O Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB) participou de uma audiência pública na Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) sobre a Portaria nº 1.129/2017, que modifica o conceito de trabalho escravo e traz novas regras sobre a publicação da ‘Lista Suja’. Durante o debate, o procurador-chefe do MPT-PB, Carlos Eduardo de Azevedo Lima, alertou sobre o perigo de mudar regras de combate ao trabalho escravo contemporâneo.
A audiência pública “Mudanças na Legislação de combate ao trabalho escravo, suas consequências e a exploração extrema dos trabalhadores” aconteceu na manhã da última segunda-feira (30/10), e contou também com a presença do procurador do Trabalho Paulo Germano Costa de Arruda, coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) no Estado, além de auditores ficais do Trabalho, representantes de entidades de classe e lideranças sindicais.
Carlos Eduardo destacou que é preciso acabar com o trabalho escravo, combatendo essa prática e não mudando os conceitos. O procurador enfatizou que a Portaria 1.129 – do Ministério do Trabalho (MTb) – é ilegal, porque “contraria frontalmente o que prevê o artigo 149 do Código Penal e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao condicionar a caracterização do trabalho escravo contemporâneo à restrição da liberdade de locomoção da vítima”.
“É chocante que, em pleno século XXI, ainda tenhamos trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão, tratados como peças meramente descartáveis”, afirmou o procurador-chefe do MPT-PB, Carlos Eduardo.
O procurador-chefe do MPT-PB, Carlos Eduardo, alertou sobre o perigo de mudar regras voltadas para o combate ao trabalho escravo contemporâneo.
“Não estamos tratando de meras irregularidades trabalhistas, de afronta a um ou outro direito de menor relevância. Estamos falando de graves afrontas à dignidade do trabalhador. Não se concebe que só se considere como trabalho escravo aquela situação do trabalhador acorrentado. Lamentavelmente, em pleno século XXI, ainda nos deparamos com trabalhos em condições análogas à de escravo, cujas correntes se apresentam de maneira sutil como forma de se disfarçar. E essa Portaria não busca avançar no combate ao trabalho escravo, mas sim enfraquecer o seu combate”, comentou.
“O Brasil, que vinha servindo de exemplo para o mundo inteiro no combate ao trabalho escravo, agora, lamentavelmente, vem apresentando medidas de inegável retrocesso social. Tenho certeza de que a sociedade não vai aceitar medidas como esta. Esperamos que o plenário do Supremo Tribunal Federal se mantenha nesta linha e além disso, não avancem proposições legislativas de cunho ainda mais precarizante”, ressaltou Carlos Eduardo.
Mão de obra escrava
Segundo o Observatório Digital do Trabalho Escravo, lançado este ano pelo MPT e pela OIT, os municípios paraibanos que mais exportam trabalhadores para a mão de obra escrava em outros Estados são Patos, no Sertão (que aparece em 1º, com 64 egressos naturais e 67 residentes), seguido de Pombal, Araruna, Picuí, Manaíra, Boa Vista, Serra Branca, Juripiranga e Cuité.
Mobilização popular
“O povo precisa saber o que está acontecendo no país. De eventos como este certamente se extrairá um registro histórico da resistência do parlamento municipal e da sociedade paraibana. Esses movimentos ocorrem em todo o país, é uma grande corrente e esforço institucional, que leva a essa mobilização popular superimportante para que se acumule essa resistência, insatisfação a toda essa perversidade contra o povo brasileiro”, afirmou o procurador Paulo Germano.
Reação
O autor da propositura foi o vereador Marcos Henriques, que coordenou o debate no âmbito da Comissão de Políticas Públicas da Câmara Municipal de João Pessoa. “Estamos num momento muito difícil no país e temo muito por isso. Durante todo esse tempo, vi auditores fiscais do Trabalho serem assassinados no cumprimento do seu dever, fiscalizando o trabalho escravo. A simbologia dessa Portaria é muito mais do que um retrocesso, é muito mais do que subjugar nosso país a um nível tão baixo”, afirmou.
O parlamentar disse ainda que, apesar de a portaria ter sido suspensa, é necessário que todos estejam atentos para evitar que a matéria volte para a pauta. “Essa portaria elimina proteções legais dos trabalhadores rurais e diminui a atuação dos fiscais do Trabalho. É mais um retrocesso em relação aos direitos trabalhistas, que exige uma reação popular”, reforçou.
Carta ao STF
No final da audiência, os participantes decidiram elaborar, de forma coletiva, uma carta manifestando o posicionamento contrário à aprovação da Portaria 1.129/2017 para ser enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF). O texto deve ser submetido à aprovação do Plenário da Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP), na próxima semana.
NA PARAÍBA
Foram contabilizados os seguintes dados a partir de 2003, ano de lançamento do I Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo:
OPERAÇÕES E RESGATES
3 operações
52 resgates
23ª posição no Brasil com 0,12% do total
17,33 resgates por operação (envolvendo 3 inspeções/fiscalizações)
66,67% de inspeções/fiscalizações com resgates
EGRESSOS NATURAIS
478 trabalhadores egressos nascidos no Estado
16ª posição no Brasil, com 1,36% dos egressos por naturalidade
EGRESSOS RESIDENTES
362 trabalhadores egressos que declararam residir, no momento do resgate, no
Estado
17ª posição no Brasil, com 1,03% dos egressos por residência
(Fonte: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/)