosse patrão e empresário. Na época em que voltou à ensolarada Patos no sertão paraibano, seu sonho era abrir um negócio, gerar 100 empregos com carteira assinada e ser uma empresa correta e ética, do jeito que todas deveriam ser, segundo ele.
“Trabalhei durante dez anos para abrir meu negócio, mas não foi possível como imaginei. Gerei mais postos de trabalho, talvez, nos cursos de serigrafia que ministrei na região”, confessa. Hoje, por conta da sustentabilidade, retirou a serigrafia do processo produtivo da Vice & Versa, porque polui o solo e a água. Na fábrica, o processo é totalmente digital, sem resíduos, nada vai para o esgoto, só a parte de papel, que depois é reciclado. Os 100 empregos não foram possíveis por dois motivos: a automação e a competição louca que é o mercado. “Uma guerra sem bala”, resume.
“O Sebrae sempre me ajudou”. As consultorias sobre energias renováveis, lay out e processos pelo Sebraetec foram preciosas, detalha. Sem falar nos cursos e eventos, que sempre participa. “ Bota o cérebro da gente para andar”, enfatiza.
Para Giovani, o Brasil só vai engrenar quando tiver na liderança pessoas com a mentalidade na sustentabilidade.
Divisor de águas
No início, a fábrica confeccionava camisas de algodão orgânico colorido. A matéria-prima é abundante na Paraíba, mas, com o tempo, percebeu que para realmente ser bem-sucedido teria de estar em outro lugar, contar com mais recursos financeiros, mão de obra qualificada, design, logística, entre outras coisas. Continuar se tornaria insustentável.
Em 2006, teve uma experiência que se tornou um divisor de águas, ao vir à Cuiabá para um evento do Sebrae MT no Centro de Eventos do Pantanal. Ele ainda trabalhava com algodão orgânico colorido. O evento era sobre ecoempreendedorismo. Fez uma camiseta, sem compromisso, e enviou para a organização e acabou sendo contratado como fornecedor do Sebrae MT e convidado para fazer palestra no evento. “Acho que foram mais de mil camisas e ficaram impressionados com a minha história”.
Giovani conta que chegou curioso, querendo ver o que era empreendedorismo sustentável. “Vi uma quantidade enorme de pessoas preocupadas com o planeta. Não eram só alguns, era muita gente mesmo preocupada, muitos microempresários que pensavam como eu”, conta.
Percebeu que muitas empresas investiam em trabalhar do jeito sustentável, acrescenta. “Acredito que elas estão, hoje, muito bem. Se eles praticaram o que falaram, tiraram de letra. As crises abalam, mas não derrubam quem tem alicerce forte, valores que aprendemos com os pais, depois com as pessoas e a religião”, observa o empresário.
Giovani diz que voltou para o sertão com o aprendizado sobre sustentabilidade na bagagem. Decidiu que sua empresa seria sustentável, pois, até então, não era. “Achava que era ter dinheiro e produtos sustentáveis. Faltava controlar mais as contas. Tinha 40 funcionários, mas era uma loucura. Não tinha foco, trabalhava sem sustentabilidade, dava tiro para todos os lados. Não parava de trabalhar, das 6 às 2 h da manhã. Ia chegar ao caos”, relata. Futebol sempre será o escape do povo brasileiro, diz empresário
Tecidos inteligentes
Resolveu mudar o negócio. Parou de trabalhar com o algodão, adaptou a pequena fábrica para produzir uniformes esportivos e camisas promocionais com tecidos inteligentes. As peças produzidas pela Vice & Versa possuem tratamento dry (seco), tramas com fios que permitem a transpiração, proteção UV (ultravioleta), íons de prata (ajudam a eliminar o odor), impressão em sublimação. Enfim, tecnologia que permite design e peças confortáveis para esportes e promoções. Encontrou o projeto sustentável para seu negócio em todos os sentidos.
A fábrica só trabalha sob encomenda (no mínimo 10 peças) e também vende via site: www.viceeversa.com.br Trinta por cento (30%) das vendas são feitas pela Internet. O empresário revela que vai montar uma loja virtual. Já está vendendo para todo o país. O carro-chefe são os uniformes para futebol de campo, uma paixão nacional, segundo ele. “Não existe crise na área da bola, é a única válvula de escape para o trabalhador”, ressalta. Abadás para carnaval também são fabricados pela Vice & Versa. “Segui a linha das duas paixões nacionais: futebol e carnaval”, brinca.
Crescimento duvidoso
O empresário conta que não acredita em crescimento rápido. “Não acreditei naquele ‘desenvolvimento’, de anos atrás: todo mundo de carro novo, todo mundo viajando. Não tem como uma pessoa com menos de dez anos comprar tudo que sonhou. Achava que tinha alguma coisa errada. Eu não gosto de crescimento rápido, não acho sustentável.”.
Era tudo com crédito, com juros, com dinheiro de bancos, critica. “Quando vejo todo mundo indo pelo mesmo caminho, vou para outro. Nessa época, fiz reserva, investi em equipamentos, nada de consumo exagerado, nem aumentando a produção, me preparando para um novo projeto. Não adianta produzir 10 mil peças no primeiro semestre e, no segundo semestre, produzir 2 mil e demitir as pessoas”.
O correto é você mantém o rio sempre perene, aconselha. Durante aquela época, em que o Brasil crescia muito rápido, estruturou sua fábrica.
Luta
A solução do Brasil são microempresas mais fortes e sustentáveis, mas a burocracia e as altíssimas taxas de juros não deixam o desenvolvimento e a evolução acontecerem, segundo Giovani. O sonho das pessoas é criar bem os filhos, ter uma boa casa, viajar e ajudar os outros.
“A luta dos pequenos negócios é incessante. Agora, têm que competir com os negócios na internet e a inteligência virtual. As grandes corporações já sabem o que as pessoas gostam e não gostam. Os menos preparados caem nas artimanhas dos algoritmos e se tornam consumidores vorazes e não conseguem poupar.
Boa escola
“Outra coisa que descobri é que as microempresas são boas escolas para educar os filhos. É bom levar filhos de 15 ou 16 anos para a empresa e deixar eles verem o trabalho para comprar o pão de cada dia”. Infelizmente a maioria dos microempresários não quer que os filhos aprendam a sua profissão. Os filhos só estudam e acabam no livre arbítrio na escola e muitas vezes não aprendem a gostar do trabalho, segundo ele.
Crédito
Giovani só fez financiamento em banco uma única vez para capital de giro.
O grande entrave das microempresas são as altas taxas de juros, reclama. No final das contas, não tem lucro, a margem de lucro é muito pequena. O empresário só paga e ainda corre o risco de perder patrimônio para o banco, dispara.
Os pequenos negócios gerariam mais empregos se houvesse tratamento realmente diferenciado por parte do sistema financeiro. Se os gerentes de banco conhecessem seus clientes pessoalmente, veriam que empresários de pequeno porte precisam de crédito para investir em máquinas e no negócio. Por estes motivos, diz que só investe recursos próprios no negócio. Demora mais para crescer, mas tudo bem.
Sem demissões
“Nunca foi fácil para a gente”, afirma. De repente, veio a queda. A Vice & Versa não foi tão afetada. 2016 foi terrível para todo mundo. Convocou a equipe, disse que todos estavam no mesmo barco, iam atravessar uma tempestade e teriam de fazer mais do que antes. As reuniões com a equipe eram mensais para dar injeção de ânimo. Não demitiu ninguém.
“É terrível o ser humano sem certeza de comer o pão”, observa. Cortou as ‘gorduras’, até passar a tormenta. Teve semana que quase não tinha serviço. Dizia: isto é fase, vai passar.
Para ele, é preciso mudar as opiniões sobre a relação do trabalho: de que o patrão está explorando o trabalhador. A relação tem que ser de troca, mais conversa. Senão o país será cada vez mais subdesenvolvido, acrescenta.
Nova sede
“A gente mora no trabalho e vai dormir em casa”, afirma enfático. No Brasil inteiro é assim. Giovani imaginava uma fábrica que seja confortável como uma casa, que tenha aproveitamento de luz, animais, plantas. Conta satisfeito que começou a construir este sonho.
Atualmente a equipe ainda trabalha na sede antiga, mas a nova, construída a partir de princípios sustentáveis está pronta, aguardando apenas o melhor momento para a mudança. Ela fica numa área de 1 mil m², possui sistema de captação de água de chuva, cisterna de 40 mil litros, 500 m²de área verde, 500 m² de área construída. Não usa água no processo produtivo. A energia solar vai ser implantada, depois.
O sistema de fossas sépticas permite usar o chorume como adubo no jardim montado no telhado verde. O projeto arquitetônico do prédio considerou os ventos e o sol para proporcionar conforto térmico e não depender de ar condicionado. A temperatura no interior ficará em torno de 24 graus, enquanto do lado externo é, em média, 35 graus. A iluminação é natural. “Tudo isto influencia no lucro da empresa, cria um ciclo de prosperidade, cada vez usando menos recursos artificiais”.
Qualidade de vida
Giovani fala que optou também por não viver só para o trabalho e ganhar dinheiro. Quer ter tempo para a família, esportes e descanso. Ele diz que é errado o modo como vivem os empresários no geral. É insustentável, avalia.
A Vice & Versa funciona de segunda a sexta. “Descanso para mim não é preguiça. Tenho horário para o descanso. Há milhares de anos, a natureza nos mostra que é preciso descansar”, justifica o líder sustentável do sertão paraibano. (www.viceeversa.com.br ).