Em vigor desde sábado, a reforma trabalhista representa a primeira grande mudança para os sindicatos brasileiros em 80 anos. Segundo estudo inédito do pesquisador André Gambier Campos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o fim da contribuição obrigatória, prevista na nova legislação, representará uma queda de mais de 60% da arrecadação dos mil maiores sindicatos do país, aqueles com dez ou mais funcionários. Sem o recurso — criado durante a Era Vargas —, muitos correm risco de não fechar as contas ou encolher. Para especialistas e dirigentes de entidades, o movimento sindical no país precisará se adaptar, principalmente em um momento em que a negociação coletiva tende a ganhar força nas relações de trabalho. Unificação de sindicatos, busca de maior representatividade, redução de estrutura, extinção de serviços e reajuste de mensalidades estão entre as estratégias para a nova fase, informa reportagem de Marcello Corrêa e Cássia Almeida, de O Globo.
O trabalho do Ipea tem como base números de 2015, os últimos disponíveis, e faz o recorte por quantidade de funcionários para excluir da conta os sindicatos de fachada, quase sem estrutura, formados basicamente para receber o imposto sindical. Das 10.817 entidades analisadas, 27,5% — quase três mil — não tinha sequer um funcionário.
Naquele ano, os mil maiores arrecadaram R$ 807 milhões com a contribuição obrigatória. Outros R$ 510 milhões vieram da contribuição assistencial, definida por acordo coletivo e opcional. Juntas, essas principais arrecadações somam R$ 1,3 bilhão. Ao tirar o imposto sindical da conta, a receita cairia 61,3%.
— Os sindicatos sem representatividade vão mesmo desaparecer, não têm razão de ser, e esse é o lado bom da reforma. Mas os dados mostram que mesmo os grandes vão estar asfixiados por falta de custeio — afirma Gambier.
O dinheiro da contribuição assistencial também está em xeque, porque uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a taxa só pode ser cobrada de trabalhadores sindicalizados.
Maior do país, com 500 mil trabalhadores, o Sindicato dos Comerciários de São Paulo prevê redução de serviços. Hoje, a entidade tem orçamento de R$ 90 milhões, dos quais cerca de R$ 30 milhões vêm do imposto sindical. Só o serviço de saúde, que atende a mais de 200 mil por ano, consome R$ 40 milhões do caixa.
— No curto prazo, é diminuir o tamanho do sindicato. Temos um prédio de 13 andares, onde vamos alugar algumas salas. Vamos chamar os mais de 500 prestadores (de serviços médicos) para renegociar contratos, esperando a solidariedade deles — exemplifica Ricardo Patah, presidente do sindicato e também da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
A estratégia inclui ainda aumento da sindicalização, hoje em 13%. Patah conta que buscará atrair mais empregados com vantagens, como mais convênios em universidades e um cartão de desconto em lojas parceiras, só para filiados. Também está previsto corte de cem dos 650 funcionários para o próximo ano. A entidade já dispensou 66 neste ano por meio de um Plano de Demissão Voluntária (PDV).
A UGT tem sido uma das principais centrais a negociar por fontes alternativas de financiamento ou um período de transição para o fim do imposto. Mas nem todas as entidades da central concordam com a contribuição obrigatória. Moacyr Pereira, presidente do Siemaco-SP, que representa os cem mil trabalhadores na área de asseio e limpeza urbana da capital paulista, é a favor do fim da contribuição obrigatória. Ele afirma que a entidade não depende dessa fonte de renda e aposta no aumento da sindicalização para se manter no azul:
— Dos 120 funcionários que temos, 80 ficam na rua, trabalhando em filiação e orientação. É trabalho de base.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior do país, estima perda de 35% da receita com o fim do imposto sindical. É a central menos dependente do imposto e sempre defendeu o fim da contribuição compulsória. Tem principalmente sindicatos de servidores públicos, que não descontam a contribuição compulsória, mas repassam parte das mensalidades do sindicalizados à central. Os outros sindicatos da central também repassam parte das mensalidades. Além disso, as entidades filiadas à CUT têm taxa de sindicalização mais alta que a média brasileira — 35% contra 12,1% — o que garante mais receita. Segundo Quintino Severo, diretor de Finanças da CUT, para sindicatos como os de bancários, metalúrgicos, químicos e petroleiros, o impacto da perda da receita será menor, mas os de categorias como operários da construção civil, comerciários, funcionários de fábricas de calçados e de serviços de alimentação, nos quais a rotatividade é muito alta, serão mais atingidos:
— Estamos fazendo campanha de sindicalização, buscando outras formas de financiamento, unificando sindicatos.
Segundo Severo, a CUT recebeu R$ 52 milhões este ano de imposto sindical (as centrais ficam com 10% do imposto sindical recolhido), o que representou 32% de suas receitas.
Entre os bancários, há preocupação, mas não extrema, com o fim do imposto sindical, de acordo com Roberto von der Osten, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT):
— A média de sindicalização é de 52% da categoria, alguns chegam a 90%. Estamos preocupados, mas não seremos atingidos de morte. Acabou essa história de sindicato oferecer colônia de férias. O que não é da natureza do sindicato vai acabar. Temos que focar na luta e emagrecer essa estrutura patrimonial.
Para ele, o problema é que não houve um ritual de passagem para o fim do imposto, o que vai afetar sindicatos de categorias muito pulverizadas, que são difíceis de mobilizar e com salários baixos:
— Qualquer mensalidade impacta o trabalhador.
No Sindicato dos Bancários de Brasília, 74% dos 27 mil trabalhadores da base são sindicalizados. Este ano, o imposto sindical respondeu por R$ 5 milhões das receitas, de R$ 16 milhões. Além das mensalidades, houve ganhos com ações e de implantação de comissões de conciliação.
— Nosso objetivo era organizar o sindicato sem necessidade do imposto em 2019. Tivemos que antecipar para 2018. Projetamos orçamento enxuto de R$ 8 milhões, sem precisar demitir nem cortar serviços para os associados — afirma Eduardo Araújo, presidente do sindicato.
Este ano, foram recolhidos R$ 3,453 bilhões de imposto sindical — 61% foram para entidades sindicais de trabalhadores; 23%, para representações dos empregadores; e 16,3%, para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fonte de recursos do BNDES.
REESTRUTURAÇÃO SINDICAL
Especialistas preveem mudanças na estrutura sindical. Segundo Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, o modelo em que as conquistas das negociações coletivas são estendidas a toda a categoria e a contribuição é facultativa não tem similar em outros países:
— Ou é um modelo em que a contribuição é compulsória e todos se beneficiam das conquistas, mesmo sem estar sindicalizados, ou a cobrança é somente dos sindicalizados e os ganhos com as negociações só são repassados aos associados.
Para Helio Zylberstajn, professor do Departamento de Economia da FEA/USP, a reforma provocará uma reestruturação do movimento — Deste Getúlio Vargas, tivemos uma proliferação de sindicatos municipais. Muitos vão desaparecer e acabar se fundindo com os vizinhos. Deve ser um movimento vertical, para fortalecer, e horizontal, para chegar nas bases.
Já o sociólogo José Pastore, especialista em relações do trabalho, prevê valorização das entidades:
— É uma oportunidade riquíssima para os dirigentes sindicais apresentarem pautas ousadas e avançarem nos benefícios para seus filiados.