A força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR) encaminhou uma carta ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal (CNPCP), sugerindo alterações na extensão do indulto natalino realizado anualmente pelo presidente da República. Na carta, procuradores reforçam risco de impunidade da grande corrupção identificada na Lava Jato e outras grandes investigações, informa reportagem do Congresso em Foco.
O indulto é o perdão das penas de criminosos e, caso mantidos no futuro os critérios do último decreto de indulto (n.º 8.940/16), diversos réus condenados por crimes gravíssimos na Operação Lava Jato cumprirão penas irrisórias. Pelos critérios atuais, “um condenado por corrupção a 12 anos de prisão será indultado após cumprir 3 anos, se for primário. Um condenado por corrupção a 12 anos de prisão, se for primário e tiver mais de 70 anos de idade, será indultado após cumprir apenas 2 anos”.
Num levantamento preliminar com base em decisões proferidas pela Justiça Federal do Paraná e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), pelo menos 37 réus que já foram condenados a penas privativas de liberdade inferiores a 12 anos na Lava Jato.
O documento ressalta que réus de colarinho branco, tradicionalmente, não são reincidentes. Isso se dá porque seus crimes raramente são punidos, e não necessariamente pela correção de seu passado, ou, quando são condenados, as penas são extintas por prescrição, caso em que permanecem na condição de primários.
Além disso, o perfil dos criminosos do colarinho branco é de pessoas de meia-idade e, em decorrência da longa duração de seus processos, a pena só é executada quando possuem mais de 60 ou 70 anos e muitos anos depois da prática dos ilícitos. Isso aconteceu, por exemplo, como aponta o ofício, nos casos “Lalau” e “Maluf”.
Segundo a carta, a amplitude do indulto pode tornar a corrupção “um crime de baixíssimo risco no Brasil”, em especial quando se consideram a pena baixa e as dificuldades de descobrir, comprovar e aplicar uma pena aos criminosos. Os procuradores mencionam ainda um estudo da Transparência Internacional que aponta, entre os riscos de indultos excessivos, a perda do efeito dissuasório da pena, o enfraquecimento do Estado de Direito, o florescimento de uma cultura de impunidade, a desmotivação na condução de investigações e a diminuição da confiança no sistema de justiça, o que pode criar um ambiente favorável à corrupção e aos crimes em geral.
Outro ponto a ser destacado no documento enviado à CNPCP é que o indulto da corrupção não contribui para a solução do problema carcerário, pois, conforme o “Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil”, da Secretaria-Geral da Presidência da República no ano de 2014, os crimes contra a Administração Pública no período entre 2008 e 2012 correspondem a apenas 0,4% dos presos, o que ainda engloba vários crimes diferentes da corrupção. Ou seja, o indulto de corruptos não traz benefícios relativos à redução da população carcerária e, no contexto da corrupção, tem efeitos altamente maléficos.
No documento, os procuradores sugerem que o indulto natalino não seja estendido a crimes de corrupção e relacionados. Se não aceita a sugestão, a força-tarefa propõe que a concessão do indulto fique sujeita a outras condições, como o ressarcimento aos cofres públicos, do mesmo modo como ocorre com outros benefícios penais. A adoção dos critérios atuais torna as condições de indultos recentes excessivamente benéficas para réus de corrupção e outros crimes contra a Administração Pública. “A expedição de indulto nesse contexto pode caracterizar, até mesmo, excesso do poder de indultar, violando o princípio constitucional da vedação da proteção deficiente”, defende trecho do documento.
Para o procurador coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, “no caso da corrupção, o indulto não contribui para diminuir a superpopulação carcerária porque quase ninguém está preso por esse crime no Brasil. Hoje, o corrupto que foi condenado a 12 anos cumpre apenas 2 ou 3 e é perdoado no Natal, mesmo que não tenha devolvido um centavo dos milhões que desviou. Ou seja, 75% ou mais da pena do corrupto é perdoada e ele continua com os bolsos cheios. Isso é um ultraje ao mais básico sentimento de justiça e passa a mensagem de que a corrupção vale a pena”.
Critérios
Os critérios para concessão do indulto já sofreram alterações em pelo menos dois períodos recentes. Entre os anos de 2007 e 2009 o critério geral para concessão do benefício era a condenação a pena privativa de liberdade não superior a 8 anos e o cumprimento de 1/3 da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente. O mesmo critério era adotado para condenados a pena superior a 8 anos que tivessem mais de 60 anos.
A partir de 2010 até 2015 houve diferenciação para crimes praticados sem grave ameaça ou violência à pessoa (corrupção), para os quais o critério passou a ser condenação a penas privativas inferiores a 12 anos e o cumprimento de 1/3 da pena, se não reincidentes, ou de metade, se reincidentes. Nesse mesmo período, além de se manter o critério anterior para pessoas com 60 anos completos, passou-se a adotar critério específico para pessoas maiores de 70 anos com a concessão de indulto a partir do cumprimento de 1/4 da pena se não reincidente, e 1/3 se reincidentes.
O Decreto 8.940/16, contudo, novamente alterou os critérios para a concessão de indulto aos condenados sem grave violência ou ameaça (aí a corrupção) a partir do cumprimento de ¼ da pena, se não reincidentes, e 1/3, se reincidentes (Art. 3º do Decreto 8.940/16) e, nas hipóteses especiais que abrangem pessoas maiores de 70 anos de idade, reduzir o critério de cumprimento da pena para 1/6, para não reincidentes, e ¼ para reincidentes.
Com informações do Ministério Público Federal