A especialista em coligações eleitorais e financiamento partidário Silvana Krause faz um alerta: eleitores não devem esperar que a reforma política aprovada no Congresso traga renovação ao Legislativo e ao Executivo em 2018.
Para ela, as mudanças vão desincentivar a criação de novos partidos, mas não vão diminuir a fragmentação que já existe. A relação direta entre financiador e político é, segundo Krause, a chave do problema. Na opinião dela, a reforma foi pensada apenas para diminuir os desgastes de negociação na Câmara.
Como a Folha mostrou nesta segunda (30), pesquisadores apostam que as novas regras aprovadas no começo do mês —fundo público eleitoral, cláusula de desempenho e, a partir de 2020, fim das coligações proporcionais— devem beneficiar os grandes partidos e os políticos com mandato.
Leia a entrevista, concedida durante o 41º encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), na semana passada.
Folha – A senhora tem a expectativa de que a reforma aprovada traga renovação da classe política em 2018?
Silvana Krause – Ao que tudo indica, mesmo aparecendo um candidato “outsider”, os principais partidos que atuam no mercado político vão permanecer e vão ser essenciais para a eleição de um “outsider”. Se ele for eleito, está completamente na mão dos partidos cartelizados —os principais, os que mais têm participação, aqueles que pactuam para se proteger diante de um mercado infiel, pois o eleitor vota e no ano seguinte nem sabe mais em quem votou. O sistema está fragilizado, mas eles vão se articular no primeiro e no segundo turno para eleger esse “outsider”, se houver um. Então, de que tipo de renovação estamos falando?
E no Legislativo?
Está tudo muito instável, mas a sensação que tenho é a de que a classe política, o cartel, está muito bem, obrigado. Se isso vai ser quebrado, eu duvido muito. Não vai mudar porque não mexeu no financiamento privado, que é o coração do problema.
Como as regras para financiamento de campanhas e de partidos podem afetar a composição no Congresso?
Intuitivamente, diria que essa reforma do fundo de financiamento eleitoral vai fortalecer os cartéis partidários. Se olhamos a tradição dos partidos que recebem dinheiro até 2014 vemos que a grande concentração do recurso privado ficava entre três partidos. O fundo partidário foi importante para que outros atores pudessem se apresentar ao mercado. Tinha o sentido de diminuir um pouco esse cartel. Essa reforma vai desincentivar formação de novos partidos e concentrar os recursos nos que já estão atuando.
Não se sabe qual é o efeito, mas provavelmente vai dar num número menor de partidos no Congresso. O fundo partidário vai ser distribuído de acordo com a representação de cada um. Se a eleição fosse hoje e a votação fosse a mesma de 2014, 14 partidos seriam excluídos em 2019.
Qual é o impacto para novos partidos?
Todos os partidos terão direito a fundo público para verba de campanha. Você terá verba garantida para competir. Mas, se o partido não obtiver representação o bastante, não vai ter acesso ao fundo partidário, então aumenta o risco. Em ano eleitoral você tem o recurso, mas no resto do tempo, não necessariamente. Vai desincentivar a criação de novos partidos, mas não diminuir a fragmentação que já existe.
Por quê?
Essa reforma não enfrentou questões-chave da natureza do financiamento no Brasil. A possibilidade de se ter financiamento privado direto permanece. Não há mais financiamento empresarial, mas você tem empreendedores na política. Isso vai permanecer e vai se aprofundar como já se aprofundou nas eleições de 2016. Então não muda a lógica. O problema não é que haja financiamento privado, o problema é como ele é feito. O sistema atual produz pouco atores muito interessados em investir. Ele não corta a relação direta entre o financiador e o político. O fim do financiamento por pessoa jurídica não vai ter efeito porque empresários vão doar de outras formas, por meio de várias pessoas físicas, por exemplo.
Então qual pode ser a solução?
Um fundo privado no qual não se pode investir no candidato x, y, z. Você investe no fundo com incentivos —via renúncia fiscal, por exemplo— para que vários atores possam participar. Isso cortaria o vínculo direto. Quem investe na política são atores muito específicos. É muito concentrado. Como se dispersa esse sistema de financiamento? Fazendo com que outros atores tenham interesse em dar dinheiro. Muitos setores veem a política como uma coisa muito distante, não legítima. Daria espaço para que tivessem links diretos.
Como avalia o fim das coligações para eleições do Legislativo?
Isso foi positivo. Coligações nas eleições proporcionais desqualificam a representação política. O eleitor vota em pessoas, e não em partidos. Ele acha que seu voto está sendo respeitado, mas na prática, não acontece isso, o voto vai para a contabilidade da coligação.
Coligações também dão espaço excessivo para pequenos partidos. Em 2014, apenas sete dos 28 partidos eleitos atingiram 5% dos votos válidos.
Coligações servem como estratégia eleitoral. Na Câmara os partidos não têm obrigação de manter esse vínculo na ação política. Em suma, não contribuem para uma maior qualidade do nosso sistema representativo.
A senhora diz que historicamente as propostas de reforma política sempre tiveram um espírito conservador, “mudar para permanecer igual”. O que acha que está por trás desta?
Temos que ter muito claro que esta é a sétima tentativa de reforma política. É sempre muito barulho para pouco resultado. Em geral, elas vêm com o significado de mudar para manter, nascem do receio de que alguma mudança possa alterar o status quo.
Não se deve ter expectativa de que uma reforma política, apesar de importante, garanta uma solução definitiva para aprimorar o nosso sistema representativo e político. Esta reforma não foi uma reforma de fato.
Acredito que ela foi muito pensada para diminuir os desgastes de negociação na Câmara. Temos um sistema partidário altamente fragmentado no Congresso. Você tem que negociar com vários ao mesmo tempo. Ao ter menos partidos no mercado, você diminui o número de atores para não ter que ficar negociando casuisticamente cada agenda. Isso é muito desgastante e moroso. Pode diminuir o número de atores mas vai aumentar a concentração dos recursos para os partidos cartelizados. Diminuir e manter os médios – PMDB, PT, PSDB.
SILVANA KRAUSE, 54
Quem é: Professora associada da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Formação: Graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1986), mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1991) e doutorado em Ciência Política – Katholische Universität Eichstätt – Ingolstadt, Alemanha (2003)