A fragilidade do policiamento no interior da Paraíba, vista nos ataques a bancos, tem deixado claro para especialistas que, se um bando quiser tomar uma cidade inteira, saquear casas e atacar pessoas, fará sem nenhuma dificuldade. Para José Maria Nóbrega, doutor em Ciências Públicas e coordenador do Núcleo de Violência da Universidade Federal de Campina Grande, o ideal mínimo era que uma cidade tivesse um policial para cada mil moradores, por plantão. Porém, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado, em agosto deste ano a Polícia Militar da Paraíba tinha 8.736 membros, divididos em quatro turmas, que se revezam em uma escala de 24 horas trabalhadas por 72 horas de folga, restando, portanto pouco mais de 2.100 por plantão, para tomar conta de 3,9 milhões de paraibanos, ainda sem excluir policiais que estejam de férias, licença médica ou afastados por motivos diversos.
Considerando esse efetivo, a proporção é de um policial para cada 18 mil moradores por plantão, se o efetivo fosse dividido de forma igual entre todos os municípios, o que não acontece, porque a maior parte do efetivo fica nas grandes cidades, revela reportagem do Correio da Paraíba.
Total ausência de planejamento estratégico
“A segurança pública da Paraíba age amadoristicamente, sem nenhum planejamento estratégico”, afirmou José Maria Nóbrega, ao enumerar mais um problema do policiamento no Estado e nas outras regiões do Brasil. Segundo ele, a atuação das polícias de forma desordenada é mais grave na região Nordeste. “Não existe nenhum estudo que analise as ocorrências criminais, no sentido de orientar a aplicação do efetivo policial. O governo não tem nenhum técnico para uso do efetivo policial. Segurança é inteligência pura”, criticou.
O especialista também citou o exemplo do Rio de Janeiro, onde o Exército foi usado recentemente para auxiliar no policiamento de comunidades. “Eles apenas chamaram o Exército e deixaram os policiais vagando pelas ruas, sem nenhum planejamento estratégico. Serve apenas para os governantes irem para a imprensa dizer que estão fazendo alguma coisa, quando sabemos que, efetivamente, não vai resolver, porque não ataca o problema da forma correta”, explicou, lembrando que o mesmo se repete diariamente em estados com a Paraíba.
Policiais trabalham no limite
Em seus estudos sobre segurança pública, José Maria Nóbrega constatou que, mesmo havendo profissionais muito capacitados nas polícias paraibanas, esses profissionais trabalham no limite, em vários aspectos. “Eles não têm equipamentos adequados como armas, veículos, infraestrutura em prédios. Quando viajam a trabalho, suas diárias não são pagas nem os gastos são reembolsados, embora o Governo diga que paga. Com tudo isso, os policiais estão longe de ter condições de enfrentamento aos bandidos, em ações de médio a grande porte”, afirmou.
Grupos especializados regionais
Uma alternativa viável de curto prazo, para reforçar o policiamento e ampliar as ações da polícia para além da ordem social nas cidades, seria a implantação de grupos especiais, com sedes regionais, instaladas de forma estratégica em todo Estado. “Essas tropas usam armamento pesado, têm policiais treinados para situações de alta complexidade e ficariam em unidades geograficamente próximas de vários municípios, de forma que, quando ocorresse uma situação como essas em que bandos tomam a cidade para explodir bancos, elas pudessem ser deslocadas para fazer o cerco e um enfrentamento em condições iguais”, explicou José Maria.
OUTROS PROBLEMAS
Agentes estatais ligados ao crime interferem em investigações
Os estudos feitos pelo especialista em segurança pública revelam que o problema denunciado no filme “Tropa de Elite 2” não é apenas obra de ficção. Segundo ele, na Paraíba e em outros estados do Nordeste, investigações da Polícia Civil são paralisadas, por conta de interferência de agentes estatais, que teriam ligações com criminosos. “Um tipo de crime nunca chega a ter grande envergadura se não houver participação de algum agente público, com poderes de interferência na polícia. O que tenho ouvido de agentes e escrivães é que muitas investigações são interrompidas por interferências de agentes públicos ou políticos. A sociedade nunca vai saber que parou, porque parou a investigação. Ficam como casos não solucionados. O que assistimos no filme é a pura verdade. Porque não fizeram o ‘Tropa de Elite 3’? Porque não deixaram mais”, afirmou José Maria.
Dinheiro das malas de políticos vem do crime
Para José Maria, a ligação de agentes públicos com o crime tem se evidenciado nos escândalos políticos recentes no Brasil. Segundo ele, o tráfico de drogas e o roubo a bancos alimenta, por exemplo, as malas de dinheiro que corruptos e corruptores trocam entre si. “O crime está ditando as regras no Brasil, porque gera muito dinheiro e isso interessa a muita gente. O “polígono da maconha”, no interior de Pernambuco, existia graças a essa parceria. Recentemente um bando construiu um túnel de R$ 4 milhões em São Paulo, para roubar o Banco do Brasil. De onde veio esse dinheiro? E de onde vem tanto dinheiro que aparecem nas malas dos políticos? Não existe crime organizado algum, sem que haja respaldo do agente público”, afirmou. O mesmo acontece com os ataques a banco. Esses grupos numerosos, que se organizam para fazer diversos ataques, recebem colaboração de agentes públicos. Vimos isso acontecer recentemente em São Paulo”, acrescentou.
SEM RESPOSTA DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS
Durante dez dias, a reportagem do Correio tentou ouvir os representantes da segurança pública, através das assessorias de imprensa e por telefonemas. Na última quinta-feira, o comandante geral da PM, Euller Chaves, atendeu a um telefonema, feito por volta das 16h e informou que não queria se pronunciar sobre o assunto de efetivo policial, indicando a Secretaria da Segurança para responder. Na mesma tarde, o secretário Cláudio Lima, que já havia sido procurado outras vezes, por meio da assessoria de imprensa, informou por telefone que estava em viagem a serviço e, por tanto, impossibilitado de falar. O secretário executivo de segurança, Jean Nunes, também foi procurado pela reportagem e informou que, por conta da divisão de atribuições dentro da pasta, somente o titular Cláudio Lima poderia falar sobre o tema. O delegado geral da Polícia Civil, João Alves também não foi localizado para falar sobre as investigações dos ataques no interior.