Por Júlio Cepêda
Em agosto, completou vinte anos, a lei 9.478 que pôs fim ao monopólio da exploração de óleo e gás, permitindo a abertura do mercado de petróleo brasileiro através de um modelo de concessão, criando ainda o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). De lá para cá, a indústria passou por altos e baixos e teve como ápice a descoberta do pré-sal, em 2006.
Em duas décadas, muito aconteceu no setor, um dos mais importantes no país. Na parte regulatória, tivemos um movimento do atual governo para destravar a indústria que chegou a ficar cinco anos sem a realização de rodadas de licitação. Entre as decisões, podemos destacar a flexibilização do conteúdo local, a não obrigatoriedade de ter a Petrobras como operadora única e a definição pela ANP de um calendário de leilões.
Já com relação à parte tributária, a situação era bem diferente até recentemente quando o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 795, continuando o movimento para tentar destravar o setor. Entre renúncias e cobranças, a MP veio para tentar elucidar algumas preocupações da indústria que convivia há cerca de vinte anos com insegurança jurídica e com divergências tributárias que aumentavam o grau de incerteza em função dos diversos entendimentos em um sistema tributário complexo como o brasileiro.
A MP 795 altera várias questões fiscais da indústria de óleo e gás e traz alguns pontos importantes para a indústria. O primeiro deles estipula como será feita a dedução no Imposto de Renda e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido dos gastos relacionados à atividade de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo. Antes, apenas a Petrobras tinha regras fiscais especiais e o restante do setor vivia a incerteza de qual tratamento deveria ser dispensado aos referidos gastos em função da falta de princípios contábeis locais específicos para indústria. Por conta dessa lacuna, inclusive com a norma brasileira sendo a única não aprovada até hoje, a maioria das empresas de exploração e produção, adota normas e princípios contábeis americanos como, por exemplo, métodos de capitalização de gastos conhecidos como Successful Efforts e Full Cost. A utilização destes, apesar de amplamente empregados pela indústria, gera incerteza sobre quais seriam os reflexos fiscais provocados por eles.
Uma segunda questão é relativa à discussão dos percentuais de isenção de pagamento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nos casos do split contract formado entre as empresas de afretamento, de serviço e a contratante, ou seja, a operadora de exploração e produção de óleo e gás. De acordo com o artigo 2º da MP, os percentuais de isenção de pagamento do referido imposto por tipo de embarcação serão reduzidos a partir de 2018. Com isso, teoricamente, podemos esperar um aumento da carga tributária sobre o afretamento a partir do próximo ano.
Por outro lado, no artigo 3º, o governo possibilita o pagamento do IRRF sem a incidência de multas no que se refere aos fatos geradores ocorridos antes de 2015, com a aplicação dos percentuais definidos em lei, ainda com a possibilidade de parcelamento do débito consolidado em até 12 parcelas mensais, iguais e sucessivas, sendo primeira prevista para 31 de janeiro de 2018, acrescida de juros Selic. A MP busca também esclarecer o conceito de pessoa vinculada, o que gerou bastante discussão na redação antiga introduzida pela Lei 13.043/2014.
Além da prorrogação do Repetro até 2040, ocorrida através do Decreto 9.128/17, o que era uma enorme preocupação do setor, a MP inova ao instituir o regime especial de importação com suspensão ou isenção do pagamento dos tributos federais para os bens cuja permanência no país seja definitiva e destinada às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos. Esse benefício é aplicado no caso de tributos federais como Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins. A lista dos bens adquiridos do exterior que terão direito à renúncia do imposto será definida ainda pela Receita Federal. Na sequência, o artigo 6º também suspende os tributos federais incidentes na aquisição no mercado interno de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem para serem utilizados no processo produtivo de item final destinado a tais atividades.
Apesar do esforço do Governo Federal em destravar o setor trazendo mais segurança jurídica, ainda que entre cobranças e renúncias, a grande pergunta é como os estados se posicionarão frente a essa iniciativa? A recente revogação do Repetro pelo Rio de Janeiro, bem como a atual situação econômico-financeira dos governos indica um pequeno, se não nulo, apetite desses por mais renúncias fiscais.
Vale ressaltar também alguns pontos tão importantes quanto os já apresentados, mas que ainda não foram sanados pelos governos, como a guerra fiscal de cobrança ou não de ICMS, que teve início em 2003, com a publicação da lei 4.117, a chamada Lei Noel, que determinava a incidência do tributo sobre a operação de extração de petróleo. Não satisfeito, o estado do Rio editou a lei 7.183, conhecida como a “nova Lei Noel”, ampliando o escopo da legislação. Essa determina a cobrança de um percentual na etapa compreendida não somente na extração do petróleo na localidade, mas também até a passagem pelos pontos de medição da produção, sob a alíquota total de 20%, o que foi fortemente contestada na Justiça.
Para finalizar, com a descoberta da exploração do pré-sal, as novas rodadas de licitação e a intensificação da adoção do regime de partilha, surge um outro questionamento: como será tributado o que for produzido sob esse modelo já que as regras foram criadas apenas no âmbito regulatório, sem qualquer paralelo tributário. Por tratar-se de um formato ainda pouco utilizado, a aplicação de regras gerais de tributação, principalmente estaduais, pode gerar múltiplas interpretações, resultando em novas batalhas judiciais no setor.
Em suma, vimos que a federação está fazendo a parte dela ao tentar destravar a indústria de óleo e gás, ao desonerar a cadeia produtiva, trazer de volta a atividade econômica do segmento e incentivar investimentos estrangeiros no Brasil. Em contrapartida, ela está esperando em troca o aumento da atividade da área de petróleo e, consequentemente, a geração de empregos, royalties, etc. Resta saber se os estados como, por exemplo, o Rio de Janeiro, um dos principais produtores do insumo no país e que está vivendo um das piores crises financeiras, vão ter o apetite e reagir no mesmo sentido.
*Júlio Cepeda é sócio da área de tributos em óleo e gás da KPMG
Caro jornalista, o sócio Júlio Cepeda está disponível para entrevistas.
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